O leitor certamente se lembra da demissão do diplomata brasileiro José Mauricio Bustani do cargo de diretor-geral da OPAQ (Organização para a Proibição das Armas Químicas), por iniciativa do governo dos Estados Unidos em 2002. Foi um escândalo internacional. Porém, poucos tomaram conhecimento dos desdobramentos do lamentável episódio.
Depois do seu afastamento do cargo, o embaixador Bustani levou o caso à OIT (Organização Internacional do Trabalho). Em julho de 2003, o Tribunal Administrativo da OIT considerou que as alegações contra ele eram "extremamente vagas" e concluiu que a sua demissão foi ilegal.
O Tribunal afirmou, em sua decisão, que a independência dos servidores públicos internacionais é essencial ao adequado funcionamento dos organismos internacionais e que o mandato dos diretores desses organismos não pode ser interrompido de forma arbitrária. Determinou que a OPAQ indenizasse o embaixador Bustani por danos morais e materiais. O pagamento por danos morais foi fixado em 50.000 euros, além de 5.000 euros em custos. O pagamento estipulado por danos materiais correspondeu basicamente aos salários que Bustani teria recebido até o fim do seu mandato como diretor-geral em maio de 2005 (a íntegra da decisão do Tribunal, Julgamento nº 2232, de 16 de julho de 2003, pode ser encontrada na página da OIT, www.ilo.org).
O secretariado da OPAQ, contudo, ignorou a decisão. Bustani dirigiu-se novamente ao Tribunal, pedindo a execução da sentença. No último dia 14 de julho, o Tribunal da OIT ordenou o imediato cumprimento da sua decisão, com juros sobre os montantes devidos a título de indenização. Confirmou, também, a obrigatoriedade do cumprimento de sentenças internacionais por parte de organismos como a OPAQ, que reconhecem a jurisdição do Tribunal.
O embaixador Bustani, que não estava buscando nem a sua reintegração ao cargo nem compensações financeiras, confirmou a sua declaração, anexada ao processo que submeteu ao Tribunal da OIT, de que doaria integralmente a indenização por danos morais ao programa de cooperação da OPAQ para países em desenvolvimento. Abriu mão, também, do direito à indenização material e até mesmo à compensação pelos custos legais, que assumirá pessoalmente (Ministério das Relações Exteriores, "Decisão do Tribunal Administrativo da OIT sobre a legalidade da interrupção do mandato do embaixador José Mauricio Bustani na OPAQ", Nota à Imprensa no. 325, 2 de agosto de 2004, www.mre.gov.br).
Em retrospecto, ficou evidente que o afastamento de Bustani da OPAQ estava relacionado aos preparativos dos EUA para a invasão do Iraque. Um dos principais motivos alegados para a invasão era o de que o governo desse país possuía armas químicas e outras armas de destruição em massa. Como se sabe, a existência desses armamentos nunca foi comprovada pelo governo Bush. Na época, Bustani estava procurando obter a adesão do Iraque à OPAQ e, conseqüentemente, a aceitação pelo governo iraquiano do regime de inspeções. Com isso, ficariam enfraquecidos os argumentos dos EUA para iniciar a guerra que, hoje sabemos, estava decidida há muito tempo.
O embaixador Bustani escreveu um relato da crise na OPAQ e das circunstâncias que levaram à sua demissão, após uma intensa campanha liderada por Washington. Esse relato foi publicado na revista do Instituto de Estudos Avançados da USP e está disponível na internet (José Mauricio Bustani, "O Brasil e a OPAQ: Diplomacia e Defesa do Sistema Multilateral sob Ataque", Estudos Avançados, vol. 16, no. 46, setembro/dezembro de 2002, www.usp.br/iea/revista).
Há um aspecto desse episódio que merece ser recordado: o comportamento - vamos dizê-lo com todas as letras - vergonhoso do governo Fernando Henrique Cardoso, em especial da vaporosa figura do então ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer. Oficialmente, o governo brasile