Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

Terreno baldio

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Sexta, 23 de Julho de 2004 às 09:27, por: CdB

O mais recente escândalo envolvendo o banqueiro Daniel Dantas é outro episódio, e provavelmente não o último, da atribulada privatização das empresas estatais de telefonia. Se não envolvesse personalidades do governo anterior, nem o dinheiro dos trabalhadores aplicado pelos fundos de pensão, seria de deixar o assunto entre os dois principais litigantes: eles se merecem.

O Brasil, a partir do governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, transformou-se em terreno baldio, que pode ser ocupado por qualquer um e para qualquer coisa que o leitor possa imaginar que se faça em terrenos baldios. Por isso, a Brasil Telecom contratou a empresa norte-americana de detetives particulares Kroll, a fim de investigar as operações da Telecom Itália no Brasil e suas relações com o governo. E não se constrange em vigiar altos funcionários do Estado de um país formalmente soberano. Os dois grupos disputam o controle da empresa em que são associados.

Como todos se recordam, o processo de privatização das empresas estatais brasileiras violou os princípios éticos, passou ao lado da lei, usou recursos dos trabalhadores no financiamento dos compradores e fez enriquecer muitos e muitos brasileiros e estrangeiros. Nele se envolveu pessoalmente o presidente Fernando Henrique, conforme gravações não desmentidas, e um diretor do Banco do Brasil daquele tempo - de resto investigado a propósito dessa e de outras histórias nebulosas - disse que estava no limite da irresponsabilidade, ao outorgar carta de fiança bancária a um dos pretendentes à aquisição de fatias do sistema.

Nunca, em toda a história brasileira, um governo se envolvera tanto em negócios privados, como se envolveu o chefiado por Fernando Henrique. Seu projeto foi o de privatizar e desnacionalizar o Estado, com os recursos do Estado; de promover o desemprego, mediante a privatização e "reengenharia" das empresas, usando dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador, e de abrir as portas do Brasil ao capital especulativo internacional.

O banqueiro Daniel Dantas foi privilegiado pelo governo. Sua grande ascensão nos negócios se iniciou exatamente quando Fernando Henrique assumiu o Ministério da Fazenda, e se consolidou durante os oito anos do governo tucano. E é de se recordar que um dos últimos - e discretíssimos - encontros do presidente Fernando Henrique, no exercício do cargo, foi exatamente com esse banqueiro, em jantar a dois, e a desoras, no Palácio da Alvorada, conforme noticiou a imprensa na época.

Enfim, cabe agora ao governo Lula promover investigação rigorosa do caso, e agir como determina a lei e exige a honra nacional. Essa Kroll terá que ser proibida de atuar no Brasil, e seus agentes deverão ser imediatamente expulsos do País. E os que mandaram grampear o governo devem ser denunciados à Justiça, a fim de que se restaure a dignidade nacional, esquecida nos dois anteriores mandatos presidenciais.

Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, "Mar Negro" (2002).

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