Proliferam os ataques a Greenwald, desde hackers da ultradireita até nacionalistas de centro-esquerda
Por Gilberto de Souza - Sob um cenário político carregado das partículas de ódio que se disseminam, desde as queimadas na Amazônia até as labaredas que atingem as redes sociais, o apoio ao jornalista Glenn Greenwald encara novos questionamentos.
Sob um cenário político carregado das partículas de ódio que se disseminam, desde as queimadas na Amazônia até as labaredas que atingem as redes sociais, o apoio ao jornalista Glenn Greenwald encara novos questionamentos.
Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro
A atuação do jornalista Glenn Greenwald, um dos donos da agência norte-americana de notícias The Intercept Brasil — que tem divulgado o conteúdo de um vazamento massivo de mensagens e áudios do ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública; do procurador federal Deltan Dallagnol e da equipe que ele coordena, na Operação Lava Jato — está longe de ser uma unanimidade, na esquerda brasileira.
Intercept Brasil Glenn Greenwald, editor da agência norte-americana de notícias , sofre pressões após denunciar o ex-juiz Sérgio Moro
Onde se pensava que a denúncia de um possível conluio entre o magistrado e os procuradores, para prender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e interferir no resultado das últimas eleições presidenciais, poderia unir os discursos progressistas na tentativa de restabelecer padrões éticos e republicanos à Justiça brasileira, as redes sociais reproduzem, agora, a toada na qual Greenwald passa de herói a vilão.
O trabalho do editor norte-americano, premiado desde a divulgação de conteúdo capturado na Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês) por um de seus oficiais, o analista Edward Snowden; mereceu o aplauso de mais de 400 mil internautas, no grupo Apoio ao Jornalista Glenn Greenwald, coordenado pela internauta paulistana Viviane Righetti. A comunidade, segundo Righetti, pretendia-se acima dos partidos políticos e dedicada a defender a “liberdade de imprensa e a Democracia”.
Do dia para a noite, no entanto, hackers assumiram o controle do grupo, que passou a elogiar o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Retomado o controle do espaço virtual, no Facebook (FB), a administradora contabiliza a debandada de milhares de apoiadores e pede o apoio de pessoas que possam lhe ajudar a manter a página, o tráfego, e trazer de volta a audiência perdida.
“Vamos em frente… Eu quero, preciso de 10 moderadores, urgentemente. Esses 10 têm que ter vontade de trabalhar, porque pode não parecer, mas damos o sangue por esse grupo. Não comemos, não dormimos… É trabalho. É resistência”, escreveu Righetti.
Nacionalismo
A disposição da internauta, em coordenar os esforços de apoio ao trabalho da Intercept, segundo afirmou, deve-se à necessidade de lutar “por um país justo, democrático”.
“Lutamos por nós, lutamos por nossos filhos, nossos netos; as futuras gerações que, com certeza, merecem viver em um país democrático; não em uma ditadura em que jornalistas são perseguidos e ameaçados. Lutamos para assegurar a nossa liberdade de expressão, não podemos ficar reféns de um bando de malucos que esta governando o país”, afirmou.
Os mais altos ideais da ativista paulistana, no entanto, não passariam de uma tentativa de dominação a mais entre tantas outras ações em curso para colocar o país de joelhos, diante do capital internacional. É o que entende a administradora da página no FB Cibele Laura Nacionalista: “O nacionalismo é a semente para germinar um país soberano e justo socialmente”, autodeclara-se.
Desmonte
"Só tem bobo em grupo de apoio ao Glenn. Um jornalista estadunidense enrolando o gado petista há meses; enrolando com nada que realmente possa fazer a diferença para o Brasil ou para Lula, que continua preso (grifo da autora). Enquanto essa gente, com morte cerebral, fica aplaudindo gringo peso morto, o governo Bolsonaro executa a agenda de total desmonte do Estado”, dispara Laura.
Ainda segundo a Nacionalista, “vão eleger o namorado identitário do Glenn, na próxima eleição; o substituto do auto exilado na Time Square, tomando vinho caro, Jean Wyllys. Enquanto o gado se distrai com a enganação, direita e esquerda se alimentando entre si; o Brasil é depenado. Sob argumento de Estado falido, vende-se tudo, cortam-se recursos, o povo não tem emprego decente, não tem perspectiva; a cada segundo a vida fica mais difícil”.
“Qual é o nosso futuro, admiradores do Glenn? Nenhum! O endividamento público é gigante, a esquerda finge sua não existência e manipula os sintomas desse câncer para produzir simulacro de oposição. De fato, é oposição ao governo, mas não é oposição ao sistema neoliberal. Se não destruir esse sistema na estrutura econômica, política e social do país, em metástase, nada, nada, absolutamente nada vai mudar”, acrescenta.
Grande capital
E Laura segue adiante: “Vamos apenas eleger um bando de inúteis vendilhões, com glamour, homossexuais, heteros; ex-pobres, ricos, ruralistas, evangélicos, brancos, negros; jovens fingindo nova política, dependurados em Luciano Huck, Mufarej, Lemann. Não importa quem se eleja, chegam lá pelas águas do grande capital e só enrolam. Esses políticos não servem pra nada à sociedade”.
“O Glenn vale menos ainda. Direita e esquerda se alimentam entre si há décadas, dentro do establishment, muito bem inseridos pra manter o status quo da nossa colonização. Um país tão rico com um povo tão infantil elegendo lobos eleição após eleição, com raras exceções que ficam isoladas, fazendo pouca ou nenhuma diferença”.
E dispara: “Estamos sendo extintos enquanto nação. Somos só grupos divididos, brigando, sem o elo identitário nacional. Somos nada além de gado manso brigando entre si, aplaudindo lixo. Bispo Macedo dizia que pescava seus fiéis com merda no anzol. É assim que o sistema age também. Pesca os bobos com merda. The Intercept é merda pura. Tão merda quanto Moro e a Operação Lava Jato”.
Cirista
O desabafo que Laura deixou em sua página, no entanto, foi pinçado pela escritora Maria Fernanda Arruda, articulista do Correio do Brasil, e reproduzida em sua linha do tempo, na mesma rede social. Dali partiu a repercussão e começaram as reações mais extremadas, vindas dos segmentos diversos no campo da esquerda brasileira. Não apenas foi alvo de palavrões e ranger de dentes, mas de uma definição que deixa claro o estranhamento que permanece no campo da centro-esquerda, desde a última campanha eleitoral.
“Cibele Laura é cirista (seguidora do candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes)”.
O quadro, no entanto, é mais complexo, segundo resumo de Sergio Bertoni, mestre em Filosofia pela Universidade Moscou (MGU) e ativista do Software Livre e da Liberdade de Conhecimento.
— Quem serve mais ao sistema? Este é o motivo da briguinha entreguista. Seguir nesta rede depois de tudo o que já foi noticiado e provado é seguir sendo gado chamando os outros de gado — concluiu.
Gilberto de Souzaé jornalista, editor-chefe do jornalCorreio do Brasil.