Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 2024

Os recados das eleições europeias para o Brasil

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Quinta, 13 de Junho de 2024 às 09:22, por: CdB

Na atual conjuntura, qualquer governo que coloque a questão fiscal como centro da sua atuação terá como consequência o aumento das desigualdades e, por consequência, o fortalecimento da extrema-direita.

Por Josué Medeiros – do Rio de Janeiro

O resultado das eleições para o Parlamento da União Europeia causaram impacto em todo o ocidente pelo crescimento da extrema-direita e o perigo que isso representa para a democracia. Os números ainda são preliminares, mas, de fato, os partidos de cunho fascista cresceram em número de cadeiras no parlamento europeu, passando a ocupar 131 dos 720 assentos legislativos.

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Presidente Luiz Inácio Lula da Silva

A maioria seguirá com o bloco formado pela direita tradicional, com 185 parlamentares, em aliança com a centro direita (onde se situa o presidente francês, Emanuel Macron), que obteve 79 assentos e com a esquerda socialista tradicional, com 137 cadeiras. E é aí que mora o perigo das possíveis consequências políticas do pleito no velho continente.

A tática de aliança entre esquerda e direita democrática diante do crescimento da extrema-direita é não só razoável, como muitas vezes necessária. É realmente crucial conter o avanço do fascismo não só na Europa, mas em todo o mundo.

O problema é que, ao menos no continente europeu, essa aliança tem se alicerçado em um difuso programa de defesa da democracia e dos “valores europeus”, sem avançar, na prática, para um projeto efetivo de combate às desigualdades, cada vez mais crescentes na maioria dos países da União Europeia, uma vez que essa é a verdadeira causa do crescimento da extrema-direita, seja por lá, nos EUA ou aqui na América Latina e no Brasil.

No norte da Europa, onde as redes de proteção social se mantêm sólidas, a extrema-direita tem menos terreno para avançar

Para visualizar melhor a centralidade do papel das desigualdades no avanço fascista é fundamental olhar separadamente o resultado eleitoral pelos países, saindo dessa visão genérica do resultado “europeu”. Afinal, as dinâmicas locais e nacionais importam e muito.

Nesse recorte nacional, o que observamos é que a extrema-direita cresceu de fato na França, Itália e Alemanha e, dentro desse país, na parte oriental. Já em países como Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia, o fascismo foi contido. A principal dimensão que diferencia os dois grupos de países é justamente o crescimento das desigualdades. No norte da Europa, onde as redes de proteção social se mantêm sólidas, a extrema-direita tem menos terreno para avançar. Já no chamado sul europeu, onde situam-se franceses e italianos, entre outros países, o peso das desigualdades crescentes joga gasolina na fogueira da mobilização fascista.

Por fim, há o caso particular da Alemanha, nação que se unificou politicamente com o fim dos regimes socialistas na Europa, mas que jamais conseguiu produzir uma integração social efetiva entre o oeste capitalista e o leste que veio do socialismo. Todos os indicadores econômicos e sociais são piores na antiga Alemanha Oriental, o que inicialmente gerou alguma força para a esquerda nessas regiões e agora alimenta a extrema-direita nazista que reapareceu na cena pública alemã e europeia.

Eleições continentais

Passadas as eleições continentais, o foco agora se volta para as conjunturas nacionais e os impactos que esse pleito europeu causam em cada realidade. Na França, Macron foi o maior derrotado e convocou eleições parlamentares em meio à mobilização para os Jogos Olímpicos de Paris. A boa notícia que vem da política francesa é a união das esquerdas em uma nova frente popular. A ver se esta frente de esquerda conseguirá superar o discurso vazio da defesa da democracia por um programa efetivo de defesa do combate às desigualdades como condição para fortalecer as instituições e a cultura democrática não só na Europa, mas em todo o planeta.

As eleições europeias mandam também sinais importantes para o Brasil. Por um lado, não podemos subestimar o bolsonarismo no processo eleitoral municipal que se aproxima. Cada cidade importante que a extrema-direita brasileira conquistar será um bastião institucional para fortalecer a luta de Bolsonaro pela sua anistia e pelo seu retorno à presidência em 2026. É crucial organizar frentes democráticas amplas no 1º turno onde for possível e compromissos de apoio no 2º turno contra as candidaturas bolsonaristas onde a unidade não for alcançada em um primeiro momento.

Por outro lado, é muito importante seguir sustentando um projeto nacional liderado pelo presidente Lula que tenha como centro o combate às desigualdades, resistindo às pressões crescentes do mercado e da direita democrática pela agenda do ajuste fiscal a qualquer custo.

Na atual conjuntura, qualquer governo que coloque a questão fiscal como centro da sua atuação terá como consequência o aumento das desigualdades e, por consequência, o fortalecimento da extrema-direita.

É preciso defender e apoiar a agenda do governo Lula de mais investimentos, tais como as obras do PAC e pressionar e impulsionar pelo incremento ainda maior da agenda de prevenção aos eventos climáticos extremos, que exige investimentos e uma forte ação indutora do Estado. O caso da reconstrução do Rio Grande do Sul tem sido exemplar pela disputa política de como conduzir esse processo. Seria um erro enorme do executivo federal deixar esse processo na mão do governador Eduardo Leite, uma vez que  ele defende o programa neoliberal mesmo nessa situação emergencial em que se encontra, o que certamente limitaria o potencial que os investimentos de prevenção e reconstrução tem para ativar a economia gaúcha e contribuir no combate às desigualdades.

 

Josué Medeiros, é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB).

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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