Pesquisas indicam que social-democrata Lula está no limiar de vencer pleito no 1° turno e impor derrota à extrema direita. Acuado, Bolsonaro sinaliza que não deve aceitar fracasso nas urnas.
Por Redação, com DW - de Brasília
Quatro anos após a onda de direita que virou de cabeça para baixo o mundo político brasileiro, os eleitores voltaram às urnas neste domingo para votar numa disputa que pela primeira vez na história brasileira reúne um ocupante do Planalto em busca da reeleição e um ex-presidente.
Apesar de contar com 11 candidatos, a campanha se desenhou para um duelo sobre duas personalidades que não poderiam representar projetos mais antagônicos: o extremista de direita de Jair Bolsonaro (PL) e o social-democrata Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
É o duelo que não aconteceu em 2018.
Representante de uma agenda que mescla ultranacionalismo, fundamentalismo cristão, desprezo pela separação de Poderes, rejeição a valores progressistas, promoção do armamento da população e flexibilização de regras ambientais, Bolsonaro já não pode se apresentar como "outsider" a exemplo do que ocorreu na eleição passada. Seus quase quatro anos de governo foram marcados por problemas econômicos e sanitários, isolamento internacional, aumento da pobreza e sucessivas crises políticas.
Apesar de tudo isso, o presidente ainda conta com uma parcela significativa de apoiadores ferrenhos, ainda fiéis à sua agenda moral, especialmente entre o eleitorado evangélico e setores mais ricos. No entanto, ele perdeu boa parte dos eleitores de centro que há quatro anos haviam aderido de maneira decisiva à sua candidatura em nome do antipetismo.
Lula, por sua vez, lançou-se à corrida apostando na nostalgia pelos seus dois bem-sucedidos mandatos à frente da Presidência (2003-2010). Sua popularidade persistente, especialmente entre as camadas mais pobres, posicionou o petista como favorito para vencer o pleito desde a divulgação das primeiras pesquisas em 2021.
Uma eventual vitória de Lula pode marcar ainda a volta da esquerda ao poder do maior país da América do Sul seis anos após a derrocada de Dilma Rousseff, apadrinhada de Lula que sofreu um impeachment em 2016 na esteira de uma série de escândalos de corrupção, má gestão econômica, perda de apoio parlamentar e acirramento do antipetismo, especialmente entre a classe média.
Nos últimos dias, a campanha de Lula tem investido na pressão do "voto útil", tentando liquidar a eleição ainda no primeiro turno. Segundo levantamentos divulgados no sábado, o petista conta com 50% a 51% das intenções de votos uteis. Para vencer são necessários 50% mais um. No entanto, por causa da margem de erro de dois pontos percentuais e fatores como abstenção, a possibilidade de um segundo turno entre Lula e Bolsonaro permanece em aberto.
Campanha começou ainda em 2021
Oficialmente, a campanha presidencial teve início em 15 de agosto, mas o pontapé inicial da disputa foi dado em março do ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal anulou todas as sentenças contra o ex-presidente Lula, devolvendo ao petista seus direitos políticos – e consequentemente o cacifando para concorrer novamente à Presidência, ao contrário do que ocorreu em 2018, quando ele foi barrado.
Desde então, Lula foi o único candidato que demonstrou nas pesquisas capacidade de frear o bolsonarismo, diante do fracasso de uma série de postulantes que tentaram se posicionar como "uma terceira via". Ao longo de um ano, nenhum candidato fora de Lula e Bolsonaro conseguiu romper a barreira dos dez pontos nas pesquisas.
Em um comício em Curitiba no mês de setembro, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, classificou a volta por cima de Lula como uma "redenção". Após passar 580 dias na prisão, Lula voltou à antiga "capital da Lava Jato" com chances de vencer a eleição ainda no primeiro turno.
Bolsonaro, por sua vez, também lançou mão de todo o tipo de tática em busca da sua própria "redenção" e tentar reverter sua impopularidade. Seu governo promoveu a criação de uma série de benefícios sociais em pleno ano de eleições e ainda transformou o bicentenário da Independência em comícios a favor da sua reeleição. Com o objetivo de tentar reverter sua alta rejeição entre o eleitorado feminino, Bolsonaro também arregimentou a primeira-dama, Michelle, para participar da campanha.
Ao longo da campanha, Bolsonaro ainda tentou pintar a disputa como uma "luta do bem contra o mal" e lançou uma série de ataques contra seu principal rival, especialmente no último debate televisivo. Assim como ocorreu em 2018, a base do presidente também fez uso extensivo de distribuição de fake news contra adversários.
No entanto, as táticas não haviam revertido até a véspera da eleição a posição de desvantagem de Bolsonaro em relação a Lula. No último Datafolha, o presidente permanecia 14 pontos atrás do petista.
Na reta final, o presidente pareceu abdicar de tentar virar votos de eleitores que não apoiam o governo, viajando a uma "zona de conforto": o estado de Santa Catarina, no qual possui uma esmagadora maioria das intenções de voto, em vez de se concentrar em colégios eleitorais maiores nos quais Lula aparece à frente.
O risco Jair Bolsonaro
Se o pleito de 2018 já havia sido marcado por um clima de acirramento político jamais visto desde a volta das eleições diretas para presidente em 1989, com o próprio Bolsonaro sendo alvo de um atentado, a disputa deste domingo também desperta temores de violência.
Nos últimos meses, ganharam destaque casos como o assassinato de um dirigente petista para um apoiador de Bolsonaro em Foz do Iguaçu. Entrevistadores de institutos de pesquisa foram agredidos nas ruas e jornalistas foram novamente alvo de assédio por parte de membros da base radical do presidente.
Nos últimos anos, o governo Bolsonaro também flexibilizou o acesso a armas de fogo no país. Como resultado: a venda explodiu e milhares de apoiadores do presidente correram para se armar. Durante a pandemia, Bolsonaro já havia defendido armar a população para que ela se insurgisse contra governadores e prefeitos que haviam implementado medidas de isolamento.
Se o clima nas ruas já é suficiente para causar preocupação, as atenções também se voltam para o Planalto. Segundo as últimas pesquisas do Ipec e do Datafolha, Bolsonaro pode perder a eleição já neste domingo. Caso ainda consiga passar para o segundo turno, sua derrota se desenha praticamente certa, segundo os institutos, diante da alta rejeição que seu nome provoca entre a maioria do eleitorado.
Jair Bolsonaro reconhecerá o resultado? O presidente já sinalizou diversas vezes que não pretende conceder uma eventual derrota. Ele ainda insinuou que pode estimular uma ofensiva semelhante àquela lançada pelo seu ídolo, o ex-presidente americano Donald Trump, que em janeiro de 2021 instigou a invasão da sede do Congresso americano por uma turba de apoiadores radicais – tudo com o objetivo de tentar impedir a oficialização da sua derrota e a vitória do democrata Joe Biden. "Aqui no Brasil se tivermos o voto eletrônico em 22 vai ser a mesma coisa, a fraude existe", disse Bolsonaro em janeiro, em mais uma das suas falas contra o sistema de votação no Brasil.
Ainda em 2018, antes de tomar posse, Bolsonaro já vinha desenhado essa estratégia, ao afirmar que só não havia ganhado no primeiro turno daquele ano por causa de supostas "fraudes" nas urnas. Posteriormente, as maquinações se tornaram mais amplas e ele chegou a incentivar as Forças Armadas a participarem da fiscalização processo eleitoral, levantando temores de interferência. O presidente também afirmou há duas semanas de maneira ameaçadora que "se não ganhar no primeiro turno" com "60%" dos votos, algo de "anormal" terá acontecido "dentro do TSE".
Apesar de ter condicionado sua base radical a duvidar dos números de pesquisas e da segurança das urnas eletrônicas, o presidente tem encontrado pouco apoio na classe política tradicional para suas falas golpistas. Seus principais aliados do Centrão na Câmara e no Senado vêm evitando endossar as ofensivas do presidente contra o sistema eleitoral e alguns já demonstram sinais de resignação com uma provável derrota de Bolsonaro e ensaiam a construção de pontes com um eventual governo Lula.
Governos estrangeiros, incluindo o dos EUA, também já avisaram que têm confiança no sistema eleitoral brasileiro e que vão reconhecer sem demora o vencedor da eleição. Em julho, Bolsonaro chegou a reunir dezenas de embaixadores em Brasília para lançar ataques às urnas eletrônicas e ao STF, mas o encontro só explicitou ainda mais o isolamento internacional do presidente.
Diversos chefes de Estado ou governo do exterior não escondem sua preferência por Lula. No ano passado, ainda na posição de pré-candidato, o petista foi recebido com honras de chefes de estado pelo presidente francês Emmanuel Macron e se encontrou com Olaf Scholz, quando o atual chanceler federal da Alemanha ainda costurava a montagem do seu governo.
A "frente ampla" de Lula
Nos últimos dias, a campanha de Lula passou a receber apoio até mesmo de antigos adversários, incluindo um dos autores do impeachment de Dilma, o jurista Miguel Reale Jr., e o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, relator do julgamento do Mensalão. Um total seis ex-ministros do Supremo declaram apoio ao petista.
Em contraste com o que ocorreu na campanha de 2018, quando o PT foi representado pela candidatura de Fernando Haddad, Lula conseguiu formar uma ampla rede de apoios de diferentes atores do espectro político. O carro-chefe dessa estratégia foi a escolha do seu vice, o ex-governador e ex-rival Geraldo Alckmin, cuja presença na chapa foi o gesto mais explícito para atrair o eleitorado de centro-direita e reforçar a campanha petista em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país.
O petista ainda fez as pazes com ex-aliados, notadamente a ex-senadora Marina Silva (Rede) e o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (União Brasil). "Existem momentos na história em que há algo muito forte em jogo", disse Marina Silva ao anunciar apoio a Lula.
A terceira via que nunca decolou
Desde que Lula recuperou seus direitos políticos em 2021, o Brasil passou a assistir uma série de tentativas de viabilizar uma "terceira via" para fazer frente ao petista e a Bolsonaro. Alimentada pela imprensa e por parte da elite política, a procura envolveu nomes como os ex-governadores João Doria, Eduardo Leite, os senadores Alessandro Vieira e Rodrigo Pacheco e os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro. Nenhum decolou nas pesquisas. Moro, o ex-juiz responsável por tirar Lula da disputa de 2018, posteriormente se viu obrigado a disputar uma vaga ao Senado pelo Paraná, após se envolver uma série de imbróglios com diferentes partidos e a Justiça eleitoral.
No final, da "terceira via", só sobraram dois candidatos que não registram traço nas pesquisas: Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), que aparecem com entre 5% e 6% das intenções de voto.
Ao longo da campanha, Ciro insistiu em uma estratégia de pintar Lula e Bolsonaro como equivalentes, representantes do mesmo sistema que, na sua visão, levou o Brasil à ruína. Paralelamente, Ciro fez acenos à direita e passou a reforçar mensagens nacionalistas, o que levantou especulações de que ele pretende lançar um movimento para reunir radicais eleitores órfãos de Bolsonaro durante um eventual governo Lula. A tática, por enquanto, não tem dado certo. Ao lançar ataques até mesmo pessoais contra Lula, Ciro acabou afastando parte dos seus eleitores progressistas. Nos últimos levantamentos do Ipec e do Datafolha, ele oscilou negativamente e apareceu empatado ou até mesmo atrás da senadora Simone Tebet, outra política que tentou se viabilizar como "terceira via".