A situação fica ainda mais grave a partir de um novo dado: medicamentos de quimioterapia estão agora entre aqueles em maior escassez. Uma situação que preocupa pacientes e profissionais de saúde e que é especialmente grave para crianças com câncer.
Por Redação, com Brasil de Fato - de Washington
Os Estados Unidos vivem hoje uma das mais graves crises de desabastecimento de medicamentos da história do país. De acordo com uma pesquisa da ASHP, a Sociedade Americana de Farmacêuticos do Sistema de Saúde, 99% dos trabalhadores relatam falta de remédios.
A situação fica ainda mais grave a partir de um novo dado: medicamentos de quimioterapia estão agora entre aqueles em maior escassez. Uma situação que preocupa pacientes e profissionais de saúde e que é especialmente grave para crianças com câncer.
Um problema antigo
De acordo com a listagem da ASHP, mais de 300 medicamentos estão em falta no país. Para um terço dos profissionais que responderam à pesquisa, a situação é crítica. Mas a falta de medicamentos, sobretudo aqueles injetáveis utilizados em hospitais, não é uma novidade nos EUA, e sim uma realidade antiga e difícil de contornar.
Em 2001, o governo estadunidense começou a monitorar a escassez de medicamentos no país e, no fim de 2009, a situação chegou a um nível de crise. Mariana Socal, brasileira pesquisadora da Johns Hopkins University, é uma das principais especialistas no tema. Ela conversou com o Brasil de Fato sobre o assunto.
– O que a gente vê é que existe um problema crônico de escassez de medicamentos – diz Mariana, “a gente viu uma exacerbação durante a pandemia, outra no último inverno quando tivemos um aumento na frequência de doenças respiratórias em crianças e, agora, bem recentemente, o problema da falta de quimioterapias injetáveis para pacientes com câncer”.
Mariana diz ainda que “volta e meia há momentos mais críticos que vêrm mais à tona e a gente ouve mais na mídia, mas, de maneira geral, diariamente os hospitais têm problemas de falta de medicamentos”.
O problema não possui um só motivo ou uma solução simples, mas é quase um consenso que a lógica do mercado da saúde nos Estados Unidos não ajuda.
– Bom, tá faltando remédio – explica Mariana, “vamos solucionar isso. Parece intuitivo que são os fabricantes que têm que mudar para solucionar o problema, né? Então, vamos fabricar mais! Mas, na prática, o que acontece é que existe um mercado que está comprando esses medicamentos. Não é só produzir. Tem que estar produzindo, comprando e distribuindo”.
Poucas empresas dominam o mercado
A especialista destaca, porém, que “não é apenas o fato de ser privado. É o fato de ser altamente concentrado”. Uma informação que, segundo que ela, “muitas vezes se perde quando falamos da falta de medicamentos”.
Os remédios que mais faltam hoje são os genéricos, aqueles que podem ser produzidos por qualquer indústria. Apesar dessa suposta facilidade, o número de compradores é pequeno, com poucos grandes distribuidores de medicamentos controlam todo o mercado estadunidense.
– O produtor do remédio genérico sabe que precisa fazer negócio com, pelo menos um dos três (grandes compradores) se ele quer se manter viável. Então, se os 3 distribuidores dizem, não, eu preciso de um preço mais baixo, o produtor, a empresa farmacêutica, vai ter que baixar o preço – explica a pesquisadora.
Esse é um tema que preocupa membros de ambos os partidos nos EUA. O deputado republicano Morgan Griffith, presidente do Comitê de Energia e Comércio da câmara, falou sobre o assunto em maio deste ano durante uma audiência no Capitólio.
– Os maiores grupos de compra controlam 90% do mercado de abastecimento médico e têm um poder de mercado tremendo – disse o deputado, “eles poderiam ajudar a acabar com a escassez de medicamentos priorizando a disponibilidade e a qualidade de medicamentos genéricos. Ao invés disso, eles usam seu poder no mercado para forçar um preço de “corrida para o fundo” sem consideração pela qualidade ou disponibilidade”.
Os perigos causados por essa escassez
A escassez, porém, é uma realidade e ainda sem solução. Enquanto o problema não é resolvido, pacientes e profissionais de saúde sentem o impacto. Maria Socal afirma que “o grande problema da falta desses medicamentos não é só o fato de estar faltando alguma coisa, é o fato de que, então, vai ter que ser substituída aquela coisa, porque os pacientes vão continuar chegando e o hospital vai ter que continuar atendendo”.
Dentre os riscos sofridos pelos pacientes se destacam 3:
O remédio escolhido como substituto pode não ser tão eficaz.
Ele pode ser menos seguro ou apresentar mais efeitos colaterais.
Erros médicos se tornam mais comuns, uma vez que os profissionais não estão acostumados a administrar os medicamentos alternativos.
– Tem que ter um treinamento de toda a equipe só pra poder se adaptar àquela situação que está ocorrendo como efeito da falta de medicamentos – diz Mariana Socal, “então, às vezes, acontecem até erros na administração de coisas. Erros de dosagem, erros na preparação de remédios, erros na substituição da medicação. Então, o risco para o paciente é muito alto e isso acontece, como eu falei, de maneira diária em todos os hospitais do país”.