Rio de Janeiro, 22 de Novembro de 2024

Bolsonaro serve aos interesses das Forças Armadas, afirma José Dirceu

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Quarta, 08 de Julho de 2020 às 10:18, por: CdB

Para Dirceu, abordar o significado de Bolsonaro exige maior capacidade de análise do que em momentos passados, como, por exemplo, o caráter político e eleitoral do ex-presidente Jânio Quadros.

Por Redação - de São Paulo

Ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, participou, na noite desta terça-feira, de uma entrevista a um grupo de jornalistas progressistas. Dirceu falou sobre um eventual impeachment do presidente Jair Bolsonaro, da crise em meio à pandemia de coronavírus, do autoritarismo de governo do clã eleito em 2018 e de uma frente democrática para combater o autoritarismo. O evento foi promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

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O ex-ministro José Dirceu acredita que a classe média se revoltará contra Bolsonaro antes dos que os trabalhadores

Para Dirceu, abordar o significado de Bolsonaro exige maior capacidade de análise do que em momentos passados, como, por exemplo, o caráter político e eleitoral dos ex-presidentes Jânio Quadros, que governou por sete meses em 1961, e Fernando Collor (1990-1992), ambos populistas.

— A base social (de Bolsonaro) é mais complexa do que estávamos acostumados a analisar, porque tem o conteúdo do fundamentalismo religioso. Uma coisa muito séria, e temos que saber conduzir. Não podemos negar os neopentecostais, o direito de fazerem política, porque a Igreja Católica fez política antes de 1964, com a direita, e depois, na teologia da libertação — disse.

Comando Sul

Mais do que esse enorme contingente potencial (porque nem todos os evangélicos o apoiam) de dezena de milhões de pessoas, Bolsonaro tem ainda uma base popular, pontua Dirceu.

— Essa base é por causa da segurança pública, (a questão da) corrupção, o individualismo, o elogio da prosperidade. Ele pregou um pensamento conservador que se enraizou numa parcela importante da sociedade. Não estamos tratando apenas de um partido como o PSDB, o DEM, de um populista como Collor ou Jânio. É mais complexo. Para mim, Bolsonaro é um instrumento das Forças Armadas e expressa a política das Forças Armadas, inclusive em questões como política externa e defesa nacional. O Brasil submeteu sua política externa ao Comando Sul (dos Estados Unidos) e à OTAN — analisa o ex-ministro.

Bolsonaro não quer um partido, destacou o ex-ministro, “quer armar uma parcela da base dele, ter essa base compacta e se apoiar nas Forças Armadas. Queria ao menos obrigar o Congresso e a Câmara a acompanhar suas posições”, acrescentou.

Herança

Para Dirceu, não é uma tarefa simples fazer vingar um processo de impeachment de Bolsonaro, não apenas pelo apoio com que ainda conta na sociedade, mas porque “o que unifica todos eles é o temor de uma alternativa de esquerda ou centro-esquerda, particularmente pela presença do Lula”.

O ex-ministro lembra que, embora Lula esteja hoje sem seus direitos políticos, o candidato petista em 2018, Fernando Haddad, obteve mais de 31 milhões de votos no primeiro turno e pouco mais de 47 milhões no segundo. Para ele, isso “mostrou que, depois de tudo, ainda há uma base, uma herança e uma memória” dos governos de centro-esquerda do PT.

A eleição de 2018 não foi uma eleição normal, não só pela nova realidade em que o neopentecostalismo foi importante, senão decisivo, como também pelo fenômeno das fake news, assim como ocorreu na eleição dos Estados Unidos de 2016, que elegeu Donald Trump.

— Não sofremos qualquer derrota, sofremos uma derrota muito importante. Aliás, nós e a direita liberal, burguesa. E eles (a direita) principalmente, porque o Alckmin fez 4,5% (na realidade, 4,76%), o Haddad fez 29,28% no primeiro e 45% (44,87%) no segundo turno — lembra.

‘Aburrido’

Dirceu afirmou estar “aburrido, como dizem os cubanos”, com o tema frente ampla democrática.

— O ideal é que houvesse uma frente democrática antifascista, independente de uma frente de esquerda, que não há — disse, embora com a ressalva de que os partidos de oposição a Bolsonaro “estão pelo impeachment e têm um trabalho em comum muito importante na Câmara”.

Mas, de um outro ângulo, “infelizmente, não haverá uma frente democrática e nem uma frente ampla. Haverá muitas frentes, como já está claro”.

Diante desse quadro, disse Dirceu, “ou nós vamos até 2022 com Bolsonaro”, ou, o mais provável, a pandemia de coronavírus e a política ultraliberal de Paulo Guedes “lançará nas ruas as classes médias, primeiro, e depois os setores das classes trabalhadoras mais avançados”. 

E acrescenta:

— Quem saiu às ruas agora foram os excluídos, as torcidas organizadas, a juventude antirracista, os entregadores, mas com um nível de consciência democrático.

Nesse contexto inédito, a violenta flexibilização da quarentena provoca medo nos trabalhadores, na opinião do ex-ministro.

— Os trabalhadores estão apavorados com a volta ao trabalho, porque é morte. Como a flexibilização do isolamento horizontal e a volta, organizada ou não, é uma realidade, nós vamos viver uma tragédia — conclui Dirceu.

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