Talvez uma das maiores bobagens que temos lido e ouvido nos últimos anos seja a horda de alucinados, liderados por Olavo de Carvalho e a família Bolsonaro, afirmando que o nazismo era algo “esquerdista”.
Por Pedro Luiz Teixeira de Camargo - de Belo Horizonte
Tão sem nexo como dizer que vacinas causam câncer ou que a Terra é plana, tais ideias têm feito o Brasil passar vergonha internacional, como nesse caso, onde até mesmo o Museu do Holocausto, na Alemanha, tem em seus dizeres a afirmação de que o regime liderado por Hitler era de extrema direita.
Entretanto, é preciso refletir: de onde esses malucos tiraram essa concepção completamente equivocada? Pois bem, parando para pensar e estudar, não é difícil identificar as origens do que veio a se tornar esse tamanho absurdo.
Em minha opinião, o início dessa confusão histórica se dá com o lançamento do livro Origens do Totalitarismo (1951), da escritora e filósofa alemã de origem judia Hannah Arendt.
Perseguida pelos nazistas, Arendt refugiou-se nos Estados Unidos (EUA), onde viveu até o fim da vida e escreveu diversas obras, merecendo grande destaque sua disputa, no campo das ideias e da narrativa histórica e social, do conceito de totalitarismo.
No livro em questão, ainda na década de 1950, esta autora, embebida pelos abusos e absurdos de Hitler em sua terra natal, cria um conceito totalmente equivocado dos governos totalitários, igualando a então União Soviética a Alemanha Nazista e a Itália Fascista, algo totalmente sem cabimento.
Em seu polêmico conceito, que caiu como luva aos interesses estadunidenses em plena guerra fria, é facilmente possível caracterizar qualquer regime que não siga a lógica da democracia burguesa como autoritário. Baseado nisso, as agências de inteligência norte-americanas, juntamente com seus estabelecimentos de pesquisa, com destaque para a Fundação Lemann, passaram não só a disseminar o conceito arendtiano, mas também a financiar estudos pelo mundo afora onde os autores se embasassem nesta ideia e chegassem às conclusões de que o Comunismo, o Fascismo e o Nazismo eram todos, em resumo, farinha do mesmo saco.
O absurdo de Arendt e de seus seguidores é tão grande, que foram capazes de equiparar países capitalistas da década de 1910 e 1920 como a Hungria (Horthy - 1919), Itália (Mussolini - 1922), Espanha (Primo de Rivera - 1923) e Turquia (Ataturk - 1925), só para citar alguns, com a URSS.
Talvez o maior absurdo, seja o cometido por outros autores de inspiração arendtiana, como Friedrich e Brzezinski, capazes de classificar a China, que só veio a se tornar socialista em 1949, da mesma forma que países capitalistas dos anos 1920 e 1930.
Em primeiro lugar, é preciso ver as coisas sem paixão. Países de orientação ideológica completamente opostas (capitalismo x comunismo) não podem ser classificados da mesma forma, isso é um completo absurdo histórico (e econômico), o que por si só já descaracterizaria esse conceito. Poulantzas, ao contrário de Arendt, limita o conceito de fascismo, por exemplo, somente aos países capitalistas, o que é óbvio.
Outro ponto chave é o anacronismo, não dá para jogar tudo no mesmo balde, balançar e achar que é tudo igual, pois não é. Comparar a Europa Ocidental (Alemanha, Espanha e Itália) dos anos 1920-1930 com a Ásia (China e Coreia do Norte) dos anos 1950 ou a Europa Oriental dos anos 1960 (Albânia, Romênia e Bulgária) é um absurdo completo, descaracterizando ainda mais a ideia dessa autora e de seus seguidores.
Por mais que diversos líderes, sejam eles de esquerda ou de direita, tenham cometido excessos, não podemos classificar todos da mesma forma, pois em momentos de perdas de direitos democráticos como nosso tempo presente, isso vira justificativa para afirmações sem nexo, como por exemplo, que o Nazismo era de esquerda.
Cabe destacar também, o papel de parte da esquerda “rihappy-cirandeira-identitária” na disseminação acadêmica desse conceito errôneo, com destaque para as correntes políticas de orientação trotskysta e social democrata. Ambas, embebidas por uma espécie de ressentimento da liderança dos Partidos Comunistas tradicionais como oposição viável aos regimes imperialistas ao longo da maior parte do século XX, levaram Arendt além dos limites que as próprias agências de financiamento estadunidenses fossem capazes de chegar, fazendo com que em boa parte dos cursos de humanidades das universidades, esse conceito, ainda hoje, seja defendido.
Se nos deparamos com absurdos históricos e afirmações sem sentido por parte dos neofascistas tupiniquins, é importante buscarmos entender a essência do problema e fazer a mea culpa, pois se hoje está na moda afirmar tamanha idiotice (nazismo = esquerda), é porque parte da própria esquerda deu corda e contribuiu para isso.
Pensemos nisso e paremos de ficar batendo palma para doido dançar, o nazismo era de extrema direita, o fascismo só existe e existiu em países sob a égide do Capitalismo e esse conceito de Arendt (e seus seguidores) precisa ser desmascarado, pois serve, apenas e somente ao Imperialismo, o único interessado em bagunçar conceitos que vem desde a Revolução Francesa.
Pedro Luiz Teixeira de Camargo, é biólogo, geógrafo e professor; atualmente é Doutorando em Evolução Crustal e Recursos Naturais pela UFOP/MG e Membro da Direção Eixo Sudeste da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (EcoEco). Foi diretor da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais (UEE-MG) e da Associação Nacional de Pós Graduandos (ANPG).