Nessa situação temos uma série de regras que são dadas pela genética, os hormônios e tudo mais. A gente carrega conosco as regras da nossa existência. Mas há também, tão ou mais fortes.
Por Carlos Seabra – de Brasília
Nós vivemos em um tabuleiro de jogo. Nosso planeta está todo dividido em casinhas, que são as latitudes e longitudes, os países e as cidades são divididos em bairros, ruas, empresas, casas ou apartamentos. Isso fica muito visível hoje com o Google Maps, com o GPS, todo mundo se orienta pelo Waze em cima desse tabuleiro que é o planeta.
Mas quais são as regras desse jogo que vivemos?
Viver é descobrir essas regras e é também criá-las. Quando dois jovens vão ao cinema e ele sem querer encosta, ou querendo, o joelho no joelho da moça e ela afasta o joelho, começou um jogo. Ela está dizendo “opa, você ultrapassou essa regra, não está permitindo encostar”. Se ela deixa, o rapaz já tende a pensar “opa, qual é a próxima etapa, qual é o próximo nível do jogo?”. Se forem dois rapazes ou duas moças, as regras do jogo serão outras. E hoje as variáveis dessas interações são cada vez mais diversificadas.
Um preto pobre morador na periferia
Nessa situação temos uma série de regras que são dadas pela genética, os hormônios e tudo mais. A gente carrega conosco as regras da nossa existência. Mas há também, tão ou mais fortes, uma série de regras culturais que dizem que uma moça precisa ter um determinado regramento, que instiga os rapazes a terem um determinado comportamento. E além dessas regras que a genética nos traz e que o comportamento que a cultura nos induz ou nos impõe, existem principalmente as regras que você cria. Esses rapazes e moças estão jogando um jogo que é só deles, eles estão inventando um novo jogo, estão criando as suas próprias regras, pois viver é isso!
O jogo da realidade: é muito interessante olhar nosso mundo e pensar se ele fosse um jogo, quais seriam as regras. Então imagine que vamos criar um jogo onde a gente diz “você é preto, você começa 300 casas atrás; se você é branco, começa 500 casas na frente; você é pobre, vai começar 1,5 mil casas atrás; você é rico, vai começar 10 mil casas na frente; a sua família é abastada ou miserável?”. Enfim, você vai vendo essas regras e percebendo situações e “algoritmos” que o fazem analisar a realidade de uma forma que evidencia a superestrutura da sociedade. É possível um preto pobre morador na periferia ganhar esse jogo, que foi desenhado com regras feitas para quem é branco, rico, abastado, que vem de uma família que já tem todas as condições? Este é um exemplo de análise da sociedade onde vivemos, mas podemos fazer isso com a história, com a ciência, com um bairro, com um sindicato.
O jogo pode e deve reproduzir, com regras muito simplificadas, elementos da realidade que nos levem a refletir sobre ela. Então isso é uma estratégia muito interessante de aprendizagem e há uma preocupação cada vez maior com o uso dos jogos na educação, seja na escola ou fora dela.
O uso de jogos torna o papel do professor mais fácil? Não. Os seus desafios, ao contrário, são cada vez maiores e a este soma-se a questão tecnológica, a violência da sociedade, a pobreza e outras deficiências sociais, pois a chamada sociedade da informação e do conhecimento torna mais complexa e mais essencial do que nunca a aprendizagem, exigindo um novo modelo de ensino.
O lúdico na sala de aula: a escola hoje clama pela adoção de metodologias ativas, com o foco na aprendizagem, onde os alunos assumem um protagonismo cognitivo. Mas o que vem a ser isso de protagonismo cognitivo? É quando os aprendentes assumem a condução, assumem o empreender do seu aprender. As metodologias ativas são aquelas que tiram o aluno do papel passivo de um mero receptor de informação. O jogo adequa-se a isso porque ele leva os participantes a serem ativos no desenvolvimento de estratégias.
Isso permite, na verdade exige, professores que usem as suas competências pedagógicas e que percebam o que se passa na mente dos seus alunos. Quando você joga, solta muito daquilo que vai no seu interior, você pode perceber emoções dos jogadores. Isso pode ser uma coisa muito interessante para os professores avaliarem os processos cognitivos dos estudantes.
Estratégias lúdicas na escola
Usar jogos e estratégias lúdicas na escola não é simples, ao contrário do que possa parecer. É uma coisa difícil no dia a dia. Se for usar um jogo, seja digital ou de tabuleiro, na sala de aula, quantos alunos vão jogar esse jogo ao mesmo tempo? Vai ser a classe inteira, um grupo de 4 alunos vai ficar jogando e os outros vão ficar olhando? Esse jogo tem uma duração que vai matar a aula? Como usar o jogo em sala de aula, se já existem tantos conteúdos cognitivos a serem trabalhados, tantos conteúdos curriculares que o professor nunca dá conta? Se organizar gincanas ou outras competições, as habilidades e competências mobilizadas serão significativas para a aprendizagem ou apenas engajadoras e motivacionais?
Lev Landau, um físico e educador soviético, disse que “quanto menos conhecimentos inúteis colocarmos na cabeça das crianças, mais espaço sobrará para as grandes ideias”. Como trabalhar com mais essa coisa, que é o jogo, além das novas tecnologias, além de tudo que já está no currículo, além de desenvolver todas as habilidades e competências que se pressupõe que é necessário fazer? Esse é um grande desafio, nada trivial de equacionar e que exige, acima de tudo, que o professor tenha imaginação pedagógica.
Carlos Seabra, é diretor da Oficina Digital, criador de jogos de tabuleiro e digitais, autor de livros de literatura infantil e juvenil. Editor de publicações e produtor de conteúdos culturais e educacionais de multimídia e internet, palestrante, consultor e coordenador de projetos culturais e de tecnologia educacional.
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