A lei reconhece, de forma mais ampla, “que a aplicação pelo Estado” de leis “penalizando o recurso, a prática, o acesso e a informação sobre o aborto”.
Por Redação, com RFI – de Paris
A Assembleia Nacional francesa aprovou definitivamente na quinta-feira, em votação unânime, uma lei para inocentar mulheres condenadas por aborto antes da Lei de 1975. Associações feministas celebraram um “passo histórico”. O texto, no entanto, não prevê indenizações.

A lei reconhece, de forma mais ampla, “que a aplicação pelo Estado” de leis “penalizando o recurso, a prática, o acesso e a informação sobre o aborto” constituiu “um ataque à proteção da saúde, da autonomia sexual e reprodutiva das mulheres” e “aos direitos das mulheres”.
Este texto histórico acrescenta que as leis anteriores a 1975 levaram a “numerosas mortes” e causaram “sofrimento físico e psicológico”.
Impulsionado pela ex-ministra dos Direitos das Mulheres, Laurence Rossignol, atualmente senadora, o projeto de lei socialista havia sido aprovado por unanimidade no Senado, em março, nos mesmos termos e com o apoio do governo. A votação na Assembleia Nacional era a última etapa para sua aprovação definitiva.
Esta lei “é um ato de justiça para com as milhares de vidas destruídas por leis injustas”, declarou Aurore Bergé, ministra Delegada para a Igualdade de Gênero, na quinta-feira, referindo-se, no seu discurso, ao aborto sofrido pela mãe.
– Temos a responsabilidade de reparar estas injustiças, mas, acima de tudo, temos o dever de sensibilizar – acrescentou, referindo-se aos ataques atuais “em todo o mundo” contra os “direitos das mulheres”.
Os deputados saudaram a presença na Assembleia de Claudine Monteil, uma das signatárias do Manifesto das 343, um a petição por uma lei do aborto na França. Assinada por 343 mulheres, que revelaram, em 1971, terem realizado abortos, o documento abriu caminho para a adoção, quatro anos depois, da Lei Veil, despenalizando o aborto na França.
Sem indenização
A legislação de reabilitação inclui ainda a criação de uma comissão para reconhecer os danos sofridos pelas mulheres que realizaram abortos. Ela será responsável por “recolher” e “transmitir as memórias” das mulheres forçadas a realizar abortos clandestinos e daqueles que as ajudaram.
Esta comissão será composta por profissionais de saúde, um membro do Conselho de Estado ou um juiz do Tribunal de Cassação, indivíduos que realizaram pesquisas sobre esses temas e outros representantes do terceiro setor.
O texto, contudo, não inclui nenhuma previsão de indenização para reparar os danos causados por esta lei. Isso é intencional, “porque não eram apenas os amigos das mulheres que realizavam abortos”, segundo Laurence Rossignol, que menciona “donas de casas de prostituição” ou até mesmo “cafetões” que os praticavam.
– Essa questão da indenização continua sendo um ponto cego neste texto – lamentou a deputada do Partido Verde, Sandra Regol, ecoando os comentários da deputada do A França Insubmissa, Mathilde Panot, entre outras. “Não podemos fingir que essa questão não existe”, acrescentou Regol, apontando para o fato de que a Assembleia Nacional acabou de aprovar outro projeto de lei contendo reparações para pessoas condenadas no passado por homossexualidade.
As “circunstâncias” são “diferentes”, argumentou a ministra Aurore Bergé, já que entre as mulheres abrangidas pelo projeto de lei, “nem todas foram condenadas”.
A comissão criada por esta lei poderá realizar pesquisas “para identificar melhor as vítimas” e “talvez, em algum momento, conceder-lhes o direito a alguma forma de reparação”, acrescentou. Representantes dos partidos Republicanos e Reunião Nacional, por outro lado, saudaram a ausência de compensação financeira.
Associações celebram passo histórico
Entre 1870 e a descriminalização, mais de 11.660 pessoas foram condenadas por fazer ou ter acesso a um aborto, segundo estimativas oficiais.
A Fundação das Mulheres celebrou a aprovação como um “passo histórico”, reconhecendo “a injustiça sofrida por milhares de mulheres condenadas, humilhadas ou presas por exercerem o que hoje é um direito fundamental”.
“A França está enviando uma mensagem clara, tanto interna quanto internacionalmente: ninguém jamais deve ser condenado por fazer um aborto”, acrescentou a organização.
Embora “acolhendo” a adoção da lei, a associação Choisir la cause des femmes (Escolher a Causa das Mulheres), considerou “importante” não obscurecer o fato de que o acesso ao aborto na França não é “satisfatório”.
Vários parlamentares também acolheram com satisfação, durante os debates, a adoção pelo Parlamento Europeu, na quarta-feira, de um texto que insta Bruxelas a facilitar o acesso a abortos “seguros” para todas as mulheres no continente, onde esse acesso varia consideravelmente de um país a outro.