A partir do primeiro dia de janeiro de 2023, o novo governante vai encontrar uma diretoria do BC composta e nomeada pela dupla Bolsonaro & Guedes. Caso Lula venha ser confirmado pela vontade da maioria do eleitorado, tal como apontam as pesquisas de opinião, ele não poderá fazer nada a esse respeito.
Por Paulo Kliass – de Brasília
Ao longo de sua desastrosa e criminosa passagem pela Presidência da República, Jair Messias Bolsonaro vem colecionando uma série impressionante de atos e decisões que podem comprometer de forma assustadora o futuro de nosso país. Para além de suas intervenções deliberadas para promover a destruição do Estado e o desmonte das políticas públicas, ele se orgulha de ter levado em frente propostas como a continuidade da reforma trabalhista redutora de direitos dos assalariados e o aprofundamento extremado das propostas de austericídio, que foram introduzidas pela Emenda Constitucional do teto de gastos, a EC nº 95.Bolsonaro acuado promove destruição
Mas a herança maldita de seu governo vai se manifestar também no âmbito da política monetária e dos instrumentos de regulação e fiscalização do sistema financeiro. Em fevereiro do ano passado, o governo estimulou e apoiou a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei Complementar nº 179, que trata da independência do Banco Central (BC). Tratava-se de um pleito antigo das elites do financismo tupiniquim, que pretendiam colocar na letra da lei toda a estratégia de apropriação desse importante órgão regulador público para a defesa de seus interesses privados. Para esse pessoal, não bastava a leitura histórica de que os banqueiros sempre estiveram muito representados na direção do BC. Eles querem o pacote completo, com controle assegurado para sempre. O texto retira do Presidente da República o poder de nomear os responsáveis do Banco, um direito legítimo e apoiado pelo mandato a ele conferido pela maioria da população no pleito. Assim, a partir da vigência da nova lei, os nove diretores recebem um mandato fixo, com a duração de quatro anos. A medida se apoia em um discurso falacioso de que a instituição não deveria estar submetida a pressões de natureza política, com a intenção de preservar a sua suposta neutralidade técnica. Ora, a economia política não é uma ciência exata. Muito pelo contrário, trata-se de um campo do conhecimento que se aproxima bastante das ciências humanas. Não existe apenas uma única solução ou apenas um diagnóstico para analisar o fenômeno econômico. Os modelos econométricos obtusos, aos quais os conservadores recorrem para justificar suas opções no campo da ortodoxia, não são os únicos a oferecerem as alternativas de política econômica a cada conjuntura. Os diretores do BC, portanto, estão permanentemente sujeitos a pressões em suas tomadas de decisão. A questão é saber se tais pressões são as do poderoso lobby das finanças ou a legítima vontade política do Chefe do Executivo e da maioria da sociedade. Pois a realidade concreta é que a partir do primeiro dia de janeiro de 2023, o novo governante vai encontrar uma diretoria do BC composta e nomeada pela dupla Bolsonaro & Guedes. Caso Lula venha ser confirmado pela vontade da maioria do eleitorado, tal como apontam as pesquisas de opinião, ele não poderá fazer nada a esse respeito. Terá de esperar até março para indicar ao Senado Federal dois nomes, mas convivendo ainda com os demais sete já fazendo parte do colegiado. Em 2024 poderá indicar outros dois nomes. E só terá maioria dos indicados a partir de janeiro de 2024.Copom capturado: Selic nas alturas
É importante lembrar que os diretores do Banco cumprem uma missão fundamental como responsáveis pelas funções de regulação e fiscalização do sistema financeiro. No entanto, há décadas que nunca se preocuparam, de fato, em defender os interesses daqueles setores que são os mais prejudicados na relação com os bancos e instituições similares. Ao invés de impedirem práticas abusivas de juros altos, de tarifas exorbitantes e de spreads elevados, os dirigentes do BC fazem cara de paisagem e seguem a vida, contribuindo para “naturalizar” essas distorções escandalosas no relacionamento entre os bancos e seus clientes. Porém, além disso, a institucionalidade da área financeira prevê a atribuição da responsabilidade pela política monetária ao Comitê de Política Monetária (COPOM). Cabe a esse colegiado a definição do patamar da taxa referencial de juros do governo, a SELIC. Ocorre que o Comitê é composto exatamente pelos mesmos integrantes da diretoria do BC. Assim, o próximo Presidente da República vai ser obrigado a começar o seu governo dependendo das vontades e dos desejos de Paulo Guedes no que se refere às diretrizes de política monetária. Uma loucura! O calendário oficial prevê ainda mais quatro encontros do COPOM ao longo de 2022, sendo a última reunião em 6 e 7 de dezembro. Como a periodicidade estabelece um intervalo de 45 dias entre cada encontro, o primeiro do novo governo deverá ser realizado na última semana de janeiro. Imaginemos o quadro de uma nova equipe na área econômica e o chefe do governo anunciando um plano de retomada do crescimento das atividades de forma geral, com estímulos de vários tipos à geração de emprego e ao aumento da oferta de bens e serviços. Dentro desse contexto, parece óbvio que a taxa referencial de juros se reveste de importância fundamental para a viabilização de tal estratégia. Trata-se de uma sinalização essencial para os agentes econômicos de que o País estaria entrando em uma nova fase, onde a busca do desenvolvimento se sobrepõe ao cumprimento irresponsável dos ajustes austericidas do passado.
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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