No caso que ganhou maior repercussão na última semana, viralizou um vídeo que mostra a brasileira Maria, de 11 anos, levando socos e chutes, mesmo caída no chão, de uma outra menina na Escola Básica Ruy D’Andrade, na cidade de Entroncamento, a 135km de Lisboa.
Por Redação, com Sputnik - de Lisboa
Brasileiros que fogem da violência do Brasil têm visto seus filhos sofrerem agressões, bullying e xenofobia em escolas portuguesas. À agência russa de notícias Sputnik ouviu relatos de mães brasileiras, que mostram não se tratar de casos isolados. Procurado por mais de 15 dias, o Ministério da Educação segue em silêncio.
No caso que ganhou maior repercussão na última semana, viralizou um vídeo que mostra a brasileira Maria, de 11 anos, levando socos e chutes, mesmo caída no chão, de uma outra menina na Escola Básica Ruy D’Andrade, na cidade de Entroncamento, a 135km de Lisboa. As cenas violentas ganharam as redes sociais e TVs portuguesas e brasileiras.
Revelado pelo Jornal de Notícias, o caso somou-se aos quase 500 episódios de violência dentro de escolas portuguesas registrados pela Guarda Nacional Republicana (GNR) no ano passado. Mas não foi a primeira vez que Maria foi agredida no colégio. Em 2021, ela já havia levado um tapa na cara de outra aluna portuguesa.
Mas o bullying e a xenofobia remontam há pelo menos três anos, quando ela começou a estudar na escola, como conta Maria, com autorização da mãe, à Sputnik Brasil.
– No 3º ano, uma garota portuguesa ficava me chamando de brasileirinha e disse: 'Volta para sua terra, que aqui não é seu lugar'. Isso me magoou um pouco, porque tenho orgulho do Brasil e da minha terra. Mas é difícil chegar a um lugar que você ama, porque eu também amo Portugal, e não te aceitarem pela sua nacionalidade e pelo seu jeito de ser – lamenta Maria.
Essa mesma menina portuguesa enviou mensagens à Maria, próximo do último Natal, dizendo que a turma toda a odiava e que todos queriam que a brasileira morresse. O imperativo "mata-te" foi reproduzido dezenas de vezes em mensagens incentivando Maria a se suicidar.
Automutilação após incentivo ao suicídio
De acordo com sua mãe, Antonia Silverlene Melo, após o cyberbullying, Maria usou um estilete para automutilação.
– Após ela receber essas mensagens para se matar, ela me pediu um estilete, em janeiro, dizendo que era para fazer um trabalho na escola. Vi os cortes [na pele dela] e perguntei por que ela estava fazendo isso. Ela disse que era muito melhor sentir a dor no corpo do que a dor no coração – conta Antônia à Sputnik.
Ela também gravou um vídeo no Instagram, em que relata, emocionada, o que vem sofrendo. Questionada sobre qual a sensação de fugir da violência no Brasil e ver a própria filha ser agredida dentro de uma escola em Portugal, a cearense e ex-moradora de São Gonçalo, desabafa.
– É frustrante, deprimente, eu me sinto mal na verdade. É como se eu tivesse feito a escolha errada em ter vindo para cá e ver minha filha passar por uma situação dessa, me senti sem chão – diz.
Formada em Recursos Humanos, Antônia denunciou o caso à Polícia de Segurança Pública (PSP), deve registrar nova ocorrência contra a Escola Básica Ruy D’Andrade e mudar a filha de colégio. Maria torce para que isso ocorra logo.
– Estou torcendo muito para ir para a escola da minha melhor amiga – revela a menina.
Ela também já estudou durante um ano na Bélgica, quando a mãe precisou se mudar por conta do trabalho. Segundo Antônia, na escola belga, foi muito bem recebida e não houve qualquer discriminação ou bullying pelo fato de ser brasileira.
– Pelo contrário, ela foi muito bem recepcionada, tanto pelos professores quanto pelos alunos, apesar de o idioma ser outro – compara.
Em resposta à Sputnik, Amélia Vitorino, diretora do Agrupamento de Escolas (AE) de Entroncamento, informou que um inquérito de averiguações foi instaurado há uma semana e se encontra em fase de conclusão para efeitos disciplinares. Segundo ela, o AE acionou ainda uma equipe de profissionais especializados que têm abordado esta temática com a comunidade educativa e acompanhado os estudantes envolvidos no caso.
– Foi acionada a equipa técnica de psicologia para acompanhamento e apoio à aluna agredida e respectivos encarregados de educação. No quadro da sua autonomia, a escola tem trabalhado o tema do bullying, inclusive no âmbito da área disciplinar de Cidadania e Desenvolvimento, por forma a combater comportamentos desviantes e favorecer a tolerância, o respeito, bem como o bem-estar emocional da comunidade discente – escreveu Amélia Vitorino por e-mail.
– Meu filho foi espancado na escola – diz mãe brasileira
Mas bullying, xenofobia e violência não se restringem à Básica Ruy D’Andrade. No fim de janeiro, foi criada uma petição on-line "Pelo fim da violência contra crianças nas escolas portuguesas". Até o fechamento desta reportagem, mais de 1,9 mil pessoas já haviam assinado o documento virtual, dirigido ao ministro da Educação e à Assembleia da República.
Por mais de 15 dias, Sputnik cobra um posicionamento do Ministério da Educação e dos secretários de Estado de Educação, Inês Pacheco Ramires Ferreira e João Costa, mas eles ignoram e mantêm o silêncio sobre a questão, amplamente discutida nos meios de comunicação portugueses.
A mineira Maria Aparecida Cordeiro permaneceu em silêncio por muito tempo antes de denunciar as agressões sofridas por seu filho de oito anos na Escola Básica de Amorosa, em Silves, a 250 km de Lisboa. No entanto, depois de ele voltar para casa com hematomas no rosto, no braço e na perna no dia 25 de janeiro, após um aluno português, de 11 anos, tê-lo derrubado do escorrega e o agredido, ela decidiu denunciar.
– Ele derrubou meu filho do escorrega, sentou em cima dele, e espancou sua cabeça. Meu filho chegou todo inchado em casa, e elas (professoras) não fizeram nada. Vi aquele hematoma muito grande na cabeça dele, na orelha, e fui levá-lo ao médico – relata Maria Aparecida à Sputnik.
O périplo da brasileira começou no dia seguinte, quando levou seu filho a um centro de saúde para receber atendimento e fazer exames. Segundo ela, o médico se recusou a atendê-lo por se tratar de uma criança. Maria Aparecida também cobrou esclarecimentos da escola, mas teria sido silenciada pela coordenadora, aos berros, em uma reunião em que a "educadora" teria defendido o agressor e dito que ela era uma mãe muito protetora.
– Até que me levantei da cadeira e tive que gritar para ser ouvida. A escola, que deveria ser um lugar de educação e respeito, foi palco de uma baixaria em que duas professoras foram advogadas do agressor e de sua mãe. Meu filho e eu saímos de lá como lixo, humilhados pelas palavras que ouvíamos – detalha.
Maria Aparecida decidiu denunciar o caso na GNR. Na primeira vez em que foi tentar registrar a ocorrência, teria sido desencorajada por um policial. Ela não se deu por vencida e voltou no dia 30 de janeiro. Saiu de lá com cópias do auto da notícia-crime e um encaminhamento para perícia médica.
– Aquando da elaboração do presente auto, foi possível verificar uma escoriação na orelha direita e nódulo negro no joelho esquerdo do menor – lê-se em um trecho da descrição dos fatos feita pelo policial Filipe Silva, à qual Sputnik teve acesso.
– Cala-te! A tua fala brasileira irrita-me! – disse criança portuguesa
Em seu depoimento, a mineira também relatou outros episódios de violência e bullying que seu filho sofreu anteriormente. De acordo com o relato, X. foi discriminado não apenas pelo menino português, mas pelo motorista do transporte escolar, que teria sido conivente com a xenofobia do garoto, ao mudar o brasileiro para uma van apenas com alunos imigrantes.
– Quando meu filho ia conversar, o moleque dizia: 'Cala-te! A tua fala brasileira me irrita!'. O menino não deixava o meu filho falar. Ele dizia que tinha que tirar meu filho dali. E o motorista ficou trocando meu filho de lugar até colocá-lo em uma carrinha (van) bem velha, só com alunos de outras nacionalidades – recorda.
A mineira relata um terceiro episódio de agressão, quando seu filho estava no banheiro da escola, e um aluno português invadiu, o segurou por trás e tapou a sua boca para impedi-lo de gritar. Segundo o depoimento, a violência o traumatizou de tal forma que X. deixou de usar os banheiros do colégio, mesmo que fizesse suas necessidades fisiológicas nas calças.
"Alega ainda que o seu filho necessita de apoio psicológico, pois chega à casa todo sujo, com urina e fezes, devido a traumas de que sofre na escola", lê-se em outro trecho do depoimento.
Sputnik cobrou esclarecimentos da direção da Escola Básica de Amorosa e do Agrupamento Escolar de Silves, ao qual o colégio pertence, mas não houve respostas até o fechamento desta reportagem.