Acordo com um telefonema de uma repórter de TV que estava fazendo uma matéria sobre o que era se sentir mais velha. Poderia ter inventado pra ela que é maravilhoso se viver na idade da razão , de botar todas as experiências vividas, na prática, sentir-se mais tranqüila, menos ansiosa e por aí vai. Só que não penso assim.
Por Maria Lúcia Dahl, do Rio de Janeiro:
Fisicamente, pra mim, continuo a mesma, apesar das mudanças naturalmente adquiridas pela vida, continuo indo ao cabeleireiro, à manicure, não me preocupo com plásticas, regimes, enxertos, pois não queria agora me transformar noutra pessoa como algumas delas , que por causa de tantas mudanças que se fizeram, precisariam de um crachat para que fossem reconhecidas.
Outro dia fui a uma festa e encontrei minha melhor amiga de uma longa fase, desde o colégio, que durou alguns anos, e depois dele, quando sempre nos encontrávamos noite ou dia ou sem intervalos entremeados por viagens longas ou curtas ou por uma sociedade que fizemos numa boutique em Copacabana.
Olhei aquela figura sentada num sofá, conversando com alguém que também conheci há tempos e fiquei pensando se realmente seria a minha amiga mais íntima de outros tempos, que agora tinha os cabelos louros em vez de negros, o nariz arrebitado em vez de longo e um queixo falso que preenchera o que conheci, um pouco pequeno em relação ao nariz.
Olhei várias vezes pra ela, disfarçadamente, tentando me certificar do que via, até que me vieram à cabeça milhares de lembranças, quando íamos dançar no Black Horse, ver os shows do Zum-zum, às festas de Carnaval em Petrópolis e fiquei pensando por que ela quis mudar totalmente fisicamente se sempre foi tão charmosa. Então fiquei pensando no medo da idade, das mudanças, e talvez por isso me lembrei de estar com ela num elevador num hotel, em Roma, batendo papo em Português, quando entrou uma senhora de uns cinqüenta anos, por aí, e eu falei, em Português, com minha amiga, crente que no meio dos gringos que estavam subindo com a gente, ninguém nos entenderia: “ Não aperta o número do nosso andar antes da velha, se não ele não para no andar dela e a velha fica puta!” Ao que a senhora respondeu no mais perfeito Português:
“Não tem importância. Eu desço de escada.”
Depois desse comentário, nós duas amigas nos olhamos e quando a “ velha” desceu do elevador, tivemos um acesso de riso tão forte que sentamos no chão até conseguirmos novas forças pra ficarmos de pé.
Então, depois desta lembrança, comecei a rir na festa e me aproximei da amiga que não via há séculos, o que a fez morrer de rir também me dando dois beijos e perguntando: “Você não tinha certeza de que era eu, né?” E rimos muito as duas, de novo, com a mesma intimidade de uns trinta anos atrás.
Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes entre os quais – Macunaima, Menino de Engenho, Gente Fina é outra Coisa – 29 peças teatrais destacando-se- Se Correr o Bicho pega se ficar o bicho come – Trair e coçar é só começar- O Avarento. Na televisão trabalhou na Rede Globo em cerca de 29 novelas entre as quais – Dancing Days – Anos Dourados – Gabriela e recentemente em – Aquele Beijo. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil e algum tempo no Estado de São Paulo. Escreveu 5 livros sendo 2 de crônicas – O Quebra Cabeça e a Bailarina Agradece-, um romance, Alem da arrebentação, a biografia de Antonio Bivar e a sua autobiografia,- Quem não ouve o seu papai um dia balança e cai. Como redatora escreveu para o Chico Anisio Show.Como roteirista fez recentemente o filme – Vendo ou Alugo – vencedor de mais de 20 premios em festivais no Brasil.
Direto da Redação, editado pelo jornalista Rui Martins.