Rio de Janeiro, 05 de Dezembro de 2025

O capitalismo Real: crítica à era da fome, desigualdade e destruição

Leandro do Erre analisa como o capitalismo falhou em garantir alimento e justiça social. É hora de reabrir o debate anticapitalista e buscar alternativas.

Segunda, 24 de Novembro de 2025 às 11:02, por: CdB

Setores da esquerda que se contentam em apenas gerir o capital, tentando amenizar suas consequências, perderam a perspectiva de transformação histórica. É preciso superar essa apatia.

Por Leandro do Erre – de Brasília

A promessa de um capitalismo meritocrático, que recompensaria o trabalho e distribuiria os frutos da revolução técnico-científica, transformou-se em uma grande falácia. Entre a utopia vendida e a realidade vivida, existe um abismo profundo. Hoje, é fundamental que a esquerda retome sua capacidade de crítica ao sistema, superando a tentação de apenas gerenciar suas mazelas, para expor as contradições de um modelo que se prova insustentável.

O capitalismo Real: crítica à era da fome, desigualdade e destruição | Capitalismo Real: fome, desigualdade e destruição ecológica
Capitalismo Real: fome, desigualdade e destruição ecológica

Após a derrocada do bloco socialista, o capitalismo não tinha mais de contrapontos, não precisava fazer concessões. Sem barreiras, pôde intensificar sua lógica intrínseca de exploração, exclusão e degradação. O resultado é um sistema que, do ponto de vista social, ecológico e econômico, não se justifica. É preciso, portanto, reabrir o debate anticapitalista e mostrar que um outro mundo não é apenas possível, mas urgentemente necessário.

A fome como sintoma de um sistema falido

O primeiro e mais básico indicador do fracasso de um sistema é sua incapacidade de garantir o essencial: a alimentação. Em um planeta que produz comida suficiente para todos, a fome deveria ser uma relíquia do passado. Contudo, os dados mostram uma realidade brutal.

Segundo relatórios das Nações Unidas, em 2021, no auge da crise pandêmica, 828 milhões de pessoas enfrentaram a fome [1]. Embora tenha havido uma leve redução, os números mais recentes de 2024 ainda apontam para cerca de 673 milhões de pessoas em situação de subalimentação crônica [2]. Isso significa que, aproximadamente, uma em cada doze pessoas no mundo não sabe de onde virá sua próxima refeição. Se ampliarmos o escopo para a insegurança alimentar moderada ou grave, o número salta para 2,3 bilhões de pessoas [1].

Como podemos defender um sistema que, apesar de gerar uma riqueza monumental, falha em resolver o problema mais fundamental da existência humana? A resposta reside na própria lógica capitalista: o alimento não é tratado como um direito, mas como uma mercadoria. O acesso a ele é mediado pelo poder de compra, não pela necessidade humana. Essa é a ponta do iceberg de uma disfunção muito mais profunda.

A máquina de desigualdade e a nova aristocracia

Se a fome é uma face da moeda, a outra é a concentração de riqueza em um nível que desafia a imaginação. O capitalismo contemporâneo funciona como uma poderosa máquina de produzir e aprofundar a desigualdade. A riqueza é, de fato, produzida socialmente, mas sua apropriação é radicalmente privada.

De acordo com a Oxfam, a fortuna dos bilionários cresceu em US$ 2 trilhões apenas em 2024, enquanto o número de pessoas vivendo na pobreza extrema mal se alterou desde 1990 [3]. A riqueza não está “escoando” para a base; está sendo sistematicamente drenada para o topo.

E de onde vem essa fortuna? Do mérito e do trabalho duro, como prega a ideologia empreendedora? Os dados dizem o contrário. Cerca de 60% da riqueza dos bilionários provém de heranças, monopólios ou conexões com o poder [3]. Não estamos em uma meritocracia, mas testemunhando a ascensão de uma nova aristocracia, onde o berço é mais determinante que o esforço.

Essa desigualdade possui uma geografia clara, que remete a um neocolonialismo. Os países do Norte Global, com apenas 21% da população mundial, detêm 69% da riqueza do planeta e abrigam a maioria dos bilionários. Estima-se que o 1% mais rico desses países extraia US$ 30 milhões por hora das nações de baixa e média renda [3]. A periferia continua a financiar o centro.

O planeta como sacrifício

A lógica do crescimento infinito em um planeta de recursos finitos tem um custo, e quem está pagando a conta é o nosso meio ambiente. A crise climática não é um acidente, mas uma consequência direta de um sistema que prioriza o lucro acima da vida.

A desigualdade se reflete de forma espelhada na crise ambiental. Os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase 50% de todas as emissões de gases de efeito estufa, enquanto os 50% mais pobres, que mais sofrem com os impactos climáticos, emitem uma fração mínima [4]. Em 2024, o mundo perdeu 27 milhões de hectares de florestas, e a busca incessante por lucro continua a impulsionar a exploração predatória dos recursos naturais [5].

Aqui, a lógica se inverte de forma perversa: se na economia a riqueza produzida por muitos é apropriada por poucos, no meio ambiente o dano causado por poucos é socializado entre todos. As empresas que mais poluem, como a Vale, que nos deu a tragédia de Mariana, investem em propaganda para vender uma imagem de “capitalismo verde” — uma utopia cínica para nos fazer aceitar o inaceitável. A lógica do consumo incessante, essencial para a roda do capital girar, está nos levando ao colapso ecológico.

Por uma esquerda anticapitalista

Fome, miséria, desigualdade extrema e degradação ambiental. Este é o retrato do capitalismo real. Após a queda de seu principal contraponto histórico, o sistema intensificou suas características mais predatórias, e as crises financeiras periódicas são apenas febres de um corpo doente.

É inaceitável que o estágio atual da organização social da humanidade seja baseado na exclusão e na exploração do homem e da natureza. Setores da esquerda que se contentam em apenas gerir o capital, tentando amenizar suas consequências, perderam a perspectiva de transformação histórica. É preciso superar essa apatia.

O caminho para a esquerda se reencontrar com seu papel histórico passa, necessariamente, por retomar uma crítica contundente e popular ao capitalismo. A partir do protagonismo dos movimentos sociais e de uma visão coletiva e solidária, podemos e devemos construir uma alternativa. Uma sociedade de bem-estar para a maioria, onde a vida esteja acima do lucro. Esse é o grande foco, e a crítica ao capitalismo é o espaço para nos reorganizarmos em torno desse debate com toda a sociedade.

No canal do Youtube “A questão Política” aprofundo mais esse e outros temas que dizem respeito à política. Convido a todas e todos para acompanharem o canal.

Assista ao vídeo:

Referências

[1] FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. (2022). The State of Food Security and Nutrition in the World 2022. Rome, FAO. https://www.fao.org/documents/card/en/c/cc0639en

[2] FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. (2025). The State of Food Security and Nutrition in the World 2025. Rome, FAO. (Dados baseados nos relatórios mais recentes, como acessado em fontes de notícias da ONU em 2025).

[3] Oxfam International. (2025). Takers Not Makers. https://www.oxfam.org.br/riqueza-dos-bilionarios-aumentou-em-us-2-trilhoes-no-ano-de-2024/

[4] Oxfam International. (2021). Carbon Inequality in 2030. https://www.oxfam.org/en/research/carbon-inequality-2030

[5] Global Forest Watch. (2025). Global Deforestation Rates & Statistics. https://www.globalforestwatch.org/dashboards/global/

 

Leandro do Erre, é mestrando em Sociologia e Ciência Política na PUCRS e responsável pelo canal no YouTube “A questão política”. Redes Sociais: X: @leandrodoerre Facebook: Leandro do Erre.

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