Rio de Janeiro, 05 de Dezembro de 2025

A velha fantasia do tesouro externo

Milton Rondó analisa a busca por riquezas externas e a recusa em reconhecer as riquezas internas, refletindo sobre a história da violência predatória.

Terça, 25 de Novembro de 2025 às 11:43, por: CdB

De Colombo a Trump, a repetição histórica da violência predatória revela a recusa em reconhecer nossas próprias riquezas internas.

Por Milton Rondó – de Brasília

“Nós somos da altura do que vemos.”

— Fernando Pessoa

Em grande parte, somos regidos pelo inconsciente. Entretanto, pouco nos damos conta disso no cotidiano. Buscamos riquezas mas, paradoxalmente, deixamos essa enorme riqueza interna encoberta, quase intacta — uma fonte inesgotável de conhecimento, prazer e novas linguagens.

A velha fantasia do tesouro externo | Donald Trump
Donald Trump

São muitas as fábulas, inclusive infantis, que aludem alegoricamente a esse tesouro oculto: da caverna encantada de Ali Babá ao gênio aprisionado na lâmpada mágica, capaz de realizar todos os desejos. Ainda assim, colocamos a realização desses desejos fora de nós. Não parece acaso que o Ocidente tenha situado tais narrativas no Oriente.

A ameaça de invasão da Venezuela por Donald Trump — que segue os passos do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, recorrendo a uma guerra externa para desviar a atenção de um escândalo — não estaria dissociada dessa busca incessante de riquezas fora da própria capacidade de trabalho e de “mirar da altura do que somos”.

Se olharmos retrospectivamente, não foi assim que os Estados Unidos se fizeram grandes? Não foram as ingerências na América Latina e Caribe, na África e no Oriente Médio que lhes permitiram acumular riquezas no pós-guerra? Não foi assim no Brasil, em 1964, e, antes, no Irã (1953) e no Congo (1961)?

Dessa forma, como o slogan trumpista Faça a América Grande Novamente poderia não implicar novas guerras e invasões, se foram justamente elas que deram sustentação à “América Grande”?

Em contraposição a essa violência predadora, os povos originários das Américas ergueram culturas de paz, como ilustra 1492, Anacaona, a insurgente do Caribe (Editora Jandaíra), de Paula Anacaona:

“Na noite de Natal, os marinheiros decidem fazer uma pausa: tudo está calmo, o mar está liso como um espelho… Lentamente, uma das caravelas [dos espanhóis] se choca contra os recifes que margeiam a ilha. (…) Guakanagarik envia todo o seu povo para ajudar os marinheiros espanhóis a transferir a carga para suas canoas antes que tudo se perca. (…) Colombo se surpreende com a empatia do cacique, a quem descreve ‘em lágrimas’ (…) Isso o fez escrever em seu diário: ‘Eles amam o próximo como a eles mesmos’. Os espanhóis conseguem salvar a madeira do navio e a usarão para construir um forte, o Forte da Navidad.”

Sobre os taínos, uma das principais etnias do Caribe, a autora esclarece:

“Os taínos frequentemente têm sido comparados ao ser humano num estado de pureza ‘original’. Pensar assim significaria desconsiderar a avançada organização política da ilha, as inúmeras horas investidas no cruzamento de espécies, no cultivo, na construção de diques e canais, na observação do céu para prever fenômenos meteorológicos. (…) Ao longo dos séculos, os taínos adaptaram suas terras em perfeita harmonia.”

Mas, ao olhar para o presente caribenho, percebemos o desastre promovido pelos colonizadores. O Haiti, com 80% do território sob domínio de gangues armadas, é o símbolo mais evidente.

Colonização forçada

Ao extermínio quase total dos povos originários seguiu-se a colonização forçada da região por africanos escravizados. Assim, não se pode entender o Caribe de hoje sem remeter à África, origem da maioria de sua população contemporânea. Infelizmente, nossa política externa ainda vacila em reconhecer essa relação necessária e indissolúvel.

Em Por uma Revolução Africana (Editora Zahar), Frantz Fanon aprofunda os conceitos de exploração e racismo:

“O racismo salta aos olhos precisamente por fazer parte de um todo bastante típico: o da exploração desavergonhada de um grupo de homens por outro grupo que atingiu um estágio de desenvolvimento técnico superior. (…) O hábito de considerar o racismo como uma disposição de espírito, uma tara psicológica, deve ser abandonado.”

E explicita sua funcionalidade:

“O colonialismo organiza a dominação de uma nação após a conquista militar.”

Em chave positiva, cultural e étnica, Fanon acrescenta:

“Como diria o célebre Toynbee, o blues é uma resposta do escravo ao desafio da opressão.”

Para nós, brasileiras e brasileiros, também o são a música, a culinária, a capoeira, o sincretismo religioso e tantas outras expressões culturais.

Em Seja Homem (Editora Dublinense), JJ Bola menciona uma entrevista de Laverne Cox à Time, sobre nossas inseguranças diante do outro:

“As pessoas não querem interrogar criticamente o mundo à sua volta. Quando tenho medo de alguma coisa ou me sinto ameaçada, é porque essa coisa desperta algum tipo de insegurança em mim.”

Bola conclui:

“O que permanece no horizonte é a necessidade de compreendermos as experiências vividas por cada um, aprendendo com as realidades de pessoas iguais e diferentes de nós. Essa troca nos permite crescer e desenvolver um entendimento mais genuíno dos indivíduos, para que possamos lutar por um mundo onde as pessoas não sejam marginalizadas por serem elas mesmas.”

Bem-vinda a igualdade — e a diversidade.

 

Milton Rondó, é diplomata aposentado.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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