O Estado abriga a Terra Indígena (TI) Yanomami, a maior em extensão do país, onde metade das aldeias sofre prejuízos provocados pelo garimpo ilegal. No Brasil, todas as TIs são patrimônio da União.
Por Redação, com Brasil de Fato - de Brasília
O governador de Roraima, Antônio Denarium (PP), sancionou na terça-feira uma lei que proíbe a destruição de maquinário utilizado no garimpo ilegal. O projeto foi aprovado a portas fechadas pela Assembleia Legislativa, em sessão extraordinária realizada em uma sala de reuniões.
Considerado “claramente inconstitucional” pelo Ministério Público Federal (MPF), o texto estabelece que "fica terminantemente proibida" a "destruição e inutilização de bens particulares apreendidos nas operações/fiscalizações ambientais no estado".
Em três sucintos artigos, a lei não diz se a restrição é válida para todo o território de Roraima ou apenas para as áreas sob gestão estadual.
O Estado abriga a Terra Indígena (TI) Yanomami, a maior em extensão do país, onde metade das aldeias sofre prejuízos provocados pelo garimpo ilegal. No Brasil, todas as TIs são patrimônio da União.
Procurado peloBrasil de Fato, o autor do projeto, deputado George Melo (Podemos), afirmou que a proibição só é válida para territórios estaduais. “Dentro das áreas da União, nós [deputados estaduais] não temos autoridade”, declarou.
Embora seja um dos maiores polos de produção de ouro do país, Roraima não tem nenhum garimpo legalizado. Isso porque todos os pontos de extração ilegal do minério ficam dentro da áreas protegidas, principalmente na TI Yanomami.
Ataque criminoso e inconstitucional, diz Conselho Indígena
Em nota, o Conselho Indígena de Roraima (CIR), manifestou repúdio pela medida, que classificou como um ataque criminoso e inconstitucional aos povos indígenas por parte do governador Denarium e da Assembleia Legislativa.
O CIR ressaltou que os povos indígenas são guardiões de quase metade da extensão territorial de Roraima, que também abriga a TI Raposa Serra do Sol, a 13ª maior do Brasil. “Dizemos basta às apologias e incentivos ao crime perpetradas por deputados estaduais e Governador do Estado”, escreveu a organização.
“E dizemos basta às apologias ao crime perpetrado por pré-candidatos a cargos eletivos que publicamente incitam a população à prática de crimes e criticam atividades legítimas de monitoramento e proteção territorial e física dos povos indígenas em Roraima”, pontuou o comunicado.
Garimpo avança na política
Em Roraima, empresários do garimpo investem quantias milionárias em escavadeiras de grande porte e aeronaves que fazem o transporte de insumos até áreas exploradas ilegalmente.
Um deles é Rodrigo Cataratas, pré-candidato a deputado federal, que já teve aviões apreendidos pela Polícia Federal (PF) por suspeita de utilizá-las no transporte de equipamentos para garimpos ilegais na Terra Indígena Yanomami, acusação negada pelo empresário.
Cataratas é líder do “Movimento Garimpo é Legal”, que defende publicamente a prática ilegal em Roraima. Embora atuem fora da lei, os empresários do setor passaram a defender publicamente o garimpo, sem medo de retaliação por parte do poder público.
Organizados politicamente e pressionando parlamentares, os garimpeiros de Roraima já haviam obtido outra vitória em 2021, quando o governador Denarium sancionou um projeto que legalizava a atividade. A lei, porém, foi anulada pelo STF meses depois da sanção.
“Não é de hoje que o Estado de Roraima tenta aprovar ilegalidades contra os direitos dos povos indígenas e empreende todos os esforços possíveis para atacar nossos direitos, o nosso bem viver e promover nosso genocídio e um verdadeiro ecocídio”, aponta a nota do CIR.
Prática é fundamental para coibir garimpo, diz MPF
Segundo o MPF, a destruição de maquinário do garimpo ilegal é fundamental para coibir a atividade predatória, além de ter sido validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e ser prevista em lei federal. Por isso, não poderia ser contestada por legislação estadual.
"Em diversos casos, aeronaves apreendidas em pistas de pouso clandestinas ou mesmo em aeródromos regulares foram encontradas sendo novamente utilizadas no apoio logístico das atividades de mineração ilegal", afirma um comunicado do MPF.
"Tais procedimentos (destruição de maquinário ilegal) só podem ser empregados nos casos em que o transporte do bem apreendido seja impossível e com a finalidade de impedir que ele seja, momentos após o fim da fiscalização, reutilizado na destruição do meio ambiente", continua o órgão federal.
Por outro lado, o autor do projeto justifica que a inutilização das máquinas é uma “tirania”. Questionado sobre a inconstitucionalidade apontada pelo MPF, o deputado George Melo disse que não ficou “nem um pouco surpreso” com a posição do órgão federal. “Hoje dentro do MPF os movimentos ambientalistas e as ONGs têm muita força”, opinou.
Melo admitiu ainda a possibilidade de que a iniciativa seja barrada pelo STF. "[O projeto] pode ser questionado na justiça? Pode. Mas o governador assinando a lei, ela vai valer e nós vamos dar tranquilidade para o cidadão que investe no nosso estado".
Autor do projeto assumiu prometendo fortalecer agricultura familiar
George Melo assumiu o mandato há três meses. Ele era suplente de Jalser Renier (SD), cassado por quebra de decoro parlamentar. Após tomar posse, prometeu que daria prioridade ao fortalecimento de pequenos produtores rurais. "Eu gostaria que meus projetos ajudassem o pessoal da agricultura familia”, afirmou, segundo o g1.
Ao longo do curto mandato, porém, Melo mudou de rumo e passou a atuar em favor de empresários do garimpo. A liderança Telma Taurepang, do povo Taurepang de Roraima, diz que a lei leva ainda mais insegurança às comunidades indígenas.
– A partir do momento que abre um garimpo, inúmeras vidas são destruídas, começando pela vida das mulheres. O garimpo é uma prática que, para nós indígenas, é a morte – afirmou.