O que os números da pesquisa da Rede Penssan escancaram é que, apesar de todas as políticas públicas implementadas nos governos do Partido dos Trabalhadores, o Brasil volta à estaca zero em relação ao combate à fome. São registrados, novamente, números de 30 anos atrás.
Por Rosa Amorim – de Brasília
É incabível pensar em qualquer projeto para o povo brasileiro que não tenha como objetivo erradicar a fome e a miséria. Essa deve ser a principal luta das organizações populares e dos partidos políticos de esquerda. Os dados da recente pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Segurança e Soberania Alimentar (Penssan) mostram uma realidade brutal: 150 milhões de brasileiros, ou seja, mais da metade da nossa população, vivem em insegurança alimentar. Desses, 33 milhões estão passando fome. O que os números da pesquisa da Rede Penssan escancaram é que, apesar de todas as políticas públicas implementadas nos governos do Partido dos Trabalhadores, o Brasil volta à estaca zero em relação ao combate à fome. São registrados, novamente, números de 30 anos atrás. O novo mapa da fome no Brasil expressa também nossas disparidades regionais e desigualdades racial e de gênero. A fome é maior nas regiões Norte e Nordeste, nas Zonas Rurais, nos lares chefiados por mulheres e também entre a população negra. Enquanto o povo brasileiro passa fome, o agronegócio nunca ganhou tanto dinheiro. Sabe o porquê disso? O lucro do agro está diretamente relacionado ao aumento de preço dos alimentos. O preço das commodities é determinado pelo mercado global e isso implica diretamente na oferta dos produtos no mercado nacional e na inflação de itens básicos de necessidade, como óleo de cozinha, arroz, feijão e todo tipo de carne animal. Essa realidade dolorosa reflete bem o que é o Brasil de Bolsonaro. Um governo que sucateou todas as políticas públicas direcionadas ao combate estrutural e emergencial da insegurança alimentar. Um governo que entregou o controle do Estado nas mãos do mercado financeiro, sem qualquer controle, por exemplo, na taxa de desemprego, no preço da gasolina, do diesel, do gás de cozinha ou dos alimentos. A alta do dólar, o preço dos combustíveis, as políticas de austeridade, a desvalorização do salário mínimo, os cortes no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e no Programa Nacional de Abastecimento Escolar (PNAE), a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), o sucateamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a recessão econômica… tudo isso teve efeito direto no prato do brasileiro.Eleições de 2022
Esses são motivos que fazem com que as eleições de 2022 tenham um caráter decisivo em nossa história. Temos dois projetos muito nítidos em jogo e, sim, ter um governo comprometido com a segurança alimentar e nutricional, com o combate à fome, com as políticas estruturais para a agricultura camponesa e com uma política de controle de preço dos combustíveis faz a diferença para o povo brasileiro. Entretanto, a fome bate à porta e não podemos esperar. Vivemos uma crise estrutural do capitalismo e, particularmente no caso brasileiro, a nossa economia está em frangalhos. Faz-se necessário, então, além de eleger Lula presidente, ter dois horizontes em mente. Em primeiro lugar, lembrar que o combate à fome é uma luta de todos. E não devemos medir esforços para direcionar nossas forças em ações emergenciais que possam servir de alento aos 33 milhões de brasileiros que passam por necessidades nesse momento. Dentro do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST), desde o início da pandemia e do agravamento da crise que já vinha assustando os brasileiros, colocamos como tarefa central o combate à fome. Aqui em Pernambuco, por meio da Campanha Mãos Solidárias, em parceria com outras organizações, fizemos a doação de mais de 900 mil toneladas de alimentos e estamos chegando ao marco de um milhão de marmitas distribuídas nas nossas nove Cozinhas Populares Solidárias montadas, atendendo mais de 40 territórios do Grande Recife. Um exemplo de grande mobilização emergencial.Cenário de miséria
O segundo ponto é que devemos ter também um horizonte estratégico no combate ao cenário de miséria. Sabemos da importância das ações de solidariedade e das políticas públicas emergenciais, mas almejamos medidas estruturais que remediem definitivamente esses problemas de nossa história. Cuidamos do povo por amor, mas é dever do Estado garantir comida na mesa de cada brasileiro e brasileira. E, nesse ponto, entendemos a necessidade de candidaturas que nos representem. De representantes do povo ocupando a política. Enquanto soluções concretas, o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) vem defendendo o Programa Emergencial de Reforma Agrária Popular que consiste em quatro eixos bem diretos: Terra e Trabalho: é necessário retomarmos a compra ou desapropriação de terras para fins de reforma agrária, tanto a nível estadual quanto a nível federal. A reforma agrária tem efeito imediato tanto no aumento da produção de alimentos, quanto no emprego e geração de renda para o país. Produção de Alimentos Saudáveis: Hoje, a produção de alimentos saudáveis é uma linha estratégica do MST para acabar com a fome do povo brasileiro. Esses alimentos produzidos pela agricultura camponesa se diferenciam da produção do agronegócio justamente por ser comida de verdade, produção local, agroecológica. Entretanto é necessário suporte para a agricultura camponesa nesse sentido. O PNAE e o PAA devem ser ampliados e desburocratizados para que mais camponeses possam acessar e que o pagamento seja a preço justo e de forma ágil. É necessário termos um programa de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) mais amplo e voltado para a transição agroecológica. Proteger a natureza, a água e a biodiversidade: Atuamos fortemente na defesa do meio ambiente, criando uma série de campanhas e intervenções no campo e na cidade. Também defendemos que os programas de ATER necessitam voltar-se à preservação das reservas, o plantio de árvores e a agrofloresta. Condições de vida digna no campo: a reforma agrária e toda economia camponesa não viabilizam-se apenas com a terra e a produção. É necessário lutar para construir uma infraestrutura e um programa de qualidade de vida para os territórios do campo. Isso inclui: melhores condições nas estradas, luz, água, crédito agrícola, extensão rural, escola do campo de qualidade, posto de saúde, políticas de habitação rural, políticas de cultura, esporte e lazer, políticas para a juventude, para as mulheres camponesas, para a população LGBTQIA+ do campo, entre outras. A reconstrução econômica de nosso país não virá unicamente com projetos emergenciais, precisamos também ter um horizonte estratégico para a construção de projetos estruturais. Somente assim conseguiremos erradicar definitivamente a fome e a miséria no Brasil.Rosa Amorim, é militante, nascida e criada nas fileiras do MST em Pernambuco, dirigente do Levante Popular da Juventude e Diretora de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE).
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