Rio de Janeiro, 22 de Novembro de 2024

Cristo apoiaria os evangélicos numa invasão da Venezuela?

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Segunda, 20 de Maio de 2019 às 14:48, por: CdB
Quinto mês de governo com a economia em recesso, queda do apoio da população, desconfiança dos mais pobres, dos professores, mulheres e trabalhadores rurais quanto aos efeitos da revisão da Previdência nas suas futuras aposentadorias, oposição de todos os organismos internacionais ligados aos direitos humanos, rachadura com o vice-presidente comprometendo a relação com os militares, tudo parece ir mal com a família Bolsonaro no poder. Por Rui Martins, editor do Direto da Redação:
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O momento pode ser grave
Fiéis ainda a Bolsonaro, só os evangélicos, hoje cerca de 30% da população; a quase totalidade, vivendo do salário mínimo ou menos, seguiam, ainda há alguns anos, o líder Lula. De formação primária, leitores de um livro só, a Bíblia, são alimentados ideologicamente por pastores, blogs e fake news produzidas pela direção dos diversos movimentos evangélicos. Só um acontecimento marcante poderá evitar a degringolada do governo, saudado, na sua vitória eleitoral, como messiânico, e uma intervenção direta da mão divina na política brasileira. Não é preciso ser vidente e nem ter os dons esotéricos do feiticeiro de Virgínia, Olavo de Carvalho, para adivinhar qual poderá ser o fator capaz de provocar uma união nacional em torno de Bolsonaro. Bastará ocorrer um incidente militar com a Venezuela capaz de sensibilizar a opinião pública brasileira e provocar uma reação patriótica. Pode estar mesmo em gestação adiantada esse incidente, que poderá colocar o povo revoltado nas ruas pedindo vingança. Imaginem uma armação, na qual um grupo de soldados brasileiros são metralhados dentro de nossas fronteiras por venezuelanos bolivarianos, sem faltar a filmagem do começo dessa afronta por um dos soldados, pouco antes de ser também baleado. Numa situação dessas, no calor patriótico, será fácil convencer o povo da necessidade de uma resposta. E nem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, poderá conter uma declaração de guerra. Entretanto, o voto do grupo de deputados evangélicos e a pregação dos pastores evangélicos poderão evitar essa aventura guerreira. Por isso, a questão que colocamos, diante dessa hipotética situação, é de cunho teológico – os evangélicos, professando uma fé baseada no amor e no perdão, aceitarão aprovar essa aventura guerreira? Fizemos essa pergunta num reduto evangélico e obtivemos algumas respostas preocupantes e sintomáticas. A maioria preferiu não responder, o que é também alarmante, pois como bons cordeiros esperam a decisão de seus pastores. Os favoráveis a uma guerra de invasão da Venezuela se reportam ao Deus do Velho Testamento, que incentivava guerras de invasão, ocupação e, numa delas, chegou mesmo a parar o Sol e a Lua no céu para dar a vitória ao seu povo contra os amorreus. Esse trecho da Bíblia, contando uma intervenção direta de Deus numa guerra, está no livro de Josué 10: 12 a 14 (transcrito no rodapé). Entretanto, embora essa narração reforce para muitos fiéis sua fé em Deus, um Deus guerreiro que não abandona seu povo, ela é absurda diante dos conhecimentos científicos que temos hoje da astronomia e do movimento dos astros no Universo. Pior ainda: durante séculos, esse trecho bíblico reforçou a crença, praticamente transformada em dogma, de que a Terra era plana, fixa e que o Sol girava em torno dela. E muitos cientistas dessa época foram queimados por apostasia, como Giordano Bruno, por terem provado o contrário. Galileu, que afirmava ser a Terra que girava em torno do Sol, escapou por pouco da fogueira por ter se renegado. Pode parecer um tanto absurdo aos leitores essa referência a um livro religioso e mesmo aos sombrios anos da Idade Média. Porém, entendam, nessa época, em lugar dos evangélicos, era a Igreja Católica quem fazia a cabeça do povo e mesmo dos dirigentes, tendo como um dos argumentos principais o castigo da fogueira. Retornando ao nosso tema, justificar a necessidade de uma guerra contra a Venezuela não será difícil aos pastores evangélicos porque, neste caso, embora se digam seguidores da nova aliança criada por Jesus Cristo, preferem o Deus cruel de nome Jeová ou Adonai. Tão cruel quanto Júpiter, da mitologia greco-romana, que devorava seus filhos. Um exemplo: o Velho Testamento conta que Onan foi morto por praticar masturbação, coito interrupto ou cunnilingus, não se sabe ao certo, para evitar descendência. Diante disso, entende-se o provérbio de Salomão no livro bíblico Eclesiastes, “o temor de Deus é o princípio da sabedoria”. A mensagem do perdão e do amor divino veio com Cristo, mas persistiu a pena da “punição eterna”, assimilada ao fogo do inferno. No Catecismo de Westminster, um dos livros básicos doutrinários do presbiterianismo, consta a possibilidade da “guerra justa”, um conceito flexível que não impediu tantas guerras, como o ataque e invasão do Iraque. O que se passa hoje nos EUA é semelhante ao Brasil. Um terço da população, a com menos poder aquisitivo ou a camada popular, é evangélica praticante ou fundamentalista. Diante da dificuldade de terem uma vida terrena melhor, social e economicamente, aderem em massa ao culto da transposição de suas esperanças para o além depois da morte, com as prometidas riquezas e delícias espirituais do céu, não bem explicadas, junto de Deus.

Carl McIntire, lider dos evangélicos  fundamentalistas

norteamericanosO evangelismo atual nasceu do fundamentalismo, ou interpretação literal das Escrituras, defendido pelo pastor presbiteriano Carl McIntire (morreu em 2002 com 95 anos e esteve em São Paulo nos anos 1960, onde pronunciou conferências no Teatro Municipal. Um de seus seguidores no Brasil foi o pastor Boanerges Ribeiro, que durante 12 anos dirigiu o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana), e teve como seu mais conhecido defensor o pregador Billy Graham, que enchia estádios nos Estados Unidos e mesmo em outros países proclamando a necessidade de um reavivamento cristão, que era também moral e conservador. Quem se surpreendeu com a cerimônia evangélica transmitida pela televisão, tão logo confirmada a vitória do candidato Bolsonaro à presidência, deve saber que a posse de Bill Clinton também se assemelhou a um culto evangélico com oração por um pastor, canto de hino evangélico e presença de Billy Graham. Os democratas perderam o pouco da simpatia que lhes restava dos evangélicos americanos, transferida para o atual presidente Donald Trump. A maioria dos evangélicos já estava com os republicanos dos presidentes pai e filho Bush (o sonho dos Bolsonaros seria de repetir isso no Brasil). Em 2001, logo depois do atentado islamita contra as Torres Gêmeas, os evangélicos deram total apoio à guerra de Bush contra o Iraque, chamada de a guerra contra o terror da nova Babilônia. Na verdade, se fosse uma guerra de reação contra os atentados praticados pelos islamitas, o alvo seria o Afeganistão, onde vivia Bin Laden, e não o Iraque, cujo dirigente era ateu e contra os islamitas. Porém, para os EUA, a guerra não era uma vingança, mas visava outra coisa: o petróleo iraquiano. Hoje, a Venezuela não é chamada de Babilônia e nem atacou ninguém, mas o pretexto é acabar com o marxismo ou comunismo, embora a ameaça de bolivarização da América Latina não exista. Porém, esse pretexto é suficiente para mobilizar os evangélicos e obter seu apoio com orações, pregações e talvez até soldados combatendo em nome de Deus. Mas a razão principal do interesse dos Estados Unidos pela democracia na Venezuela é bem outra. É a mesma que provocou a guerra no Iraque e gerou o caos reinante até hoje no Oriente Médio: tomar posse do petróleo. A participação do Brasil – que está entregando docilmente seu petróleo sem guerra – tornará a invasão uma questão latinoamericana e evitará um confronto direto dos EUA com a Rússia, disposta a defender Maduro. ___ Notas: 1. Sobre o Dia mais Longo: Josué 10: 12 a 14 12 Então Josué falou ao Senhor, no dia em que o Senhor entregou os amorreus na mão dos filhos de Israel, e disse na presença de Israel: Sol, detém-se sobre Gibeão, e tu, lua, sobre o vale de Aijalom.\ 13 E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no livro de Jasar? O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro. 14 E não houve dia semelhante a esse, nem antes nem depois dele, atendendo o Senhor assim a voz de um homem; pois o Senhor pelejava por Israel. 2. Sobre Onã e masturbação: Gênesis 38: 8 a 10 Então disse Judá a Onã: Toma a mulher do teu irmão, e casa-te com ela, e suscita descendência a teu irmão. Onã, porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão. E o que fazia era mau aos olhos do SENHOR, pelo que também o matou. *** Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. É criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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