Rio de Janeiro, 21 de Maio de 2025

Exclusivo: Presidente do IBGE, Pochmann revela dificuldades para gerir instituto

Márcio Pochmann, presidente do IBGE, discute os desafios do órgão, a necessidade de financiamento e a criação da Fundação IBGE+ para garantir a soberania de dados.

Segunda, 05 de Maio de 2025 às 16:15, por: Vitoria Carvalho

Pochmann lembra que, embora o IBGE trabalhe a coleta e sistematização de dados não apenas para orientar ações do governo federal diretamente, outros agentes públicos como estatais e governos estaduais e municipais, não recebe nenhuma ajuda destes últimos. Há inclusive leis que não permitem que isso ocorra.

Por João Negrão e Vitoria Carvalho, da Sucursal de Brasília

Após participar de audiência pública na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado, na semana passada, o presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Márcio Pochmann concedeu entrevista exclusiva ao Correio do Brasil. Na conversa, Pochmann relata, em especial, o subfinanciamento em que se encontra a instituição, sobretudo devido ao minguado orçamento destinado, comprometido em 92% com os custos de pessoal, sobrando pouco ou quase nada para os investimentos.

O executivo citou como exemplo o Censo Agropecuário para este ano, e o Censo Demográfico de 2030; além da urgente necessidade de modernização da instituição.

Pochmann lembra que, embora o IBGE trabalhe a coleta e sistematização de dados não apenas para orientar ações do governo federal diretamente, outros agentes públicos como estatais e governos estaduais e municipais, não recebe nenhuma ajuda destes últimos. Há inclusive leis que não permitem que isso ocorra. A solução encontrada por ele e sua equipe foi a proposta de criação da Fundação IBGE+, com capacidade para buscar financiamentos públicos e privados.

Situação

A proposta encontrou resistência por parte de um minúsculo contingente de servidores do órgão. Pochmann, no entanto, escancara na entrevista que este foi apenas um subterfúgio criado por cerca de 700 pessoas inconformadas com a perda de privilégios no órgão, incluindo a exigência de retorno às atividades presenciais ao menos dois dias da semana.

Outro ponto importante que Pochmann aborda nesta entrevista é a soberania de dados, alertando que esse controle está praticamente nas mãos das  big techs, empresas estrangeiras que controlam a vida dos cidadãos e, consequentemente, seus dados. Para contrapor essa situação, propõe ele a criação do Sistema Nacional de Geociência, Estatísticas e Dados, para coordenar e integrar todos os dados públicos, unificando o conjunto de informações de todos os órgãos do governo.

Exclusivo:  Presidente do IBGE, Pochmann revela dificuldades para gerir instituto | Pochmann dirige um dos mais importantes institutos de pesquisa da América Latina
Pochmann dirige um dos mais importantes institutos de pesquisa da América Latina

Segue a entrevista:

Correio do Brasil – Presidente, gostaríamos que o senhor começasse analisando quais os reflexos sofre hoje o IBGE depois de um período de quatro anos de governo Bolsonaro e dois de Temer nos quais, como podemos perceber, o órgão foi praticamente sabotado.

— O ex-presidente Bolsonaro fez, no final do ano passado, uma crítica ao IBGE dizendo que os dados sobre o desemprego não eram os verdadeiros. O que nos causou espanto, porque ele, na condição de presidente, utilizou em vários momentos do seu governo dados do IBGE para comprovar resultados do seu próprio governo. O IBGE é uma instituição de Estado, não produz dados para este ou para aquele governo, produz dados de acordo com a metodologia científica adotada. Mas o fato concreto é que nós tivemos dificuldades na instituição de operar diante de uma governança que pouco olhar deteve para a questão orçamentária, para concurso público, para gestão pública, e isso fez com que a instituição sem concurso tivesse que cada vez mais utilizar de consultores. Consultores que são opcionais, mas que vêm, trabalham um tempo na instituição e saem. E o IBGE é uma instituição muito sensível, com dados sofisticados, tem um sigilo estatístico. Então, esta situação foi comprometendo a credibilidade e, inclusive, expondo uma certa vulnerabilidade na instituição— disse o Presidente do IBGE.

Correio do Brasil – Esta volatilidade de pessoal não concursado compromete porque não possibilita maior controle do órgão sobre esses consultores, o que impede medidas com a quarentena, por exemplo?

Sim, nós temos denúncias na instituição de que eram conflitos de interesses na relação público-privada. Na condição de presidente, meu papel é solicitar investigação dos órgãos de controle que existem dentro do IBGE e fora do IBGE, como Ministério Público. Nós temos de averiguar de fato a confirmação para que possamos tomar as medidas necessárias. Não temos nenhum compromisso com erro, pelo contrário. E essa é uma questão muito cara para o IBGE, porque toda a sua credibilidade é onde se deposita justamente os critérios pelas quais uma instituição tem tanta importância como é o caso do IBGEesclarece Pochmann.

Entrada no IBGE

Correio do Brasil – Presidente, só uma curiosidade: o senhor mencionou na audiência pública no Senado, que só assumiu o IBGE em agosto de 2023. Porque o senhor não assumiu logo junto com o governo? Isso, de certa forma, não afetou a situação que o senhor enfrenta hoje?

O que ocorreu foi que era o período em que ainda estava em curso o censo demográfico, ele não havia sido terminado. Então, a interrupção de uma gestão por outra poderia ter alguma implicação no curso de um censo que estava já desde 2022 em campo. Quando encerrou o censo, foi o momento então que o presidente Lula e a ministra Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, ao qual o IBGE está subordinado, entenderam que era adequado fazer então a troca de direção.

Correio do Brasil – Retomando sobre essa situação da deficiência no quadro funcional permanente do IBGE. Também gostaríamos que o senhor falasse da modernização do órgão.

Estamos trabalhando dentro de uma dualidade: de um lado a recuperação do IBGE; e de outro a modernização do IBGE. Com a recuperação se deu basicamente, temos muito o que fazer, do ponto de vista de colocar o IBGE como coordenador dos dados nacionais, porque a era digital impõe uma perda de soberania dos dados das nações, não só o Brasil, todo o mundo. Hoje as grandes empresas de tecnologias estrangeiras detêm informações de todos os brasileiros. Instituições como IBGE, ou como outras instituições como a nossa em cada um dos países, são instituições que detêm o monopólio das informações.

Soberania de dados

O que está acontecendo é que, com a digitalização, com as redes sociais, por exemplo, com digitação de bancos de dados, são essas empresas de tecnologias que na verdade operam, processam, extraem essas informações, Então, por exemplo, cada um de nós que participou de uma rede social, ela precisa aceitar a política de privacidade de cada uma das empresas que governam uma rede social; se você não autorizar você não entra. Ao autorizar você está autorizando que todos os dados, todas as informações que você passar são capturadas por essa empresa. E ela possa ser então ter a informação das mensagens que você enviou, das operações bancárias que fez, das decisões que tomou em termos de trajetória pra ir para um lugar ou para outro lugar explica o economista.

Então esse tipo de informação vai sendo extraída e vai permitindo na verdade analisá-las e ter uma visão preditiva. Se você fez uma série de coisas assim, nada nega que amanhã você vai fazer a mesma coisa: levantar tal hora, usar tal informação, ligar para tal pessoa, tomar tal percurso ou fazer tal operação bancária. Então isso na verdade está permitindo que empresa estrangeira tenha mais informações que o próprio IBGE, mais o presidente da República, que mais o governador.

A soberania dos dados se tornou estratégica. Precisamos garantir que os dados dos brasileiros estejam armazenados e geridos dentro do país, em nuvens de dados nacionais, e não por empresas estrangeiras. Por isso estamos propondo a criação do Sistema Nacional de Geociência, Estatísticas e Dados, que coordene e integre todos os bancos de dados públicos com metodologia comum. Isso nos daria na verdade uma soberania de decidirmos a partir das informações brasileiras, decisões de tomar em termos de políticas públicas, por exemplo. Isso implica a questão da modernização e que precisa, além disso, do recurso do orçamento. Sim, evidente, que estamos falando agora de uma capacidade tecnológica para processar todo esse conjunto de informações. Informações do DataPrev, do Data SUS, por exemplo, que são instituições muito importantes. E que trabalhando tudo em conjunto nos permitiria ter esse conjunto de informações.

Bancos de dados sem comunicação

Correio do Brasil – E hoje esses bancos de dados não se comunicam?

Exato. Temos bancos de dados como o DataSUS (saúde), a Receita Federal (dados fiscais), o CadÚnico (assistência social), entre outros. Cada um foi criado com metodologias próprias, o que dificulta a integração. É preciso pareamento, linkagem e homogenização para termos um sistema que funcione de forma coordenada. No segundo encontro nacional de servidores, nós discutimos o que seria esse sistema nacional de dados, de coordenação, como é que interligaríamos e dados e assim por diante. E agora, em maio, nós vamos fazer o terceiro encontro dos servidores para definir um plano de que o IBGE vai fazer até 2030. Nós vamos fazer em 2030 o Censo Demográfico, vamos fazer uma Pesquisa Nacional por Amostra de Estabelecimentos no campo, vamos ter uma série de decisões do que o IBGE vai definir para o Brasil. O que nós temos que fazer? Porque nós estamos vivendo uma sociedade nova, com tantas transformações, quem pode revelar isso, que tem a capacidade para esse IBGE? Você precisa planejar, planejar sem ter orçamento, com quem você vai fazer isso, qual a tecnologia? questionou Pochmann

Correio do Brasil – Porque o senhor acha que implicaram tanto com o IBGE+?

Então, em grande medida, o movimento contrário ao IBGE+ ocorreu de uma parte muito pequena dos servidores. Estamos falando de 700 pessoas ou menos num universo de quase 11 mil servidores. Mas, enfim, o questionamento veio justamente porque esse número de colegas foi afetado pelo fato de que determinei a volta ao trabalho presencial de dois dias por semana e estavam em trabalho remoto integral em casa, morando alguns até fora da sua cidade que deveria prestar o serviço, outros morando fora do país. E isso gerou, na verdade, um açodamento por parte deles. Segundo também ao mesmo grupo que estava situado num prédio que é alugado com um valor de aluguel de R$ 15 milhões por ano. Nós encontramos um outro lugar mais barato e melhor com R$ 12 milhões por ano. E aí utilizou-se um subterfúgio. Poderiam ter dito “olha, nós somos contra o presidente porque ele quer que a gente vá trabalhar presencial dois dias por semana”. Mas não. Então criaram um artifício, nesse sentido.

Reformulação do IBGE

O IBGE tem tomado suas decisões, em um processo de diálogo permanente, que envolve o conjunto dos servidores. Pochmann explica que não foi superado o problema do financiamento da instituição.

Nós viemos numa trajetória de queda, a partir de 2023, 2024 começou a recuperar um pouquinho, mas é o que a instituição tem, então a questão do financiamento está colocada em encontrar alternativas e o IBGE+ é uma alternativa apontada por nós.

Ele relata que está havendo dentro do IBGE um diálogo para ver se é possível encontrar alternativas para o financiamento da instituição.

Especialmente os que são críticos – você é crítico, perfeito -, mas, então, qual é a solução que você tem? Você é contra a fundação, então qual é a solução? Exatamente isso, estamos fazendo esse diálogo em casa e estamos fazendo um diálogo também com a Advocacia Geral da União, vamos fazer com o Tribunal de Contas. Estamos na verdade mediando este debate para definir o melhor modelo institucional e buscar alternativas de financiamento.

Orçamento

Correio do Brasil – O senhor tem falado com a ministra Simone Tebet. É possível que melhore o orçamento do IBGE?

Sim, nós estamos justamente agora acompanhando as decisões da Junta de Execução Orçamentária, para ver se de fato vai ser reservado o recurso para encaminhar o Censo Agropecuário, nesse ano já a etapa preparatória para entrar em campo em 2026. Então estamos aguardando uma definição do orçamento para garantir recursos para o Censo de 2030. O plano está em construção, mas é preciso apoio político e técnico para avançar. A definição orçamentária é essencial para viabilizar o Censo de 2030 e as ações preparatórias ainda em 2025. A luta continua.

Edições digital e impressa