(A cordialidade) expressa-se no famoso "minha empregada é como se fosse da família". E todos sabemos que o que é pago a ela, quando não descontam o que come, é uma miséria. É a primeira a levantar e a última a dormir. Deve deixar os filhos e marido de lado, mesmo em tempos de pandemia, para se dedicar, com exclusividade, aos patrões.
Por Gilson Caroni Filho - do Rio de Janeiro
Volta e meia, aparece alguém dizendo que o governo do genocida desmontou o mito do brasileiro cordial. Sugiro que se deem ao trabalho de ler Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. E também indico a leitura de Raymundo Faoro.
A cordialidade é o caráter perverso da sociedade patrimonialista e estamental. É a afabilidade instrumentalizada para oprimir e negar direitos.
Expressa-se no famoso "minha empregada é como se fosse da família". E todos sabemos que o que é pago a ela, quando não descontam o que come, é uma miséria. É a primeira a levantar e a última a dormir. Deve deixar os filhos e marido de lado, mesmo em tempos de pandemia, para se dedicar, com exclusividade, aos patrões. que se julgam donos de privilégios hereditários. É a herança escravocrata que não se esgota.
Simulacro
Vem daí a reação às cotas em universidades. Afinal, julgam o espaço acadêmico como direito adquirido. Não que queiram aprender porra nenhuma, mas apreciam o título.
Com poder aquisitivo cada vez menor, sentem-se compensados com o aumento da miséria e da exclusão.
Ontem, entre aqueles motoqueiros que comemoram o genocídio com o miliciano, havia vários pais, todos capazes de qualquer coisa pelos seus filhos. Afinal, a família, a "sagrada família" é o núcleo estruturante da sociedade canalha em que vivemos. Neste cenário, falar em democracia é ignorar o simulacro em que o público é engolido pelo privado.
O que não faltou na orla do Rio de Janeiro foi cordialidade. No fundo todos são irmãos, brothers, pois são filhos da mesma putaria que veio de Portugal e continua forjando a identidade da sociedade mais brutal da América Latina.