Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 2024

SP: museu ajuda a repensar história da Independência do Brasil

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Quinta, 07 de Setembro de 2023 às 10:29, por: CdB

A exposição Uma História do Brasil apresenta a decoração que foi projetada para o edifício visando às comemorações do primeiro centenário da Independência do Brasil, em 1922, pelo então diretor da instituição, Afonso Taunay (1876-1958). 


Por Redação, com ABr - de Brasília


Reinaugurado há um ano durante as celebrações do bicentenário da Independência do Brasil, o Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, localizado na capital paulista, não só ficou mais moderno e acessível, como também inovou, ao trazer para sua curadoria uma preocupação de ser mais plural e crítico sobre suas obras.




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Espaço busca dar visibilidade à parte da população que foi silenciada

Monumentos que homenageiam figuras e situações controversas, como estátuas de bandeirantes, por exemplo, continuam a figurar por seus espaços expositivos, mas agora passaram a ser encarados como documentos históricos, ou seja, obras que informam ou refletem sobre um modo de se pensar à época. Ao lado deles, novas visões foram acrescentadas, ajudando a repensar o processo histórico de construção do Brasil, inclusive a que trata sobre a independência, celebrada nesta quinta-feira.


Uma das 11 exposições de longa duração que integram o novo museu tem exatamente a preocupação de repensar a construção histórica brasileira. Chamada de Uma História do Brasil, a mostra percorre três espaços antigos do edifício-monumento, que foram tombados por órgãos de preservação do patrimônio: o saguão de entrada, a escadaria monumental e o salão nobre, onde há a famosa pintura Independência ou Morte!, de Pedro Américo.


A exposição Uma História do Brasil apresenta a decoração que foi projetada para o edifício visando às comemorações do primeiro centenário da Independência do Brasil, em 1922, pelo então diretor da instituição, Afonso Taunay (1876-1958). 


– (Nessa época), o Museu Paulista buscava se firmar como símbolo nacional justamente para legitimar seu papel político das elites paulistas do começo do século XX. Então, a construção desse memorial, com essa narrativa dos bandeirantes como pioneiros, e São Paulo como protagonista da história nacional, buscava apoiar, no passado, uma legitimidade da situação no presente (de economia cafeeira) – disse Isabela Ribeiro de Arruda, educadora e supervisora da equipe de educação, museografia e ação cultural do Museu Paulista, em entrevista à Agência Brasil.


Com o tombamento, o memorial precisou manter a configuração anterior à reforma, com obras que exaltam os colonizadores, os bandeirantes e personagens e eventos ligados à Independência. Mesmo mantidos tais símbolos, o Museu do Ipiranga não é o mesmo daquela época. “Em 2022, o Museu do Ipiranga é muito diferente do Museu Paulista do início do século. As coleções foram se alterando e se ampliando ao longo do tempo também. O museu já não se enxerga como um museu da independência ou sobre a independência, mas como um museu em que uma de suas exposições trabalha com a memória de construção dessa ideia de independência”, explicou Isabela.


– O próprio título (dessa exposição) procura problematizar a ideia de que há uma história única, ou verdadeira, provocando a gente a pensar que essa é uma história, uma construção de história, realizada há mais de 100 anos, para quem enxergava a narrativa da história brasileira com um determinado viés. Mas hoje, as curadorias do museu tentam problematizar essa construção – acrescentou a  educadora.


Um exemplo disso é uma pintura instalada na região da escadaria, que retrata um bandeirante. Na obra, o bandeirante está apoiado sobre uma arma, destacado em primeiro plano, e rodeado por figuras indígenas. Acima da pintura, há a inscrição Ciclo de Caça ao Índio.


– Chegamos a discutir (na curadoria) se poderíamos alterar ou trocar esse título e se ele estaria no tombamento. Mas, além de não podermos alterá-lo, a curadoria entendeu que a permanência de tais imagens e títulos como um documento seria algo que nos ajudaria a lembrar que essa narrativa teve força socialmente por muito tempo – disse Isabela.


– Então, quando falamos em demarcação de terras indígenas, em marco temporal e em embates sobre a preservação de monumentos públicos com a mesma temática, a permanência desses elementos dentro do museu permite que o debate seja garantido e que tenhamos isso como memória que traz reflexão sobre o presente. Óbvio que não é um debate simples, porque esbarra em subjetividades e direitos, tanto de memória quanto de esquecimento. Mas, enquanto espaço público, nos propomos a manter o debate vivo para que não seja algo apagado da memória do país.



Pluralidade e Contrapontos


Como o espaço expositivo não poderia ser alterado por causa do tombamento, a estratégia pensada pela curadoria do novo museu para problematizar a narrativa foi usar recursos multimídia. “A exposição Uma História do Brasil e as outras exposições do eixo Para Entender a Sociedade contam com recursos que a gente chama de contrapontos, que são recursos multimídia e interativos que trazem uma visão sobre o tema daquela exposição sob um olhar de outros grupos sociais”, disse Isabela.


Os contrapontos são feitos, por exemplo, por meio de depoimentos gravados de líderes indígenas e de movimentos sociais. “A ideia é que seja realmente um olhar de fora sobre os temas que trabalhamos aqui no museu. São recursos interessantes para a gente pensar o museu como um espaço plural, não só do próprio museu assumir o compromisso de rever suas narrativas curatoriais, mas também em acolher outros olhares sobre essas sistemáticas.”


Um dos objetivos do novo Museu Paulista é dar visibilidade a uma parcela da população brasileira que esteve silenciada do processo histórico, como negros, indígenas e mulheres. “Um dos principais objetivos, ao problematizar essa narrativa, é identificar quais são os personagens que foram inseridos ou escolhidos para estar nessas narrativas e quais não estão, quais são as ausências. Claro que temos presenças que são problemáticas como, por exemplo, uma pintura (instalada na parede do lado direito, próxima ao teto da escadaria principal do museu) em que há uma pessoa negra representada. A representação é muito problemática porque (essa figura negra) tem uma costura totalmente distorcida e uma relação de submissão explícita em relação a um outro personagem, branco, que está ereto”, disse a curadora.


Além da representação de um único personagem negro, a exposição Uma História do Brasil apresenta apenas três mulheres, “num panteão de homens, quase todos brancos”, acrescentou Isabela. Uma dessas mulheres é Leopoldina, primeira esposa do imperador Dom Pedro I. Há também uma pintura que retrata Maria Quitéria, que lutou pela independência do Brasil na Bahia; e Joana Angélica, uma religiosa que foi assassinada durante o processo de independência. “Há também alguns personagens indígenas que estão representados, mas numa chave de submissão e de assimilação do processo colonial.”


– A ideia do museu é problematizar como essas representações foram feitas e o que elas trazem, enquanto informação e objetivo, no momento de sua produção e quais foram as reverberações dessas imagens ao longo do tempo, que foram muito difundidas em livros didáticos, cinemas e diversas mídias, inclusive em memes. O museu é um lugar para provocar reflexões, e não necessariamente para dar respostas prontas – completou.



Independência ou Morte!


A obra mais conhecida do Museu Paulista é o quadro Independência ou Morte!, produzido pelo pintor paraibano Pedro Américo. “A pintura foi produzida em Florença, na Itália, praticamente concomitante com a construção do próprio prédio. Ela foi produzida para estar nesse espaço [o salão nobre]”, explicou Isabela.


De acordo com a educadora, na obra, Pedro Américo inseriu elementos propositadamente para identificar o episódio da Independência como um acontecimento paulista, que se deu na região do Ipiranga, local onde hoje está localizado o museu. “Ele inseriu na tela o Riacho do Ipiranga com uma grande dramaticidade, com a pata do cavalo resvalando na água. A gente tem também o próprio relevo do terreno, com esse declive. E ele também inseriu uma edificação, que é a Casa do Grito, que recebeu este nome por conta da pintura. Mas algo que temos sempre que lembrar é que a pintura Independência ou Morte! foi produzida muitos anos depois do acontecimento, mais de 60 anos depois do episódio do 7 de setembro de 1822. A própria Casa do Grito não existia em 1822”.


Após o restauro, a pintura continuou a ocupar o espaço para o qual tinha sido inicialmente pensada. Só que agora novos elementos inseridos no salão nobre permitem que o visitante obtenha outras informações sobre a tela de Pedro Américo. “Inserimos aqui no salão nobre um recurso multimídia que mostra um pouco da produção (da pintura), com seus esboços e registros textuais. O que buscamos trabalhar com essa pintura é a ideia de que ela é uma representação, de que ela foi pensada quase como uma celebração dessa memória da independência, e não como uma pretensa representação da realidade”, disse Isabela.


É com esses elementos multimídia, os contrapontos e uma reflexão sobre seu papel histórico que o Museu Paulista concebe uma nova curadoria, fomentando em seu público o questionamento sobre os símbolos e imagens que detém em seu acervo. “Procuramos aqui não fazer o papel de um profeta do passado de forma a voltarmos e consertarmos essa narrativa, já que ela sempre terá problemas e será um raio-X de seu próprio tempo. Mas queremos pensar um pouco sobre que outras narrativas podemos construir hoje, como elegemos atores, heróis e destaques e que efeitos isso pode ter ao longo do tempo. O museu se propõe a ser esse espaço de debate.”




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