Jair Bolsonaro é o personagem mais notório que faz uma ponte entre as milícias do Rio de Janeiro e a repressão política dos anos de chumbo.
Celso Lungaretti, de São Paulo, editor do blog Náufrago da Utopia
Por um lado, nos seus vários mandatos legislativos sempre as defendeu e enalteceu, afora ter com elas mantido ligações perigosas que ainda estão sendo apuradas pela Justiça e poderão, inclusive, custar-lhe o mandato.Lixo do Ustra: será o único livro que ele leu até hoje? |
"Quando ocorreu a decisão de diminuir ou acabar com a repressão política efetivamente (...) e, ao mesmo tempo, iniciar uma abertura política, os torturadores e o pessoal mais diretamente envolvido na repressão se sentiu traído pelo regime [militar]. E foram procurar outros espaços onde eles pudessem ter o mesmo poder de vida e morte que tinham.
Quem abriu esse espaço para eles foi o crime organizado, que naquele momento, no Rio de Janeiro, dominava a cidade. E foi o jogo do bicho que acabou fazendo uma aliança com esses grupos".Na árvore genealógica das milícias estão os grupos de extermínio e as bestas-feras dos porões da ditadura, explicou Jupiara:
"...Os grupos de extermínio, da década de 60, atuavam por si só, mas também atuaram a pedido de bicheiros. Desde essa época havia uma relação íntima entre esses grupos. Só foi se agravando....
...estava havendo uma redistribuição territorial pelo jogo do bicho. Até os anos 60 e início dos 70, a cidade era muito fracionada. Havia muitos bicheiros com áreas pequenas.
Surge uma geração nova, naquela época, formada, por exemplo, por Castor de Andrade, por Anísio Abraão David. Esse grupo começa a se articular para formar a cúpula do jogo do bicho, do crime organizado... Acontece uma guerra por conta disso".E, para travar guerras, nada melhor do que os especialistas no ofício:
"Aí se juntam as duas coisas. Os bicheiros já tinham seu grupo armado, baseado em policiais militares e civis, que vinham dos antigos grupos de extermínio.
Eles pegaram esses grupos e juntaram com os agentes da repressão. Os agentes militares possuem conhecimentos que os assassinos de aluguel não tinham. Era um conhecimento de organização, hierarquia e centralização.
Uma das pessoas que levou a essa noção e que ajudou a formar a cúpula foi o o capitão [Aílton] Guimarães [Jorge]. Ele não foi a única pessoa. Outros bicheiros foram recrutando outros elementos. Os policiais não tinham conhecimentos que o grupo militar podia dar para o jogo do bicho...
Foto rara do Capitão Guimarães |
...[tratou-se de um] processo de profissionalização que foi guiado por esse militares oriundos dos porões da ditadura, que contribuiu para mudança da territorialização do crime na cidade".UM DEPOIMENTO PESSOAL—O Capitão Guimarães é personagem também de outra história: a minha. Pois fui prisioneiro político e fui torturado na PE da Vila Militar, em que ele servia no terrível ano de 1970. Foi no seu quartel que morreu assassinado, em novembro de 1969, o militante Chael Charles Schreier, 23 anos, companheiro de Dilma Rousseff na VAR-Palmares. Guimarães foi citado nos testemunhos de outros presos como autor de alguns dos chutes e pontapés que causaram a morte de Schreier por “contusão abdominal com rupturas do mesocólon transverso e mesentério, com hemorragia interna”. E estava também entre os quatro torturadores responsáveis pelo assassinato do meu companheiro e amigo Eremias Delizoicov (vide aqui). Embora tivesse se formado como oficial de Intendência, ele fez questão de atuar na repressão política. Chegou a ser carcereiro de Vladimir Palmeira, preso no Congresso de Ibiúna da UNE e, logo após a assinatura do AI-5, comandou a equipe que foi prender Paulo Francis e Ferreira Gullar. Em outubro de 1969 foi ferido na perna exatamente na operação que culminou na execução do Eremias (o qual, por sua vez, recebeu o exagero de 35 tiros e ficou tão desfigurado que os matadores nem conseguiram identificá-lo direito e o comunicado à imprensa saiu com o nome de José Araujo Nobrega, outro militante da VPR). Isto lhe valeu a Medalha do Pacificador, com que foram agraciados os principais torturadores da época. Seu grande feito: deixar-se ferir como um amador e depois descarregar sua fúria num jovem de 18 anos que estava cercado e acabaria inevitavelmente sendo capturado.
Celso Lungaretti, editor do blog Náufragho da Utopia
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