Quinto mês de governo com a economia em recesso, queda do apoio da população, desconfiança dos mais pobres, dos professores, mulheres e trabalhadores rurais quanto aos efeitos da revisão da Previdência nas suas futuras aposentadorias, oposição de todos os organismos internacionais ligados aos direitos humanos, rachadura com o vice-presidente comprometendo a relação com os militares, tudo parece ir mal com a família Bolsonaro no poder.
Por Rui Martins, editor do Direto da Redação:
Fiéis ainda a Bolsonaro, só os evangélicos, hoje cerca de 30% da população; a quase totalidade, vivendo do salário mínimo ou menos, seguiam, ainda há alguns anos, o líder Lula.
De formação primária, leitores de um livro só, a Bíblia, são alimentados ideologicamente por pastores, blogs e fake news produzidas pela direção dos diversos movimentos evangélicos.
Só um acontecimento marcante poderá evitar a degringolada do governo, saudado, na sua vitória eleitoral, como messiânico, e uma intervenção direta da mão divina na política brasileira. Não é preciso ser vidente e nem ter os dons esotéricos do feiticeiro de Virgínia, Olavo de Carvalho, para adivinhar qual poderá ser o fator capaz de provocar uma união nacional em torno de Bolsonaro.
Bastará ocorrer um incidente militar com a Venezuela capaz de sensibilizar a opinião pública brasileira e provocar uma reação patriótica. Pode estar mesmo em gestação adiantada esse incidente, que poderá colocar o povo revoltado nas ruas pedindo vingança.
Imaginem uma armação, na qual um grupo de soldados brasileiros são metralhados dentro de nossas fronteiras por venezuelanos bolivarianos, sem faltar a filmagem do começo dessa afronta por um dos soldados, pouco antes de ser também baleado.
Numa situação dessas, no calor patriótico, será fácil convencer o povo da necessidade de uma resposta. E nem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, poderá conter uma declaração de guerra.
Entretanto, o voto do grupo de deputados evangélicos e a pregação dos pastores evangélicos poderão evitar essa aventura guerreira.
Por isso, a questão que colocamos, diante dessa hipotética situação, é de cunho teológico – os evangélicos, professando uma fé baseada no amor e no perdão, aceitarão aprovar essa aventura guerreira?
Fizemos essa pergunta num reduto evangélico e obtivemos algumas respostas preocupantes e sintomáticas. A maioria preferiu não responder, o que é também alarmante, pois como bons cordeiros esperam a decisão de seus pastores.
Os favoráveis a uma guerra de invasão da Venezuela se reportam ao Deus do Velho Testamento, que incentivava guerras de invasão, ocupação e, numa delas, chegou mesmo a parar o Sol e a Lua no céu para dar a vitória ao seu povo contra os amorreus.
Esse trecho da Bíblia, contando uma intervenção direta de Deus numa guerra, está no livro de Josué 10: 12 a 14 (transcrito no rodapé). Entretanto, embora essa narração reforce para muitos fiéis sua fé em Deus, um Deus guerreiro que não abandona seu povo, ela é absurda diante dos conhecimentos científicos que temos hoje da astronomia e do movimento dos astros no Universo.
Pior ainda: durante séculos, esse trecho bíblico reforçou a crença, praticamente transformada em dogma, de que a Terra era plana, fixa e que o Sol girava em torno dela. E muitos cientistas dessa época foram queimados por apostasia, como Giordano Bruno, por terem provado o contrário. Galileu, que afirmava ser a Terra que girava em torno do Sol, escapou por pouco da fogueira por ter se renegado.
Pode parecer um tanto absurdo aos leitores essa referência a um livro religioso e mesmo aos sombrios anos da Idade Média. Porém, entendam, nessa época, em lugar dos evangélicos, era a Igreja Católica quem fazia a cabeça do povo e mesmo dos dirigentes, tendo como um dos argumentos principais o castigo da fogueira.
Retornando ao nosso tema, justificar a necessidade de uma guerra contra a Venezuela não será difícil aos pastores evangélicos porque, neste caso, embora se digam seguidores da nova aliança criada por Jesus Cristo, preferem o Deus cruel de nome Jeová ou Adonai. Tão cruel quanto Júpiter, da mitologia greco-romana, que devorava seus filhos. Um exemplo: o Velho Testamento conta que Onan foi morto por praticar masturbação, coito interrupto ou cunnilingus, não se sabe ao certo, para evitar descendência.
Diante disso, entende-se o provérbio de Salomão no livro bíblico Eclesiastes, “o temor de Deus é o princípio da sabedoria”. A mensagem do perdão e do amor divino veio com Cristo, mas persistiu a pena da “punição eterna”, assimilada ao fogo do inferno.
No Catecismo de Westminster, um dos livros básicos doutrinários do presbiterianismo, consta a possibilidade da “guerra justa”, um conceito flexível que não impediu tantas guerras, como o ataque e invasão do Iraque.
O que se passa hoje nos EUA é semelhante ao Brasil. Um terço da população, a com menos poder aquisitivo ou a camada popular, é evangélica praticante ou fundamentalista.
Diante da dificuldade de terem uma vida terrena melhor, social e economicamente, aderem em massa ao culto da transposição de suas esperanças para o além depois da morte, com as prometidas riquezas e delícias espirituais do céu, não bem explicadas, junto de Deus.
Gênesis 38: 8 a 10
Então disse Judá a Onã:
Toma a mulher do teu irmão, e casa-te com ela, e suscita descendência a teu irmão. Onã, porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão. E o que fazia era mau aos olhos do SENHOR, pelo que também o matou.
***
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. É criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
norteamericanosO
evangelismo atual nasceu do fundamentalismo, ou interpretação literal das Escrituras, defendido pelo pastor presbiteriano Carl McIntire (morreu em 2002 com 95 anos e esteve em São Paulo nos anos 1960, onde pronunciou conferências no Teatro Municipal. Um de seus seguidores no Brasil foi o pastor Boanerges Ribeiro, que durante 12 anos dirigiu o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana), e teve como seu mais conhecido defensor o pregador Billy Graham, que enchia estádios nos Estados Unidos e mesmo em outros países proclamando a necessidade de um reavivamento cristão, que era também moral e conservador.
Quem se surpreendeu com a cerimônia evangélica transmitida pela televisão, tão logo confirmada a vitória do candidato Bolsonaro à presidência, deve saber que a posse de Bill Clinton também se assemelhou a um culto evangélico com oração por um pastor, canto de hino evangélico e presença de Billy Graham.
Os democratas perderam o pouco da simpatia que lhes restava dos evangélicos americanos, transferida para o atual presidente Donald Trump. A maioria dos evangélicos já estava com os republicanos dos presidentes pai e filho Bush (o sonho dos Bolsonaros seria de repetir isso no Brasil).
Em 2001, logo depois do atentado islamita contra as Torres Gêmeas, os evangélicos deram total apoio à guerra de Bush contra o Iraque, chamada de a guerra contra o terror da nova Babilônia. Na verdade, se fosse uma guerra de reação contra os atentados praticados pelos islamitas, o alvo seria o Afeganistão, onde vivia Bin Laden, e não o Iraque, cujo dirigente era ateu e contra os islamitas. Porém, para os EUA, a guerra não era uma vingança, mas visava outra coisa: o petróleo iraquiano.
Hoje, a Venezuela não é chamada de Babilônia e nem atacou ninguém, mas o pretexto é acabar com o marxismo ou comunismo, embora a ameaça de bolivarização da América Latina não exista. Porém, esse pretexto é suficiente para mobilizar os evangélicos e obter seu apoio com orações, pregações e talvez até soldados combatendo em nome de Deus.
Mas a razão principal do interesse dos Estados Unidos pela democracia na Venezuela é bem outra. É a mesma que provocou a guerra no Iraque e gerou o caos reinante até hoje no Oriente Médio: tomar posse do petróleo.
A participação do Brasil – que está entregando docilmente seu petróleo sem guerra – tornará a invasão uma questão latinoamericana e evitará um confronto direto dos EUA com a Rússia, disposta a defender Maduro.
___
Notas:
1. Sobre o Dia mais Longo:
Josué 10: 12 a 14
12 Então Josué falou ao Senhor, no dia em que o Senhor entregou os amorreus na mão dos filhos de Israel, e disse na presença de Israel: Sol, detém-se sobre Gibeão, e tu, lua, sobre o vale de Aijalom.\
13 E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no livro de Jasar? O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro.
14 E não houve dia semelhante a esse, nem antes nem depois dele, atendendo o Senhor assim a voz de um homem; pois o Senhor pelejava por Israel.
2. Sobre Onã e masturbação:
Cristo apoiaria os evangélicos numa invasão da Venezuela?
Arquivado em:
Segunda, 20 de Maio de 2019 às 14:48, por: CdB