Várias manifestações denunciaram o “golpe de Estado judicial” do governo. A reforma propõe medidas, por exemplo, que diminuem a autonomia do Poder Judiciário e protegeriam o primeiro-ministro israelense de eventuais processos.
Por Redação, com RFI – de Jerusalém
Em dois anos de guerra, Israel observou uma forte queda na imigração judaica (chamada de aliyah) e uma alta na emigração de cidadãos israelenses. Essa tendência resulta em um saldo migratório negativo, considerado preocupante pelas autoridades do Estado hebreu, que se considera um refúgio para os judeus do mundo inteiro.

Segundo o deputado Gilad Kariv, presidente da Comissão de Imigração, Integração e Diáspora do Parlamento israelense, “muitos israelenses escolhem construir seu futuro fora de Israel, e cada vez menos optam pelo retorno ao país. Esse fenômeno coloca em risco a solidez da sociedade israelense e deve ser considerado uma verdadeira ameaça estratégica”.
A comissão presidida pelo parlamentar debateu na segunda-feira os dados de um relatório sobre o tema. Os números mostram que, entre 2020 e 2024, Israel registrou mais partidas de cidadãos do que chegadas, que são facilitadas pelo mecanismo da Lei do Retorno, que possibilita a todos os judeus a obtenção da cidadania israelense. O saldo negativo chega a 145,9 mil pessoas nesse período — uma quantidade significativa para um país com cerca de 10 milhões de habitantes. O deputado qualifica o fenômeno como “um verdadeiro tsunami”.
Em 2023, mais de 82 mil israelenses deixaram o país. Muitos tomaram essa decisão após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023, mas outros já haviam decidido partir meses antes, após o anúncio do polêmico projeto de reforma judicial do governo de Benjamin Netanyahu, acusado de corrupção.
Várias manifestações denunciaram o “golpe de Estado judicial” do governo. A reforma propõe medidas, por exemplo, que diminuem a autonomia do Poder Judiciário e protegeriam o primeiro-ministro israelense de eventuais processos.
‘Limpeza étnica se normaliza’
A partida dos israelenses, cada vez mais frequente, é chamada de yerida (“descida” em hebraico), enquanto a imigração, é chamada de aliyah (“subida”). “Cresci aqui. Sonho em hebraico. Conheço a língua, as pessoas. Toda a minha família está aqui. E hoje estamos procurando uma nova casa”, diz Nathan Landau, de 40 anos.
Segundo ele, “razões políticas” explicam sua decisão. Landau se diz preocupado com “o centro israelense que se radicaliza para a direita e como coisas como a limpeza étnica [dos palestinos] parecem totalmente normais para os israelenses hoje”.
Portugal, novo destino favorito dos israelenses
Cian mudou-se recentemente para Lisboa — a capital portuguesa tornou-se um dos destinos preferidos dos emigrantes israelenses. Ela diz ter rompido com o governo atual de Israel, mas não com o país. “Continuo muito ligada à minha terra, mas não poderia viver lá. Não conseguiria lidar com isso, com todo esse estresse e os sons das sirenes. Fui embora porque não acho que uma pessoa, um ser humano, deva viver assim.”
– Detesto saber qualquer coisa sobre as ações do exército israelense em Gaza e nos territórios ocupados – diz Hanna Kahana, nascida em Israel, que decidiu partir aos 90 anos. Ela obteve a cidadania do país de origem de seus pais, a Áustria, mas Hanna disse que também pretende se mudar para Portugal.
O custo de vida em Israel também é uma das razões citadas pelos yordim (“os que descem”, ou seja, os que emigram), além da evolução política e do contexto de segurança. Para o demógrafo israelense Sergio Della Pergola, professor emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém, a diminuição dos retornos após alguns anos de ausência é outro fator que deve ser considerado. “São os israelenses que gostariam de voltar à sua pátria, mas que acham que ainda não é o momento”, explica.
‘Aliyah’ em forte queda
A esse novo fluxo de partidas soma-se outro fenômeno igualmente preocupante para as autoridades israelenses: a forte queda na imigração (aliyah).
Segundo a Agência Judaica para Israel, organismo que promove e acompanha o processo de imigração de judeus para Israel, 14.554 pessoas já imigraram este ano, entre janeiro a agosto de 2025. O total anual deve ficar abaixo dos 32.281 novos imigrantes de 2024. Foram 47.013 em 2023 e 76.621 em 2022. Esse pico está ligado à guerra na Ucrânia, com forte presença de judeus russos e ucranianos entre os imigrantes de 2022.
Os principais países de origem dos novos imigrantes são a Rússia, em primeiro lugar, seguida pela França e pelos Estados Unidos. Em um contexto geral de forte queda, a França foge à regra e, neste ano, 2.254 pessoas já emigraram para Israel, contra 1.531 no mesmo período (janeiro a agosto) de 2024.
– Todo mundo ao meu redor está pensando em partir – diz um jovem francês que deve se mudar para Israel em 2026. Ele conta que tomou a decisão nos meses seguintes aos ataques mortais do Hamas em Israel em 7 de outubro de 2023.
Estudante na época, ele lembra do “aumento dos ataques, das agressões físicas” e de outros atos antissemitas em solo francês. O jovem judeu, que preferiu não divulgar seu nome, lamenta “a incapacidade da França de tratar esse assunto de forma saudável e serena” e, pessoalmente, descobriu “amizades mais frágeis” do que imaginava. Até o dia em que “me insultaram. Isso teve um papel importante na minha decisão”, conta.
– Não vou a Israel por causa do governo, mas pela nação, pelo país – responde ele, que diz se sentir “sempre francês”, pretendendo manter a nacionalidade ao se tornar israelense. “Em Israel, ainda existe um denominador comum que já não encontro na França”, afirma, convencido de que a onda de partidas de israelenses está ligada “a um reflexo pós-7 de outubro”.
Perda de atratividade
Diante dessa tendência de queda, a Agência Judaica para Israel e o Ministério da Integração de Israel reforçam os programas existentes “para facilitar a integração profissional, os estudos e a moradia”, detalha Ygal Palmor, diretor de relações internacionais do organismo.
– Organizamos dias de informação no exterior para divulgar os dispositivos existentes.” Segundo ele, reuniões são propostas com regularidade na França, na Ucrânia e nos Estados Unidos, “para ir ao encontro dos candidatos à aliyah – conclui Ygal Palmor.
– Se a economia israelense conseguir decolar após a guerra, então Israel voltará a ser um país atrativo e poderá reter sua população – prevê o demógrafo Sergio Della Pergola, para quem “isso depende do processo de normalização política e militar. Caso contrário, causará sérios problemas para a economia e a estabilidade”.