Conhecido popularmente como "caixa d'água do Brasil", o Cerrado, no Centro-Oeste, é berço de importantes rios do país, abastecendo um total de oito bacias hidrográficas.
Por Redação, com BdF - de São Paulo
A estupidez com que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem lidado com o meio ambiente, entre outras questões vitais à sobrevivência dos seres humanos, no país, somente é comparável à sede de lucro do agronegócio, que avança sobre áreas vitais para a manutenção do delicado ecossistema dos sertões brasileiros.
Conhecido popularmente como "caixa d'água do Brasil", o Cerrado, no Centro-Oeste, é berço de importantes rios do país, abastecendo um total de oito bacias hidrográficas. No entanto, segundo o ambientalista Marcos Rogério Beltrão dos Santos, o bioma está sob severa ameaça.
Em entrevista ao site de notícias Brasil de Fato (BdF), o especialista afirma ser perceptível o desaparecimento da vegetação nativa em algumas regiões, pela atuação do agronegócio. Além dos "desertos verdes", a chegada da soja nos anos 1990 trouxe também o acirramento de conflitos com as comunidades tradicionais.
— Temos um histórico de confronto, de mortes, principalmente de camponeses que são as principais vítimas desse modelo da chamada Revolução Verde. Primeiro roubaram os territórios das comunidades tradicionais. Segundo, tiraram a água. E em terceiro mudaram todo o sistema tradicional de produção — critica Beltrão, que é também documentarista.
Rede hidrológica
A utilização de água em ampla quantidade para o desenvolvimentos dos monocultivos também pode trazer uma escassez hídrica ainda maior para a região, principalmente no oeste da Bahia.
— O pessoal que gosta de creditar isso a questão do clima, à falta de chuva, mas o ponto principal é a destruição. Principalmente a do agronegócio. A sociedade brasileira tem que se fazer uma pergunta: até que ponto vale a pena desmatar e destruir nossos biomas para produzir commodities? — questiona o ambientalista.
Ainda segundo Beltrão, ”tem um professor, Altair Salles, que fala que a questão do Cerrado brasileiro é de segurança nacional. Uma vez que destruído o Cerrado, se compromete toda a rede hidrológica do Brasil”.
— O Cerrado é um dos biomas mais importantes da América Latina. Basicamente todas as bacias recebem água do Cerrado. Hoje sua extensão territorial está reduzida. Tem estudos que demonstram isso. Um tempo atrás o Cerrado era bem maior — acrescentou.
Chapada
De acordo com o especialista, “hoje não tem uma ligação mas era possível encontrar o Cerrado do outro lado da Floresta Amazônica, entre a divisa do Brasil com a Venezuela, regiões da Colômbia”.
— Então, nesse passado recente, o Cerrado estava interligado. Tínhamos aqui o oeste da Bahia completamente coberto pelo Cerrado, assim como na Chapada Diamantina. E entre elas tem a caatinga. E com certeza havia uma ligação entre o Cerrado da Chapada e o oeste da Bahia que hoje já não existe mais — relembra.
Toda região do Cerrado “é muito importante e a principal característica é o solo”, sublinha o ambientalista.
— Solos arenosos, com baixo teor de argila, favorece a interação da água e da chuva, uma região que por estar muito próxima da Floresta Amazônica recebe muita água e uma boa parte dessa água é armazenada — relata.
Aquíferos
Segundo Beltrão, “ara se ter ideia, hoje os três principais aquíferos estão sob o Cerrado. O Aquífero Guarani, o Aquífero Bambuí e o Aquífero Urucuia - esse último considerado o maior aquífero 100% brasileiro”.
— O Guarani é internacional, está em vários países da América do Sul. Já o Urucuia ocupa a região Sudoeste. Ocupa o Estado de Minas Gerais, a região Brasil-Central que faz parte de Goiás, também está no Nordeste porque está nos Estados da Bahia e Maranhão. E também na região Norte, já que o Estado de Tocantins também faz parte desse aquífero — enumera.
Cerca de 80% do Aquífero Urucuia estão no Oeste da Bahia, de acordo com o mapa hidrológico brasileiro. A partir dos anos 70, houve um período muito intenso no Cerrado “porque primeiro vieram os grileiros, houve confronto com as comunidades tradicionais que não se preocupavam em fazer documento”, assinala.
— Uso comum, todo mundo poderia usar então não tinha dono, não tinha necessidade de documento dessas áreas. Ai, os grileiros se aproveitaram dessa foto de documento e começaram a criar documentos em cima dos territórios das comunidades tradicionais. Nos anos 1980 foi efetivado na Região Oeste o projeto de reflorestamento do oeste da Bahia, que consistia na derrubada de toda vegetação nativa do cerrado para o plantio de eucalipto — relembra.
Commodities
Ainda segundo Beltrão, “o país vem passando por escassez de água. Já teve período de ter que fazer rodízio em cidades como Goiânia. Todas as grandes cidades que recebem água do Cerrado em algum momento passa por escassez”.
— Lógico que o pessoal que gosta de creditar isso a questão do clima, à falta de chuva, mas o ponto principal é a destruição. Principalmente o agronegócio. A sociedade brasileira tem que se fazer uma pergunta: até que ponto vale a pena desmatar e destruir nossos biomas para produzir commodities? — questiona.
A questão econômica perspassa os fatores sociais, na origem da devastação em curso, na região.
— Hoje, por exemplo, vivemos uma insegurança. O arroz está tão caro.. Não há uma política de segurança alimentar para a população brasileira e estamos pagando um preço muito alto. E tem a questão dos agrotóxicos, as exportações de soja não são taxadas, tem a lei Kandir, que isenta a taxação de imposto de produtos agrícolas. No fim das contas, estamos pagando caro, não só as nossas gerações, mas as futuras também pagarão um preço muito caro para ter o título de maior exportador de soja, de milho e de algodão — concluiu.