Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2024

O chapéu vazio - Da série Breves Crônicas Simbólicas para situações estrambólicas

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Sexta, 12 de Outubro de 2018 às 12:30, por: CdB

O que me chamou a atenção foi um chapéu de cangaceiro perdido naquela confusão toda. Parecia comprado de última hora na feira de São Cristóvão -a feira dos paraíbas.

Por Xico Sá - de São Paulo
  Não foi a cara de pau do Coiso que me chamou atenção naquele hotel carioca. Menos de 24 horas atrás ele havia se escorado em um atestado médico para evitar o debate na Band -agora estava ali, nos trinques, falando mais do que “o homem da cobra”, aquele velho camelô do remédio feito do veneno do ofídio, personagem clássico das feiras brasileiras
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Bolsonaro, tenta, desesperadamente, arrumar alguns votos no Nordeste
O que me chamou a atenção foi um chapéu de cangaceiro perdido naquela confusão toda. Parecia comprado de última hora na feira de São Cristóvão -a feira dos paraíbas, como é conhecida pelos cariocas- ou em um turismo acidental nas praias nordestinas. A origem e a ocasião não importam. Chamou a atenção: como um dos filhos do Coiso impôs o chapéu ao candidato da extrema-direita. Ele usou para instagramar a falsidade, tirou de lado, e aquele chapéu virou um símbolo perdido, deslampironizado.

Lampirônicas

A ideia da campanha era mostrar que o desprezo pelo Nordeste, como uma série de vídeos esfrega na nossa cara, não correspondia à realidade. Repare: o Coiso até usa um chapéu do cangaço, embora o capitão da reserva pertença à “volante” (polícia no dizer antigo da região) e suas milícias. Para o marketing milico, a bronca estaria resolvida, ele enfiou o chapéu na cabeça, na cabeça cheia de infâmias e continências. Passa a régua nas contradições lampirônicas, chama o Glauber Rocha. Um chapéu perdido, um símbolo usado e esvaziado em segundos na Barra da Tijuca, qual o destino dos símbolos quando pegam o bonde errado?

Estrangeiro

Jamais esquecerei esse chapéu sem rumo. O sol, esse “paraíba” que teima todos os dias, por testemunha de tamanha indecência. Pode ter sido um delírio, mas vi aquele chapéu, vida própria no seu ciclo do couro, correndo daquele ambiente como um migrante ou um inconsolável estrangeiro. Um chapéu, mesmo o mais ordinário comprado em uma visita turística, carece de uma cabeça e de um sentido. Xico Sá, escritor e jornalista, nasceu no Crato, Cariri, e é autor de “Sertão Japão” (ed. Casa de Irene), entre outros livros.
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