Rio de Janeiro, 01 de Maio de 2025

Mulher caboclo-de-lança

Por Luciano Siqueira - A conquista de Maria José como caboclo-de-lança simboliza a luta feminina pela igualdade, desafiando tradições e reafirmando a liberdade nas relações e na cultura.

Sexta, 07 de Março de 2025 às 09:44, por: CdB

A conquista de Maria José como caboclo-de-lança simboliza a luta feminina pela igualdade, desafiando tradições e reafirmando a liberdade nas relações e na cultura.

Por Luciano Siqueira – de Brasília

Vovó Neném, católica fervorosa e conservadora até a medula, incluía em suas orações, que fazia em voz alta para que todos pudessem ouvir, o pedido do perdão divino para as mulheres que vestiam calças compridas.

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O caboclo-de-lança tem papel destacado na encenação do maracatu rural

– É roupa de homem. Deus não deve gostar disso, ele fez a mulher para vestir saias.

Viva estivesse (faleceu no início dos anos 60), qual não seria a sua estranheza, e repulsa, ao saber que, rompendo uma tradição que vem desde o século XIX, a empregada doméstica Maria José Marques tornou-se a primeira mulher a desfilar fantasiada de caboclo-de-lança, no 5º Encontro dos Maracatus Rurais de Nazaré da Mata, a 65 km de Recife, realizado pouco antes do último carnaval.

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Integrante do maracatu Leão Formoso, Maria José protagoniza mais uma conquista, dentre tantas, que a mulher brasileira vem alcançando na vida social, econômica, política e cultural nos últimos 30 anos.

O caboclo-de-lança tem papel destacado na encenação do maracatu rural. Representa o guerreiro. Rosto pintado, óculos escuros, flor entre os dentes, fisionomia carrancuda, agressiva até, estado de transe alimentado por 15 dias de abstin&e circ;ncia sexual e pela ingestão de uma bebida cujo conteúdo mantém em segredo. Formidável que uma mulher seja aceita nesse papel.

Vovó Neném

Vovó Neném, sim, estaria estarrecida. E também rezaria muitas ave-marias assustada com a ousadia de inúmeras mulheres que reclamam igualdade de gênero também nas relações afetivas. Desejam tomar a iniciativa no ato sexual e só aceitam o prazer compartilhado. E estranharia a reação de um número crescente de parceiros masculinos, tomados de encanto e paixão pela mulher livre, altiva e senhora de si; e se sentiria solidária diante da maioria machista que, ao contrário, experimenta receio e insegurança.

Dificilmente entenderia, a piedosa senhora, se o seu neto querido, feminista consciente e militante, lhe dissesse que na relação a dois reside uma das trincheiras da luta pela emancipação da mulher.

Não, não compreenderia Vovó Neném, jamais, que a luta por uma sociedade progressista, solidária e justa implica também num sonho, o do amor verdadeiro, despido de egoísmo e de desconfiança, que permite a um homem olhar nos olhos de uma mulher e dizer: “Eu te amo, nós nos amamos, portanto tu és livre e eu também sou livre; tu não dependes de mim nem eu dependo de ti; somos iguais”.

 

Luciano Siqueira, é médico, membro do Comitê Central do PCdoB e secretário nacional de Relações Institucionais, Gestão e Políticas Públicas do partido, foi deputado estadual em Pernambuco e vice-prefeito do Recife.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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