Rio de Janeiro, 16 de Junho de 2025

Corpo Fechado: o teatro que rompe os muros da escola e denuncia o racismo estrutural

Uma reza em cena contra o racismo: juventude negra ocupa o teatro e questiona os apagamentos históricos nas salas de aula

Sexta, 16 de Maio de 2025 às 18:45, por: Vitoria Carvalho
Por Vitoria Carvalho, da sucursal de Brasília

Enquanto o Distrito Federal vive um fim de semana cultural intenso, com exposições de arte, fotografia e eventos comunitários, um espetáculo em especial se destaca não apenas por sua potência artística, mas por seu profundo compromisso social: “Corpo Fechado”, da Semente Cia. Teatral.

Apresentado no Teatro Newton Rossi, no SESC Ceilândia, a obra é uma verdadeira reza cênica contra o racismo e uma resposta contundente à ausência de representatividade afro-brasileira no ambiente escolar. Dirigido por Valdeci Moreira e encenado por estudantes do Centro Educacional 08 do Gama, o espetáculo nasceu de cinco meses de oficinas e vivências teatrais.

Corpo Fechado: o teatro que rompe os muros da escola e denuncia o racismo estrutural | Foto: Ogan Luiz Alves
Foto: Ogan Luiz Alves

Falta de debates sobre a identidade afro-brasileira

Mais do que uma peça, “Corpo Fechado” é um processo pedagógico de aquilombamento – um espaço de resistência que promove a consciência racial e social da juventude negra por meio da arte. É um teatro feito na e pela periferia, carregado da gramática, da ginga e da oralidade dos terreiros. Para Valdeci, quando perguntado se existe formação na escola e como se debate identidade afro-brasileira, ele responde de forma direta explicando que não existe esse espaço de troca.

” Existe, sim, um grande número de professores que preferem não investir nos debates afro-brasileiros. Esse espetáculo chegou com muita representatividade para uma comunidade negra que sofre racismo religioso e preconceito por suas raízes”, relata o diretor.

A ausência de uma educação antirracista efetiva nas escolas públicas é uma realidade que o espetáculo escancara. Apesar da obrigatoriedade legal da Lei 10.639/03 – que estabelece o ensino da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares – a prática ainda está longe do ideal. A escola, muitas vezes, silencia debates sobre ancestralidade, espiritualidade de matriz africana e identidade negra. “Corpo Fechado” se apresenta, então, como uma ferramenta pedagógica de transformação, mostrando que a arte pode ser tão incisiva quanto qualquer livro didático.Valdeci compartilha sua experiência pessoal de racismo dentro de instituições de ensino.

“Vivi anos em ambientes onde não podia nem sentar na frente da sala. Me viam e me xingavam por causa da minha religião. Até hoje, em espaços educacionais, há professores que desprezam esse debate sobre as raízes afro-brasileiras. Mas quem se sente tocado com isso, com essa representatividade, são os alunos que participam.”

Pedagogia nos terreiros

O espetáculo tem como base a dramaturgia de Lelê Teles e do próprio Valdeci, e está conectado à Pedagogia dos Terreiros, propondo um novo modelo de ensino: coletivo, ancestral e afetivo. “Corpo Fechado” rompe com a lógica verticalizada da escola tradicional e propõe uma educação horizontal, onde os corpos negros são protagonistas da própria narrativa.

Premiado com o Prêmio Paulo Freire de Educação Antirracista, o trabalho já impactou mais de 2.300 pessoas em 2024, com apresentações em escolas públicas, no Espaço Semente, e no Teatro dos Bancários. Agora, em 2025, a temporada se inicia no SESC Ceilândia, nos dias 16, 17 e 18 de maio.

Corpo Fechado: o teatro que rompe os muros da escola e denuncia o racismo estrutural | Foto: Ogan Luiz Alves
Foto: Ogan Luiz Alves

Programação

Sexta (16) e sábado (17), às 20h

Domingo (18), às 19h

Local: Teatro Newton Rossi – SESC Ceilândia Norte

Ingressos: R$ 30 (inteira) / R$ 15 (meia), à venda em sympla.com.br

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“Corpo Fechado” é um grito coletivo, um espaço de cura e um convite à reflexão. É também um recado claro: o quilombo ainda vive – e resiste – nas escolas, nas ruas e nos palcos do Distrito Federal.

Evoé, Saravá, Axé. Salve a periferia.

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