Rio de Janeiro, 05 de Dezembro de 2025

Caravana África Diversa encerra sua temporada

A Caravana África Diversa encerra sua temporada no Rio, celebrando a cultura africana com arte, música e contação de histórias. Confira os destaques!

Quinta, 27 de Novembro de 2025 às 13:04, por: CdB

A Caravana África Diversa encerra suas atividades nesta quinta-feira, após quase uma semana de encontros presenciais no Rio.

Por Redação – do Rio de Janeiro

A Caravana África Diversa traz ao Rio a arte do bom e velho encontro, zero telas, 100% corpo presente. Atrás de uma programação gratuita e formada por cortejos, seminários, oficinas, rodas de contação de histórias, espetáculos de artes cênicas e música, gente de toda parte vem se reunindo desde o último sábado, quando começou o festival, na área externa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP/Iphan). Terça-feira, na BiblioMaison, no Centro, plateia lotada, os artistas Muriel Bloch, da França, Boubacar Ndiyae e Baye Mbaye, ambos do Senegal, juntamente com as brasileiras Tatiana Henrique e Daniele Ramalho, curadora do projeto, viveram momentos únicos através dos contos dramatizados, ao vivo e a cores, como se dizia antigamente. Realizada pelo Ministério da Cultura e Petrobras, a Caravana África Diversa ocorre no âmbito do Mês da Consciência Negra.

Caravana África Diversa encerra sua temporada | Espetáculo “Masemba” – Benjamin Abras
Espetáculo “Masemba” – Benjamin Abras

A curadora Daniele Ramalho trouxe para esta edição o curador convidado Hassane Kouiyaté. Atriz e contadora de histórias, Daniele fez três formações com o pai de Hassane, o griô Sotigui Kouiyaté, integrante da companhia de Peter Brook. “Fiz três formações com Sotigui numa época em que estava começando a contar histórias das matrizes indígenas e afro-brasileiras. Fui ao festival de Hassane, o Yeleen/Iluminação, em Burkina Faso, 2011, contando histórias brasileiras. O Yeleen passou por diversas cidades como Bobo Dialoussou, Pa, Hounde, Koumi. Na volta desta viagem, o África Diversa nasceu. Esta é a sexta edição. Através do festival, tento devolver ao continente africano um pouco do que recebi. A cultura e o ponto de partida, para gerarmos intercâmbios e debatermos temas do nosso tempo. Acredito que podemos colaborar para reconhecimento das culturas africanas da diáspora”, analisa Daniele.

Na quarta-feira, a programação começou no Quilombo Ferreira Diniz.  Conhecido pela feijoada da Tia Cida no Quintal do Quilombo, onde duas famílias vivem há 70 anos, a atividade começa às 14h. Oficina e apresentação de contos põem mesa. O camaronês Boniface Ofogo Nkama, a francesa Muriel Bloch e os senegaleses Boubacar Ndiaye e Baye Cheikh Mbaye aguardam o público. O quilombo é liderado pela budista Aparecida de Fátima Ferreira, a Tia Cida. Nascida em Minas Gerais, mudou-se aos 12 anos para o local e hoje é responsável pelo quilombo. “A nossa história é longa, muitas lutas, muitas conquistas. Há dois anos nós conseguimos os nossos certificados de quilombola”, conta. Tia Cida também dá nome à feijoada famosa que acontece toda sexta-feira no lugar. “É um prazer enorme receber a Caravana África Diversa, uma honra muito grande escolherem o nosso espaço. É isso, é agradecer. Agradecer de verdade por tudo, por todo esse apoio que a sociedade e todas as pessoas vêm dando pra gente”, afirma.

Os artistas do Senegal, juntamente com a francesa Muriel, que estiveram na BiblioMaison, no Quilombo compartilharam histórias. Boubacar é um capítulo à parte. Acompanhado pelo griô Baye Cheikh Mbaye, que é percussionista e compositor, mostra sua arte, uma soma de narrativas africanas em forma de contos, lendas, épicos, mitos e histórias de vida, sempre acompanhadas por música, cantos e danças. Em 2007, fundou a associação “Puits à Paroles”, com sedes na França e no Senegal, responsável pela realização anual do “Festiparoles – Festival Internacional de Artes da Contação de Histórias e Encontros”.

Outro artista repleto de expressão é Boniface Ofogo, nascido em Bogondo, Camarões, atualmente vivendo em Madri, na Espanha. O escritor é especialista em fábulas, lendas, mitos e tradições da África negra. Na atualidade, escreve e narra contos africanos, com passagem por países como França, Costa Rica, Colômbia e Argentina. Já Muriel Bloch é francesa e mora em Paris. Conta histórias para todas as idades e em toda parte desde 1979. Trabalhou no Centro Pompidou e publicou, além de gravar, mais de 50 coletâneas de contos com diversas editoras. Inclusive, foi curadora de uma coletânea e um CD sobre mitos e contos brasileiros.

Pertinho do Quilombo, no Teatro Cacilda Becker, no Catete, a apresentação de dança-teatro “Masemba”, do artista mineiro, radicado na França, Benjamin Abras, iluminou a sala histórica. Há oito anos sem se apresentar em palcos do Brasil, o ator, diretor e dramaturgo, natural de Belo Horizonte, é referência em Afro-Butoh. Vive há cinco anos na França. No Brasil, participou de trabalhos com o saudoso diretor João das Neves, fundador do Grupo Opinião, e com o coreógrafo Rui Moreira.

“O solo ‘Masemba’

Paralelamente, fez sua iniciação em religiões de matriz africana. “O solo ‘Masemba’ é fruto de imersões contínuas em várias tradições, mas especialmente da minha experiência com a Capoeira Angola e a investigação sobre o transe da presença, fazendo reverência às ancestralidades, à força da transformação, à experiência do corpo como lugar da encruzilhada e transformação”, define o artista.

Parte da composição do solo “Masemba” é a pintura corporal, resultante de uma investigação com o povo Omo, próximo do Níger. Nessa comunidade, que se paramenta usando argila, terra e flores, Benjamin viu o corpo adornado com desenhos e grafismos, num território de beleza e transformação. “Masemba” incorpora signos.

A palavra Masemba tem um jogo de significados. “Estou trabalhando com o Afro Butoh e, no processo de criação, me alinho com a pintura Zen que estudei durante muitos anos e que é o elemento ‘ma’, em japonês, pode ser traduzido como ‘entre lugar’. O ‘ma’ é uma janela que no centro pode ter um Sol ou uma Lua. No processo da vida, há a incerteza, a impermanência, como prega a Filosofia Zen. E esse processo ele existe dentro da experiência africana. Ou seja, a cultura afro-asiática traz isso pra gente. Ao pé da letra, a palavra Masemba é o plural de Semba, mar. Masemba quer dizer vários mares”.

Nesta quinta-feira, das 11h às 13h, Benjamin Abras apresentou no Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá, oficina de dança Afro Butoh. Inscrição pelo Sympla. À noite, no Teatro Dulcina, todos os artistas que movimentaram a Caravana se reuniram para o encerramento. A partir das 19h, começou  o show do coletivo Fulu Miziki. O grupo se formou para fazer música no distante ano de 1999. O sonho até poderia ser soterrado junto com o excesso de lixo que grassava no bairro Ngwaka, na capital do país, Kinshasa, de onde todos são. Subverteram a lógica: começaram a criar instrumentos, figurinos, com máscaras surpreendentes como tudo o mais no visual do Fulu Miziki, que tem a musicalidade em alta referência no Afrofuturismo.  A partir de uma residência artística com o músico Roland Barrett desenvolveram o conceito de “Música de lixeira” tradução aproximada da expressão Fulu Miziki. Se definem como uma assembléia Eco-Amiga-Futurista-Punk que aponta um futuro em que os humanos se reconciliam com a terra e com eles mesmos. “Nosso objetivo é encorajar as trocas culturais, proporcionando interculturalidade. No lixo, encontramos o que ninguém enxergava”, afirma Yenge Wayenge Agler, de apelido La Roche. Além dele, formam a banda Ingau Sombola, o La Roche, Nkoyi Somunga, o Padou, Bosele Bokungako, o Pitschou, Kalunzitasko, o Le Meilleur e Bekila Delton Daniel. Vivendo em Marselha, na França, os músicos visitaram a Praia do Flamengo para conhecer algumas belezas do Rio antes do final da “Caravana África Diversa”.

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