Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 2024

Vice de Lula em eleição perdida, Bisol relembra acordo entre PT e Rede Globo

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Segunda, 08 de Maio de 2017 às 11:39, por: CdB

Após a derrota, Lula confidenciou que seria candidato novamente e procuraria um acordo com as Organizações Globo, “para pelo menos não ir contra ele”

 

Por Redação, com RBA - de Porto Alegre

 

Para o ex-senador José Paulo Bisol, companheiro de chapa de Lula na disputa presidencial de 1989, só uma forte reação popular poderia barrar a violência brutal dos golpes. "O diabo é que ela não acontece”, disse, em entrevista à jornalista Cida de Oliveira, da revista Rede Brasil Atual (RBA). Após a derrota, Lula confidenciou que seria candidato novamente e procuraria um acordo com as Organizações Globo, “para pelo menos não ir contra ele”, lembra Bisol. De fato, ao longo de oito anos Lula abasteceu os cofres da emissora com milhões de reais em publicidade. Mas a perseguição continua, até os dias atuais.

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O ex-senador Bisol lembra do tempo em que Lula tentava um acordo com a Rede Globo

O avanço acelerado de reformas prejudiciais aos trabalhadores, como da Previdência e trabalhista e a terceirização, pelo governo de Michel Temer, além do congelamento de gastos sociais por 20 anos, entre outras medidas, em tão pouco tempo, são de uma "violência brutal". Nem assim há no horizonte sinais de uma reação popular mais forte e ampla na sociedade brasileira, capaz de reverter perdas e barrar ameaças.

— Eu até gostaria de uma convulsão social, porque aí nós teríamos de fazer uma constituinte, não é? Já estamos com tudo para essa convulsão. O diabo é que ela não acontece — disse José Paulo Bisol, que considera convulsão o estremecimento dessa monstruosa estrutura.

Lista de corruptos

Longe da política desde o fim de sua gestão na Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Rio Grande do Sul, em 2002, Bisol ainda é lembrado como o secretário processado pela polícia gaúcha por denunciar corrupção dentro da corporação. E por ter sido desqualificado pela imprensa, empresários e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por encontrar, por meios discutíveis, listas com nomes de executivos corruptos de empreiteiras, como a Odebrecht, que saiu ilesa, há quase 25 anos.

Por causa de suas revelações, esteve ameaçado de cassação pelo ex-presidente e senador José Sarney, que o acusou de ferir o decoro parlamentar. Ter sido companheiro na chapa de Lula na disputa presidencial de 1989 é um fato que foi caindo no esquecimento de muita gente.

Integrante da CPI criada para investigar as atividades do empresário Paulo César Farias, Bisol comandou operação que obteve as mais importantes provas de formação de quadrilha contra o ex-tesoureiro de Fernando Collor, que influíram na decisão de abertura de processo de impeachment do então presidente.

Reforma agrária

Progressista, nacionalista e humanista, foi professor de Direito, juiz, desembargador, cronista esportivo, deputado estadual e senador, tendo atuado na Assembleia Nacional Constituinte (1987-88).

Apoiou teses como o rompimento de relações diplomáticas com países de orientação racista, jornada semanal de 40 horas, conceito de soberania popular, voto facultativo aos 16 anos, nacionalização do subsolo, estatização do sistema financeiro e criação do fundo de apoio à reforma agrária, entre outras.

Entre 1999 e 2002 foi secretário de Justiça e Segurança Pública no governo de Olívio Dutra (PT), no Rio Grande do Sul. Uma gestão marcada pela perseguição da mídia e de corporações militares, mas lembrada por episódios que expressam fielmente seu caráter. sobretudo pelo episódio em que abraçou o sequestrador de uma van que pediu a presença de um representante do governo para mediar a negociação com a Brigada.

Lava Jato e Globo

A aparência não entrega os 89 anos – serão 90 em 22 de outubro. Tampouco as três sessões semanais de hemodiálise ou o incômodo na coluna, que o impede de caminhar como gostaria.

— Gosto da vida. E vou morrer gostando da vida — afirma.

No último dia 18 de abril, em entrevista que concedeu em sua casa em Osório, a 102 quilômetros ao norte de Porto Alegre, Bisol mostrou que tem muito a dizer sobre o golpe, os ataques aos direitos, Lava Jato, Lula, PT, esquerda, meio ambiente, violência e sobre a vida.

Leia, adiante, os principais trechos da entrevista:
— O senhor acredita que estamos perto de uma convulsão social?

— Eu até gostaria de uma convulsão social, porque aí nós teríamos de fazer uma constituinte. O diabo é que ela não acontece. Já estamos com tudo para uma convulsão. E a convulsão não acontece. Desculpe a ironia, mas vai faltar convulsão. O que é a convulsão? É o estremecimento dessa monstruosa estrutura. E a possibilidade de destruição dela. E necessariamente de uma outra coisa em seu lugar. É terrível dizer isso, mas eu estou dizendo, paciência...

— Qual a sua avaliação sobre as relações entre empresas e políticos?

— Estamos diante de um fato em movimento, indefinido. Esse processo, vertiginoso, de negociação entre empresas e políticos, já acontece no Brasil há 20, 30 anos. Fui pro Senado sabendo que as licitações eram incorretas. Todos sabemos que há ali o problema da corrupção. Fui um dos poucos que mexeu com isso porque sou um romântico e não um político objetivo, preocupado com a próxima eleição. Um promotor chegou a abrir investigações em cima dessas empresas, a Odebrecht principalmente.

— Era como hoje?

— Eu saía do Senado para acompanhar as apreensões de documentos. As empresas eram muito mais ágeis. Mas eu peguei uma lista de deputados e senadores, com valores pagos do lado, que foi usada na CPI. Coloquei essa questão, apesar dessa agilidade das empresas para se desfazer das provas, e enfrentava ameaças desse pessoal da lista, que paravam na frente do meu gabinete, como se estivessem conversando, e olhavam pra mim, batendo a mão no coldre. Uma coisa infantil, ridícula. Chegou ao ponto de Jarbas Passarinho, então presidente do Senado, providenciar segurança, o que acho ridículo. Para mim, de origem humilde, Senado era coisa séria.

Uma boa democracia tem de ter um congresso menor, com menos gente, mais representatividade. Já a Justiça tem um Supremo Tribunal com 11 ministros, que jamais conseguirão julgar 5 mil, 10 mil processos por ano. É preciso convocar mais juízes, não só para ajudar o juiz, mas para cada um ser juiz das ações. Precisamos de instituições adequadas ao volume de trabalho.

— Como o senhor avalia o perfil dos ministros do Supremo?

— São horrorosos, horrorosos. O Gilmar Mendes é um falador tremendo. Não é um juiz, para início de história. Ele é um político. Ele não pode julgar. Ele já disse para nós qual vai ser o julgamento dele em relação a tais e tais crimes. Um juiz não pode falar desse jeito.

No meu tempo (de desembargador), se um juiz falasse assim sobre uma ação que ele vai julgar, ele seria imediatamente substituído.

Outro é aquele Toffoli. Meu Deus do céu! O Toffoli pegou o processo do Renan (Calheiros), pediu vistas e segurou até que fechasse o período do Renan na presidência do (Senado). Ai ele devolveu o processo. Isso significa trapaça. A mídia nem registrou, mas é uma corrupção, evidente. Ele não pode mais julgar e tem de ser julgado por corrupção.

Li num livro que o Gilmar resolveu um problema financeiro dele, mas não sei se é verdade.Tem bons juízes lá, mas segurança eles não dão, infelizmente.

— E a lista do Fachin?

— É importante, mas não tem a decisão definitiva do ponto de vista jurídico, só politicamente falando. Mas nós sabemos toda a verdade já. É irreversível o fato comprovado da relação entre empresas e políticos. Os juízes vão fazer condenações ou absolvições pessoais, ver cada caso, até onde vai a culpa, se ela existe. Alguns realmente são inocentes. Quem sabe? Mas vai demorar porque o Judiciário é sempre assim. Fui juiz por 30 anos. Levantava de madrugada para acabar com meus processos. E não acabava nunca, que coisa terrível.

— Por que há agora no Judiciário essa necessidade de virar personalidade?

— Sempre teve, né? O Judiciário sempre foi reacionário. Tem muito holofote, né? Principalmente o Gilmar. O Moro também. Ele e Gilmar são da maçonaria. Tem até alguns documentos que comprovam isso.

Quando fui juiz, fiz campanha contra juiz ser maçom. Um juiz pertencer a uma sociedade secreta é um absurdo. Fui arrasado. Esta foi outra luta em que fiquei escanteado, como fui dentro do Tribunal, onde a maioria era e continua sendo maçom.

— O que o senhor pensa do Moro?

— O sujeito tem uma capacidade de trabalho extraordinária, o problema são os excessos, a violência que não cabe em um juiz. As conduções coercitivas são uma violência. E essa violência produziu esse turbilhão de delatores. Como eles estavam sob violência e pressão, se transformaram rapidamente em delatores.

Muitas vezes as delações são transformadas em verdades absolutas, mas a delação tem de ter prova complementar. O sujeito que é delator aqui e se transforma em testemunha lá. E as coisas vão aumentando. Dificilmente será possível escapar desse processo probatório. Alguns só vão ficar nessa acusação de caixa dois, que é uma coisa mais leve.

Mas pelo que vejo dos executivos das empresas falando, quase nenhum é caixa 2. Todos têm partida e contrapartida. E a rigor, mesmo que o sujeito receba um dinheiro sem contrapartida objetivada, ele fica moralmente constrangido a operar em favor de quem fez a doação. 

— E esse governo apressando reformas. Se o golpe foi bem dado, para durar, por que a pressa?

— Nunca houve um golpe tão rico, inteligente, bem feito como esse. E, de repente, eles afastaram a esquerda e estão fazendo reformas dos capítulos mais importantes da Constituição. Não tem nem graça as votações ali. Pura aparência. Vão fazer o que querem fazer. Vão fazer uma nova Constituição no que concerne a valores, esmagando o pobre e obedecendo as grandes empresas.

— Fazer todas as maldades de uma vez?

— É uma violência brutal. Não me lembro de fato parecido. Antigamente o imperador, o rei, fazia mudanças bruscas, tirava a propriedade e tudo o que rendia da propriedade. Agora é uma coisa bem mais sofisticada, com aparência de legitimidade. Como é que eles, deslegitimados , ainda são constituintes, ou reformistas constitucionais?  Como não temos força para dizer “chega”?  Quando Jango queria fazer suas reformas, que todos sabiam que eram necessárias, as Forças Armadas o tiraram. Por que agora não tiram os caras, que são mais corruptos, e não fecham o Congresso para fazer eleições gerais? Não tomar o poder; apenas dizer “chega”. E vamos fazer eleições gerais, uma constituinte exclusiva, corajosa.

— O que o senhor pensa sobre Lula?

Eu admiro Lula, acho genial. Ele perdeu eleições, inclusive comigo. Logo depois, me disse: “Olha, perdi eleições todas até agora. Não vou perder mais”. Percebi que ele estava disposto a uma transformação radical, mas não tinha ideia de como seria. Se, por exemplo, teria de conquistar a Globo para pelo menos não ir contra ele.

Creio que com a inteligência política extraordinária que tem, ajeitou uma relação mais ou menos viável com a Globo. Nesse processo de arrecadar dinheiro para não perder a eleição, a gente fica amortecido, não é? Não pode fazer isso, não pode fazer aquilo. Nunca mexeu na regulamentação da mídia. Na questão do pré-sal, ficou com o Sérgio Cabral (ex-governador do Rio de Janeiro), numa posição hipercapitalista. Isso, quando o próprio PMDB, com Ibsen Pinheiro (RS), tinha uma proposta mais socialista de partilha dos frutos do petróleo entre os Estados. Fiquei impressionado com aquilo.

E ele tinha o compromisso de levar a mim e o Olívio (Dutra) para o governo assim que ganhou a eleição em 2002. Não que me interessava. Interessava ao Olívio, que ele levou para o Ministério das Cidades e tirou logo em seguida. Tenho de reconhecer que ele está muito comprometido.

Enquanto eu ainda estava no Senado, passei uns dois anos sendo acompanhado por um funcionário de José Dirceu sempre que ia fazer palestra. Anotava tudo. O Olívio e eu éramos amigos do Lula, mas ele não podia nos levar porque nós não iríamos compartilhar. O Zé Dirceu era um organizador interessante. Um político para ser mesmo Casa Civil. Superinteligente, hábil. Mas ele nos dividia. Ele que escolhia o pessoal, quem iria com o Lula e quem não iria. Ele é que queimava o Olívio e a mim também.

Acontece. É da política.

— Lula será candidato novamente?

Bom, acredito na força mágica do Lula. Acredito que ele tem força ainda. Mas não vai ser tão fácil. O Lula tem o discurso mais penetrante, mais convincente, mais consistente que já vi em política no Brasil. O discurso dele entra docemente e profundamente nas pessoas que o escutam. Esse é o segredo da liderança dele: é a linguagem.

— Stédile acredita que se Lula for eleito, não tem mais como governar fazendo concessões como fez anteriormente. O que o senhor pensa?

Depende dos caminhos que forem tomados. O PT não existe mais. Eu me lembro do PT quando entrei para o partido, quando a gente fazia comício para as famílias. Nenhum partido no Brasil fazia isso. As famílias, marido, mulher, filho, nenê no colo. Era uma beleza. Era uma coisa superior, qualificada, momento de alegria.

A gente cantava no comício. Eu me lembro que saía daqui do Rio Grande do Sul, onde era muito conhecido, e fui encarregado de fazer uma viagem pelas pequenas cidades do Amazonas num aviãozinho que com um cabo de vassoura a gente tocava o motor.

— O que teria acontecido caso tivessem vencido aquela eleição de 1989?

— (Risos) Uma vez disse para o Lula: foi bom nós não ganharmos porque o exército nos tiraria em pouco tempo. Nosso programa programa, né? Teríamos de fazer em quatro anos transformações assim, ao contrário, mas ao estilo do que eles estão fazendo.

Reformas no setor do trabalho, principalmente rural e tal, distribuição de terras. Teria de começar a fazer isso a sério. Como o Jango faria. Ao modo dele, ele estava fazendo. Distribuindo melhor as terras. Depois programas básicos, educacionais. A educação no Brasil tem de ser repensada.

Professor tem de ser valorizado. Temos de ter escolas melhores, mais abrangentes. Aquela ideia do Brizola era correta, dos Cieps.

Algo naquele estilo a gente tinha de fazer.

— Brizola faz falta?

— O Brizola morreu e desapareceu o PDT, se transformou numa mixórdia. Ficou um partido a menos. Porque com todos os transtornos e tal, e as brigas, o Brizola sempre acabava se juntando ao Lula. A mim ele quis matar, mas não tenho nenhum ressentimento. Gosto dele. Lembro dele com saudade.

— Por que Brizola queria matá-lo?

Ele ficou ressentido porque eu tinha combinado que ia me aposentar como juiz. Para dizer a verdade, eu seria juiz até o fim se não fosse aquele governo militar pressionando a gente. Aquilo me desencantou e me aposentei logo que pude. E tinha combinado com ele que entraria para o partido dele.

E fiquei esperando Brizola, esperando Brizola. E estava chegando ao limite, eu queria ser candidato (a deputado estadual, em 1982). E o Brizola não aparecia. E o Pedro Simon me visitando e me convidando. E quando vi que Brizola não vinha, entrei em um partido que é o maior horror do Brasil, que se chama PMDB. Não parecia ser. Mas sempre foi. E quando pode, não elege presidente e acaba na presidência. Um horror. Lamento muito. Tenho muitos amigos no PMDB, como o Simon.

— E o senador Roberto Requião, que parece ser um político nacionalista?

— É sim. Acho que sim. O Requião tem os seus valores.

— E o Ciro Gomes?

— É ambíguo, muito ambíguo. Pode até ser que tenhamos de optar por ele.

— E sobre Dilma?

Olha, eu punha a mão no fogo pela Dilma e vejo muita ambiguidade nas coisas que dizem contra ela. Ela esteve sempre preocupada com o problema da corrupção na Petrobras. E foi massacrada por esses fatos. Coitada da Dilma. É uma grande vítima, hein. Continuo pondo a mão no fogo por ela. Embora não tenha intimidade com ela, sempre admirei.

— Faltou apoio a ela quando foi destituída?

— Dilma não teve defensor porque é o que eu digo: na hora da defesa, na hora de escrever, de sustentar pontos de vista, nós calamos. Imagino o sofrimento dela. Ela foi empurrada pelos fatos. Por que ela colocou a (Graça) Foster lá? E ela também lutou.

Elas lutavam contra os acontecimentos. E estavam no meio da tormenta. Não tinham como sair. Tenho uma profunda compaixão e solidariedade em relação a Dilma, uma das maiores vítimas.

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