Um encontro casual revela a tensão política do momento, transformando uma conversa amistosa em um embate de visões opostas sobre o futuro do país.
Por Abraham B. Sicsú – de Brasília
O show terminou. Uma enorme fila no estacionamento. Manobristas competentes fazem malabarismos, quase inacreditáveis, para tirar os carros. Paciência é virtude difícil de vivenciar, mas é preciso.
Um senhor simpático, de Minas. Falante, cumprimenta a todos e fala muito. Tinha ido à São Paulo para ver o jogo de futebol norte-americano. Seria no estádio do Corinthians. Mas, não só, como veremos.
Um elevador lateral. Dele saem três senhores enfatiotados. Mesmo a àquela hora da noite, com nós das gravatas bem posicionados. Seu carro já está do lado de fora. Parecem conhecer o mineiro e a ele se dirigem:
– Até sábado, na paulista!
Não entendo e pergunto:
– O que vai acontecer?
Perplexo respondeu:
– Não sabe? É o grande evento. A marcha pelo Estado Democrático de Direito. Temos que dar um susto no Xandão. Até nos proibir de usar Twitter fez. Esqueceu que o nome mudou para X .
Com cara de leso tento argumentar:
– Pelo que li ele só queria que se pagassem as multas e que a empresa, como todas as que operam no país, tivesse um representante legal aqui. Tem que ter alguém responsável para responder pelos atos que se cometam, não é?
Sem responder, argumenta:
– Está muito ruim. Tudo, muito ruim. O Brasil está uma bagunça. Nada dando certo.
Com calma, falo:
– Li hoje que o PIB vem crescendo consistentemente acima das previsões, que o desemprego diminuiu acentuadamente, que a oferta de moradias aumentou muito no último ano.
Começando a se exasperar, responde:
– Vejo que o senhor não é um dos nossos? Não vê com os mesmos olhos. As migalhas que se pagam no trabalho não compensam.
Já provocando, continuo:
– Também vi que o salário mínimo voltou a ter reajuste real depois de anos, que isso tem impacto nos vencimentos dos aposentados, que a tabela de imposto de renda foi reajustada isentando quem ganha até dois salários mínimos e vai ser o mesmo para os que ganham até cinco salários, que o Bolsa Família teve aumento com recursos para crianças e adolescentes.
Com uma cara brava responde:
– Isso são medidas que pouco afetam nossa economia.
Impassível, respondo:
– Não, aumenta em muito o consumo das famílias. O crédito também aumentou, com juros subsidiados, permitindo que as empresas produzam mais. Mesmo, com as estratosféricas taxas de juros que praticamos.
Fechando a cara, diz:
– Isso só aumenta a inflação. Você vai ver como os preços vão ficar. Espere um pouco.
Não resisto e coloco:
– Lembre que no início de 2022 a inflação estava em mais de 12% e agora caiu para quatro e pouquinho. Ser apóstolo do caos não é uma boa postura. As previsões que se fazem não têm dado certo.
Não havendo cadeiras na fila, um perigo hoje em dia, e chegando seu carro, se despede.
– Discordamos, mas vá a paulista. Vai ser a maior manifestação de todos os tempos.
Defesa do Estado Democrático
Evidentemente, não fui e o apinhamento de gente não foi lá essas coisas, a tal defesa do estado democrático de direito parece não ter dado os resultados esperados.
Vou aprender a não provocar. De um ser simpático e gentil, se tornou numa fera agressiva e nervosa. Ainda bem que respeitou meus mais de setenta anos.
Abraham B. Sicsú, é professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco).
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