No início deste mês, o Senado aprovou um projeto de lei (Nº 189, de 2003) que define os objetivos do país nas negociações comerciais multilaterais, regionais ou bilaterais. O projeto original, de autoria do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), começou a tramitar em maio de 2003, passou por quatro comissões e sofreu diversas emendas, várias delas sugeridas pelo Itamaraty. Segue agora para a Câmara dos Deputados.
A iniciativa é inédita no Brasil. Pela primeira vez, o Congresso brasileiro procura assumir um papel mais ativo em matéria de negociações comerciais, a exemplo do que faz o Poder Legislativo nos países desenvolvidos. Um dos principais objetivos é reforçar a posição do governo brasileiro nas negociações da OMC, da Alca e com a União Européia.
Até recentemente, prevalecia o entendimento de que uma iniciativa desse tipo seria inconstitucional, pois representaria uma invasão pelo Congresso de atribuições do Executivo. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado avaliou a questão e concluiu que o projeto atende aos requisitos de constitucionalidade.
Como assinalou o relator do projeto nessa comissão, o senador Pedro Simon (PMDB-RS), a Constituição estabelece que cabe ao Congresso dispor sobre todas as matérias de competência da União ("caput" do artigo 48), entre as quais se inclui o comércio exterior (artigo 22, inciso VIII). Além disso, lembrou o relator, é atribuição exclusiva do Congresso resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (artigo 49, inciso I). Isso é reafirmado pelo artigo 84, inciso VIII, que define como competência privativa do presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos, porém, a referendo do Congresso Nacional.
Compreende-se perfeitamente que o Senado brasileiro tenha resolvido aprovar esse projeto. Desde os anos 80, o alcance das negociações comerciais vem sendo ampliado, por pressão sistemática dos países desenvolvidos. Diversos temas de importância estratégica, tais como serviços, propriedade intelectual, investimentos, defesa da concorrência e compras governamentais foram incorporados à agenda multilateral e regional. Assim, os acordos comerciais representam agora uma ameaça muito maior à soberania do país e às prerrogativas do próprio Congresso, que corre o risco de perder o seu poder de legislar sobre uma série de questões cruciais.
Os negociadores comerciais dos países desenvolvidos estão geralmente obrigados a seguir os objetivos e limites estabelecidos em mandatos votados pelos parlamentares. O exemplo mais conhecido é o dos Estados Unidos, que contam com a "Trade Promotion Authority" (conhecida anteriormente como "fast track authority"). A autorização atualmente em vigor, que foi aprovada em agosto de 2002, fixa de maneira detalhada os objetivos a serem perseguidos nas negociações comerciais conduzidas pelo Executivo americano. Além disso, proíbe ou limita drasticamente concessões em certas áreas (agricultura e legislação antidumping, por exemplo). Especifica, também, mecanismos de monitoramento das negociações pelo Congresso.
O projeto aprovado pelo Senado brasileiro é mais modesto e mais sucinto. Inclui, não obstante, diversos aspectos importantes. Estabelece, por exemplo, que as disciplinas relacionadas com os temas ditos sistêmicos e de caráter normativo, quais sejam serviços, investimentos, propriedade intelectual e compras governamentais, devem ser negociadas no âmbito da OMC e da OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual) - e não na Alca ou nas negociações do Mercosul com a União Européia. Define como objetivos da negociação, entre outros, a remoção de barreiras às exportações brasileiras, inclusive as que resultam da utilização abusiva de legislações antidumping, e a redução acelerada dos subsídios à produção e à exportação de produtos agrícolas, até a sua