Rio de Janeiro, 25 de Março de 2025

Ultradireita usa mídia conservadora contra reforma de Lula

Por Gilberto de Souza - Parte indissociável do 'softpower', ou o poder exercido pela vertente neofascista que usa instrumentos mais leves do que os porretes usualmente praticados nas discussões com a sociedade civil, o cartel da mídia reúne as famílias mais ricas do país.

Terça, 18 de Fevereiro de 2025 às 14:25, por: Gilberto de Souza

Parte indissociável do ‘softpower‘, ou o poder exercido pela vertente neofascista que usa instrumentos mais leves do que os porretes usualmente praticados nas discussões com a sociedade civil, o cartel da mídia reúne as famílias mais ricas do país.

Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro

A mídia conservadora e seus acólitos infiltrados nas fileiras dos meios de comunicação independentes ou alinhados à esquerda aproveitaram a queda na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para impulsionar uma reforma ministerial que abra mais espaços a partidos ligados ao chamado ‘Centrão’, onde as forças da direita e da ultradireita reúnem parlamentares do campo conservador.

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A bancada de ultradireita tenta votar a anistia aos golpistas, e conta com o apoio da mídia conservadora

Parte indissociável do ‘softpower‘, ou o poder exercido pela vertente neofascista que usa instrumentos mais leves do que os porretes usualmente praticados nas discussões com a sociedade civil, o cartel da mídia que reúne as famílias mais ricas do país, todas alinhadas ao Consenso de Washington em uma miríade de canais de rádio, TV, diários e revistas, busca pelo em ovo para consubstanciar o argumento vazio de que há uma divisão no Partido dos Trabalhadores e, ao mesmo tempo, o ‘Centrão’ seria uma alternativa a todos os problemas do Palácio do Planalto.

 

Abutres

Em sua coluna no site de notícias G1, mais um dos tantos do grupo de propriedade da família Irineu Marinho, nesta terça-feira, a apresentadora de um jornal na TV por assinatura Globonews Júlia Duailibe apresenta, com a desenvoltura de fontes citadas à revelia, todas na mesma linha, a tese abraçada pelo establishment conservador. Nela, aliados do presidente Lula falam em uma suposta “refundação” da legenda “para corrigir erros”. Sem citar que tais erros são, na realidade, os poucos pontos positivos que o governo do líder petista conseguiu livrar da perseguição diuturna do bando de abutres que cerca o seu terceiro mandato.

Diz a colunista, com o texto repetido em sites e redes sociais internet afora, que ministros do PT, sem citar um sequer, e dirigentes de partidos de centro, leia-se, da direita à extrema direita, avaliam que “Lula precisa definir rapidamente as mudanças no ministério para reorganizar o governo e retomar a iniciativa política na segunda metade do mandato”.

Para Duailibi, existe até um consenso entre supostos aliados, algo impensável se estiverem na mesma sala integrantes de campos políticos opostos, de que falta estratégia e coordenação ao governo. Segundo a arauta do conservadorismo, citando “avaliações internas”, a população brasileira, incluindo os milhões de eleitores que sufragaram o presidente Lula mesmo sob o fogo cerrado das hostes a que pertencem os veículos de imprensa aos quais ela presta serviços, a soldo, já teria assimilado a ideia de que o mundo petista derreteu-se sob a onda de calor provocada por uma única pesquisa de opinião.

 

Ditadura

E, na tentativa pífia de provar que o volume do besteirol não é tão ensurdecedor assim, cita o caso da instrução normativa editada para fiscalizar o PIX. Um crasso erro de comunicação ocorrido em meio à troca da guarda na Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, turbinado em uma campanha sem precedentes pela própria mídia conservadora e anabolizado por milhares de dólares nas redes sociais, é agora citado pela redatora como “exemplo do nível de insegurança transmitido pelo governo”.

O artigo da colunista e de seus colaboradores apenas se soma a outros, espalhados nos mais diferentes títulos, desde os diários conservadores paulistanos e cariocas até as páginas dos influenciadores digitais e sites alimentados pelas verbas norte-americanas, oriundas dos mesmos porões onde morreram heróis da luta contra a ditadura militar tão bem descrita no filme ‘Ainda estou aqui’. Esse, sim, um autêntico sucesso emplacado pela sociedade civil goela abaixo do sistema definido na obra de Júlio Cortázar, em que a América Latina, espanhola e portuguesa, aparece como o quintal mal cuidado do império que fala em inglês.

Diz a espirra tinta que “auxiliares do presidente”, novamente sem citar uma pista sequer de quem está falando e sem sofrer a menor pressão para tanto, como de costume nos tempos do regime que seus patrões defenderam — tipo arma na cabeça ou a sombra de um pau-de-arara — avaliam que Lula precisa “consolidar um núcleo decisório mais unido e empoderado”. Assim, aproveita para disseminar a versão de que há um embate entre os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e da Fazenda, Fernando Haddad, embora ambos já tenham negado, publicamente e por mais de uma vez, que tal celeuma jamais existiu. No entanto, a redatora chega a citar “um ministro próximo ao presidente”, sem que pareça mais um desses quinta-coluna que andam por aí, e consegue até aspas da personagem.

– Rui cuida de coisas demais, tem muitas atribuições, mas não cuida do importante. Qual é a estratégia do governo? Precisa definir agora. Tem que sinalizar para o mercado no curto prazo o que vai ser feito – psicografa a colunista.

 

Ed Wood

Mas esse não foi o único ser hectoplásmico citado. Um outro aliado do Planalto teria destacado à colunista que “o cenário internacional e a desorganização interna também comprometeram os planos do governo”.

— Durante dois anos tivemos um cenário estável. As pesquisas pouco mudaram. Nossa linha era ampliar o apoio dos eleitores de centro, que não estão com Lula nem com Bolsonaro. Acreditávamos que isso ocorreria em 2025, com os resultados de tudo o que foi lançado. Mas os erros que cometemos desestruturaram todo nosso planejamento — teria dito o vivente, para alegria do ‘Centrão’ e de todos os que o celebram.

Ainda bem que, diferentemente da guarda anterior, na Secom, a atual é conduzida por um experiente conhecedor dos ardis e das armadilhas espalhadas por textos e autores como esta, propagado desde as primeiras horas da manhã, capaz de deixar tantas pistas sobre a política real que se esconde nas sombras da aparente inocência de suas opiniões. Com certeza, a peça de ficção ao melhor estilo Ed Wood estará estampada na TV e nos sites alinhados, durante todo o dia.

Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do diário Correio do Brasil.

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