Rio de Janeiro, 23 de Janeiro de 2025

A síndrome de Estocolmo planetária e a festa caipira que diverte o capitalismo

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Quinta, 25 de Agosto de 2016 às 15:33, por: CdB

 Para o capitalismo mundial é importante que o país seja paralisado naquilo que poderia impulsioná-lo, e impulsionar os pontos capazes de o enfraquecer

 
Por Sergio Nogueira Lopes - do Rio de Janeiro
  As Olimpíadas terminam, no Rio de Janeiro, com um legado invisível. Intocável. Etéreo feito a matéria escura que permeia as galáxias. Embora vistosa e sedutora, pela magia que é a Publicidade, a herança dos dias atuais, no Brasil, tem o dom de sequestrar o bom senso e a sabedoria até dos altruístas, o que se dirá dos incautos. A ação do capital sobre a consciência coletiva é silenciosa, ainda que cercada por estalidos e gritos de torcidas sorridentes, nos filmes brilhantes dos patrocinadores. Sim, os patrocinadores. Sempre eles. Os donos das grandes corporações também são os mesmos. O sistema é assim. Enquanto meninas e meninos saudáveis se lançam no espaço para buscar uma bola, o mergulho perfeito, o tiro mais preciso, aquele segundo a menos, os grandes conglomerados financeiros avançam no seu objetivo de consolidar o lucro desse ano. São meticulosos e pragmáticos. Trabalham de forma célere para a remoção de qualquer obstáculo capaz de atrasar o ingresso de cifras inimagináveis para aquele cidadão, na arquibancada, que acaba de abrir um refrigerante, daquela determinada marca e, ato seguinte, destroçar um sanduíche da lanchonete patrocinadora. Ele nem imagina que a carne é uma das commodities mais valorizadas no agronegócio. O mesmo que mantém lobbies poderosos nos Parlamentos do mundo todo. Um dos bês das bancadas Boi, Bala e Bíblia (BBB).
bancadabbb.jpgNa charge de Junião, a representação da bancada do boi, da bala e da Bíblia no Congresso
Para assegurar lucros em alta constante, as grandes empresas assumem o controle de nações inteiras. Compram; subornam; matam. Fazem o necessário para gerenciar bilhões de seres humanos, todos consumindo aquele disco de carne misturada à gordura e soja transgênica, entre um gole e outro de uma substância gaseificada e viciante. Deixam que o marketing cuide para que o hábito seja perene. Dia após dia. Uma vida inteira, ainda que bastante encurtada devido aos efeitos colaterais dos produtos consumidos. Mas, vidas geralmente prolíficas, com descendentes de sobra, devidamente encaminhados para o mesmo destino. A roda gira.

Capitalismo doente

Até aqui, nenhuma novidade. O mundo está assim há séculos. A rotina é simples; inteligível até para a mais alegre das antas. Basta convencer determinada sociedade que há um plano pré-definido, o de que cada ser daquele país, daquele Estado, daquele município, cada rua, cada casa, cada cama consumirá e consumirá e consumirá como se o consumo fosse sagrado. Estabelece-se esse conceito por meio de telenovelas bem elaboradas, eventos esportivos emocionantes, e endorfina. Muita endorfina, claro. O capitalismo tem uma composição biológica inexorável. Garante-se a eficácia da fórmula em manchetes bem calculadas, nos jornais e revistas criados para a subserviência completa aos preceitos capitalistas. Assegura-se o funcionamento pleno do sistema no Parlamento, que votará um código a ser cumprido pela nação, sob pena imposta pelo braço de ferro do Judiciário à perda da liberdade — ou seja, encarcera-se o bicho que se rebelar ou enlouquecer. E toca a manada. Ao capitalismo internacional pouco importa se nas lutas domésticas sairá vencedor Maria ou João, importante é que a disputa desses grupos transpareça ao “povo” a ilusão de que discutem e pareçam decidir alguma coisa sobre os destinos do país. O “governo” seja de que partido for obedece à direção de cena como atores numa peça diante do Diretor. No fim, mercê de inúteis eleições, a plateia sempre aplaudirá. Não faz a menor diferença, para o sistema em vigor, se os recursos destinados à educação dos trabalhadores brasileiros foram reduzidos ao pó servido nas bandejas de prata, em baladas de Londres ou Nova York. Pouco importa se isso levar milhares de pessoas à ignorância onde, mergulhadas na estupidez, elevem os níveis de violência a extremos impensáveis. Tornem o ar irrespirável. Destruam o planeta. O máximo a se fazer, segundo o modelo em vigor, será lucrar com mais aparelhos de ar-condicionado até estragar, de vez, a camada de ozônio. E melhorar o serviço de entregas em domicílio, posto que sair às ruas será impensável. Para disfarçar a lambança estratosférica, foi preciso formatar um sistema de comunicação global, com dispositivos cada vez mais sofisticados, interligados por satélites — para oferecer a sensação de liberdade —, e disseminar redes sociais com a falsa impressão de viver entre milhares de amigos quando, na verdade, já não encontra o Zé faz tempo. Quem ousar uma nova proposta, diferente desse ciclo mortal de consumo e lucro, será taxado com aqueles velhos adjetivos que a mídia usa tão bem quando precisa noticiar revoluções, levantes, desobediências civis, manifestações, protestos. Para o capitalismo mundial, é importante que o país seja paralisado naquilo que poderia impulsioná-lo, e impulsionar os pontos capazes de o enfraquecer. Sempre com uma contagem de corpos aceitável, pois o número de bocas sobreviventes são importantes para manter o consumo em dia. Sem esquecer aquele sorrisão estampado, igual o das vítimas de sequestro ao verem chegar seus algozes, em plena síndrome de Estocolmo generalizada, epidêmica, planetária. Sérgio Nogueira Lopes é sociólogo, escritor e embaixador da Sociedade Pestalozzi do Brasil (SPB).
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