Rio de Janeiro, 05 de Dezembro de 2025

Defensoria do Rio leva denúncias à Moraes após ação na Penha

Defensoria Pública do Rio apresenta denúncias de falta de transparência e apoio às famílias após megaoperação na Penha, que resultou em 121 mortes.

Segunda, 03 de Novembro de 2025 às 11:29, por: CdB

Órgão relata falta de transparência, restrição a perícias independentes e desamparo a famílias de vítimas da megaoperação policial.

Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro apresentará nesta segunda-feira ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), um relatório com denúncias de moradores do Complexo da Penha após a megaoperação policial da última semana, que deixou 121 mortos. Segundo reportagem do portal UOL, o documento reúne relatos de violações, falta de transparência e ausência de apoio a familiares das vítimas.

Defensoria do Rio leva denúncias à Moraes após ação na Penha | Megaoperação: corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro
Megaoperação: corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro

O encontro entre o chefe da Defensoria fluminense, Paulo Vinícius Cozzolino Abrahão, e Moraes está marcado para as 16h30, em Brasília. O objetivo é entregar pessoalmente o compilado de denúncias recebidas pela ouvidoria externa da instituição. As manifestações de moradores abrangem queixas sobre o impedimento de acesso de peritos independentes ao Instituto Médico Legal (IML), dificuldades de identificação dos corpos e relatos de desaparecimentos na região.

A audiência ocorre um dia depois de Moraes determinar a preservação de todas as provas relacionadas à operação e o acesso integral da Defensoria aos laudos periciais. O ministro justificou que a medida é necessária para garantir o “controle e averiguação” do caso, que está sob responsabilidade do Ministério Público do Estado.

Perícia independente e transparência contestada

A coordenadora de Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria, Thaís Lima, afirmou que o órgão foi impedido de realizar perícias paralelas, apesar de possuir equipe técnica própria. “A defensoria tem seu próprio corpo de peritos técnicos. A perícia foi feita pela Polícia Civil e pelo MP-RJ, mas a população queria outra perícia para dar mais transparência”, explicou.

Lima relatou que a instituição recebeu apenas autorização para “conhecer as instalações do IML”, sem acesso efetivo às perícias. “Seguimos sem acesso para a perícia. Pedimos autorização no dia 29, mas até agora nada”, disse.

A Polícia Civil, em nota, afirmou que o acesso ao IML foi restrito por motivos técnicos e de controle do ambiente, e que “todas as informações constarão nos autos do processo e ficarão disponíveis para todas as partes envolvidas”. Já a Secretaria de Polícia Militar declarou colaborar “integralmente com os procedimentos apuratórios e investigativos sobre as ações”.

Relatos de mulheres e denúncias de desamparo

A defensora destacou que muitas mulheres da Penha e do Alemão ainda procuram parentes desaparecidos e relatam medo após serem acusadas de fraude processual por ajudarem a retirar corpos da mata. “O governo falava em fraude processual pelo fato de muitas terem ajudado a retirar os corpos da mata”, disse. “A polícia fez a primeira remoção, mas não foi providenciado o isolamento do local. Muitas mães que não tiveram os filhos identificados tinham esperança de que eles estivessem na mata.”

Segundo Lima, há relatos de que corpos ainda não foram localizados. “Elas dizem que há um cheiro forte na mata e querem ter dignidade para enterrar seus filhos.” A defensora contou o caso de uma mãe que aguardava o reconhecimento do corpo do filho, um adolescente de 17 anos sem documento de identidade. “Ele ainda não tinha RG, nem identificação pelas digitais. Foi preciso fazer o processo de DNA. Depois de duas ou três horas de espera, vi a dor de uma mãe procurando pelo filho com a expectativa de ele estar vivo.”

Acesso a câmeras e hospitais será solicitado

A Defensoria pretende solicitar formalmente o acesso às imagens das câmeras corporais dos policiais e à lista de pessoas atendidas no Hospital Getúlio Vargas, para confrontar dados oficiais. “O estado naturalmente pretende justificar sua ação, mas vamos solicitar o acesso a todas as câmeras”, afirmou Thaís Lima.

Ela contou que esteve no hospital e foi informada de que corpos continuavam chegando dias após a operação. Segundo a defensora, houve demora na comunicação com os familiares das vítimas. “Faltou senso de urgência entre as secretarias de Segurança Pública dos estados para que se agilizassem esses processos, já que muitas pessoas tinham familiares fora do Rio de Janeiro”, afirmou. “Vimos a presença majoritária de mulheres, companheiras, mães e tias na busca por informações.”

Força-tarefa e atuação humanitária

A Defensoria criou uma força-tarefa para prestar assistência às famílias atingidas. As equipes se dividiram entre o IML, onde ajudaram na emissão de declarações de óbito e no encaminhamento de sepultamentos, e os territórios da Penha e do Alemão, onde ouviram familiares e lideranças comunitárias. Outras equipes acompanharam audiências de custódia e estiveram no Hospital Getúlio Vargas.

Segundo Thaís Lima, “a ouvidoria da Defensoria recebeu muitas denúncias. Tudo está sendo compilado em um relatório. Estamos em contato com várias famílias para disponibilizar um atendimento adequado e garantir o sigilo das informações”.

A ativista Ana Tobossi, moradora da Vila Cruzeiro, relatou que acompanhou mulheres que resgataram os corpos de familiares. “Mulheres diziam que encontraram homens sem as pontas dos dedos, com marcas de tiros na cabeça”, contou. “Elas estavam procurando os corpos sempre com esperança de encontrá-los com vida.”

A ativista afirmou que as famílias ainda enfrentam dificuldades para acessar serviços básicos e apoio psicológico. “Elas não conseguem nem enterrar o que sobrou”, lamentou.

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