Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 2024

Sem essa de ídolo político

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Quinta, 07 de Abril de 2016 às 13:24, por: CdB
Por Gerald Thomas, de Nova Iorque:
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Acreditar cegamente em políticos não é a praia do colunista, conhecido como iconoclasta
(Quando se vê tantos artistas e intelectuais tomando posições em defesa de pessoas e não de princípios ideológicos, vale a pena ler o que o renomado autor e diretor de teatro, Gerald Thomas diz sobre o culto da personalidade de políticos. Em anexo, Gerald Thomas no programa Roda Viva, da TV Cultura, quando jovem em 1988, e já iconoclasta. Nota do Editor, RM). Eu não nasci ontem, porra! Quando vejo multidões urrando a favor de um politico, eu gelo! Pode ser o politico que for, eu gelo. Pode ser Bernie Sanders, pode ser Dilma, pode ser Churchill, pode ser quem for: eu gelo. Eu gelo e fico pensando “caramba, que gente louca…..berram, urram a cada 2 ou 4 anos em torno de promessas que jamais serão cumpridas, utopias que cairão como um castelo de cartas amassadas, etc”. Políticos ? O que vem a ser isso mesmo? É um cara ou uma mulher que discursa e aperta mãos e quer votos. E mente.
As Igrejas, as religiões são iguais. Os advogados são, em suma, iguais. A indústria farmacêutica é igual. Todas as industrias que produzem “coisas” que estragam de propósito e… ah… são iguais. Eu acredito no teatro. Por que? Porque nos mentimos. Nós mentimos “de verdade”. Essa é a nossa profissão. Nunca dissemos que aquilo que está no palco é verdade. É farsa. Mas é a mais pura verdade. E vocês? Se torcem e contorcem por causa de um e outro que…..ah, me POUPEM !!!!! Não nasci ontem. Minha família foi parcialmente exterminada em campos de concentração. Para quem não conhece Gerald Thomas, o Direto da Redação publica a transcrição  de sua passagem pelo Roda Vida, da Cultura, em 1988 - https://geraldthomasblog.wordpress.com/
Gerald Thomas: Bom, na época, eu trabalhava na Anistia, mas na sede que é chamada de Secretariado Internacional, que é em Londres, não é? Eu estava um pouco livre da tortura. Vim aqui algumas vezes levantar dados, mas acho que até meio incógnito, na época. Eu não sei, por uma… Antônio Carlos Ferreira: É, tudo naquela época era meio incógnito. Gerald Thomas: Meio incógnito, é. Passava pelos Lusíadas, não é? Ou pelas receitas culinárias [refere-se às notícias de jornais durante o regime militar que, quando censuradas, davam lugar a receitas e trechos de obras como Os Lusíadas, por exemplo, com forma de protesto]. Eu me sentia dentro de um vatapá, às vezes. Era uma coisa engraçada. Eu estava fazendo teatro lá e estava pintando, e, um dia eu abro o jornal que eu lia, que era The Guardian, que é um jornal meio liberal na Inglaterra e vejo uma enorme reportagem sobre desaparecidos no Brasil. Eu já não estava em contato com o Brasil há muitos anos nessa época. E fiquei absolutamente assustado com aquilo, porque eu achava… Eu tinha noção de que estava acontecendo isso, mas o Chile era a grande coisa na época, não é? Setenta e cinco mil executados em um estádio de futebol. Pinochet, aquela ditadura horrível. Esse era o parâmetro que se tinha no mundo. Então, a América Latina estava mais ou menos coberta pelo… Pela preocupação da Europa e dos Estados Unidos em relação a essa vítima chamada Chile. Resolvi ligar para a Anistia Internacional e perguntar se o departamento que lidava com o Brasil estava munido das pessoas necessárias e disse, já no telefone, que falava perfeitamente bem o português, que era um pouco brasileiro e que podia colaborar. No dia seguinte, eu estava no telex e não saí de lá. Fiquei quatro anos dentro da Anistia Internacional. Foi um dos piores governos aqui, era um… Desaparecimento… diariamente […] Convergência Socialista [grupo de esquerda da época que, mais tarde, militou dentro do PT e, posteriormente, originou o Partido Socialista dos Trabalhadores Unidos (PSTU)], pessoas que […] enfim, grupos inteiros desapareciam e reapareciam. A sede do PCdoB [Partido Comunista do Brasil] foi invadida e pessoas como Pedro Pomar [(1913-1976) fundador do PCdoB e redator-chefe do jornal A Classe Operária. Foi executado pela repressão no dia 16 de dezembro de 1976], foram assassinadas. Elza Pomerati ou Monserati, eu não me lembro… Antônio Carlos Ferreira: Monnerat. Gerald Thomas: Monnerat [militante comunista e guerrilheira no Araguai]. Rholine Sonde Cavalcante em Itamaracá e Carlos Alberto… Olha, os nomes voltam de repente. E eu, eu senti… Antônio Carlos Ferreira: E você fazendo os relatórios. Gerald Thomas: É, entrando em contato com o Superior Tribunal Militar, almirante Hélio Leite, na época. Escrevendo por telex direto para ele e com todas as oitenta. Na época, eram oitenta e nove centrais da Anistia no mundo mobilizando pessoas para que mandassem telegramas pedindo a soltura urgente dessa pessoa. Uma coisa que se chamava Campaign for the Abolition of Torture (CAT) – Campanha pela Abolição da Tortura – que tinha que ser relâmpago. Você acaba não saindo da Anistia, vinte e quatro horas do seu dia são dedicadas àquilo. Eu percebi que era a única pessoa, então, que estava lidando com o Brasil efetivamente. E descobri que, como essa época era muito repressiva, existiam muito poucas… Existia muito pouca noção, por exemplo, de pessoas aqui em São Paulo, em relação ao que estava acontecendo em Ponta Porã, Mato Grosso e Ceará. E eu comecei a centralizar informações que, mais tarde, de uma forma muito legal, virou o Comitê Brasileiro da Anistia (CBA) – Ira Maia e Eli [Borges], Raimundo Moreira no Rio. E enfim… São Paulo também, com o Cardeal [Paulo Evaristo] Arns. Aqui em São Paulo, o jornal Movimento, enfim, tudo isso levou a um congresso de exilados e banidos brasileiros em Roma em 1979, o que, por acaso, casualmente, foi coincidir com a promulgação da [Lei da] Anistia em 1979. E meu trabalho acabou e eu voltei para o teatro. Antônio Carlos Ferreira: Nesse tempo todo, você ficou fora do teatro. Gerald Thomas: Não. Eu, na medida do possível, eu fazia teatro também. Mas, às vezes, eu ficava, literalmente, vinte e quatro horas dentro da Anistia Internacional porque, na medida em que ia saindo um telex, eu pelo rádio amador, recebia a notícia de que uma outra pessoa tinha sido presa ou espancada. Vladimir Herzog que morria, Manoel Fiel Filho [metalúrgico] que morria também. E… Mario Prata: Gerald. Eu queria te fazer uma pergunta sobre um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete brasileiros. Você quer os sete de uma vez, ou… Gerald Thomas: …aquela chamada metralhadora! Antônio Carlos Ferreira: Um a um, bem curtinho. Mario Prata: Não. Bem curtinho. Chacrinha [(1916-1988) apresentador de programas de auditório para a televisão, criador de um estilo único e inconfundível]? Gerald Thomas: Eu desconheço.Sei da fama que ele tem, vi um programa de televisão, mas não convivi os anos em que o Chacrinha foi extremamente importante. Eu só sei disso através de textos do Caetano, do Jorge Mautner, do Gilberto Gil, do Hélio Oiticica. Mario Prata: Está legal. Está. Essa aqui vai ser difícil você falar pouco, mas, em todo o caso. José Celso [(1937-), ator e dramaturgo, criador do Teatro Oficina de São Paulo]? Gerald Thomas: Eu acho o José Celso, uma pessoa que cabe perfeitamente dentro deste país, e infelizmente, cobram dele a realização teatral. Acho que cabe neste país uma pessoa que só fala desembestadamente e revoltadamente contra coisas e a favor de outras. Como o Glauber nos últimos anos da vida dele. Eu acho que cabe perfeitamente isso. Mario Prata: Xuxa [apresentadora de programa infantil]. Gerald Thomas: silêncio… Mario Prata: Nunca viu? Gerald Thomas: Até já passei os olhos, mas, te confesso que não acho nada. Acho que… sempre brinco assim: se a cultura brasileira desaparecer, não adianta nada continuar a Xuxa, não é? Mario Prata: Nelson Rodrigues [(1912-1980) importante e polêmico dramaturgo, jornalista e escritor. Dentre suas obras, pode-se destacar Vestido de noiva,Engraçadinha, Perdoa-me por me traíres, encenadas por diversas gerações de atores brasileiros]. Gerald Thomas: É um dos maiores gênios da dramaturgia do mundo e, por isso, vou montar os textos dele em Nova Iorque, é um dos… Mario Prata: Vai montar o quê, Gerald? Gerald Thomas: Eu vou montar Dorotéia, Anjo negro, Senhora dos afogados eÁlbum de família; que são as quatro peças definidas pelo Sábato Magaldi [crítico teatral] como místicas. Mario Prata: Caetano Veloso [compositor e cantor. Precursor do movimento Tropicalista] Gerald Thomas: Um absoluto gênio. Mario Prata: Sarney [presidente do Brasil entre 1985 e 1989]. Gerald Thomas: O oposto do Caetano Veloso. Mario Prata: Obrigado. Antônio Carlos Ferreira: Então, mais um: Philip Glass, com quem você está trabalhando… Gerald Thomas: É, eu trabalho… Antônio Carlos Ferreira: …que fez a música da trilogia. Gerald Thomas: É, eu trabalho com o Philip. Eu tenho uma relação muito de perto com o Philip. É muito difícil eu vê-lo como figura, é uma questão de dividir apartamento, casa e trabalho em conjunto, mas se eu estivesse um pouco do lado de fora disso, na terceira pessoa, o Philip é o maior revolucionário da música moderna, na medida em que Stockhausen [(1928-2007) compositor e um dos fundadores da música eletrônica] e John Cage [(1912-1992) compositor de percussão. Buscava sempre experiências sonoras diversas. Inventou, por exemplo, o piano preprado onde se introduz objetos entre as cordas do instrumento, como pedaços de papel, madeira, metal etc para que produzissem efeitos sonoros diversos. É considerado o criador do happening. Uma de suas peças mais conhecidas é 4’33’ (1952), com quatro minutos e 33 segundos de silêncio] não existem, nem nunca existiram de verdade. São músicas que ninguém consegue ouvir. São conceitualmente, importantíssimos. Colocar um microfone ligado dentro da água, ou três cachorros passeando em cima do piano, fazem um comentário vivo e importante, crítico. Aliás, é o que eu tento fazer em teatro, entende? Essas pessoas, um comentário auto-incestuado, autofágico com a música em si. O Philip conseguiu o melhor dos dois mundos, conseguiu ser absolutamente emotivo e criar a revolução estética da música ao mesmo tempo. Kleber de Almeida: Gerald, o seu trabalho como ilustrador em jornal, tem alguma importância em sua vida? Gerald Thomas: É o que me sustentava durante muitos anos. Kleber de Almeida: Só para sustentar, não é? Gerald Thomas: É, porque jornal é uma coisa que está enrolando peixe no dia seguinte. Eu vi os meus desenhos, várias vezes, enrolando peixes no dia seguinte. Antônio Carlos Ferreira: Não diga isso, porque todos nós aqui sobrevivemos graças a esse papel, que embrulha peixe no dia seguinte. Kleber de Almeida: O jornal também que é interessante… Gerald Thomas: É o New York Times Kleber de Almeida: Também não estaria embrulhando peixe com um jornal qualquer. [risos] Gerald Thomas: A melhor experiência, a melhor coisa de ter trabalhado para um jornal foi participar do news room [redação] , diariamente e ver como é que funciona aquela loucura toda. Um jornal real, quer dizer, que tem correspondentes no meio de Singapura ou no meio de Jacarta, ligando direto, relatando os fatos; não transmitindo Reuters, UPI [United Press Internacional], Agence France Pressessas coisas todas. É o “caoticismo” das oito horas da noite, chamado deadline dohold press [segurem as prensas], do stop press [parem as prensas], você saber que uma primeira página é feita em cinco minutos e ela pode mudar se o Reagan morrer [presidente dos Estados Unidos no ano desta entrevista, 1988] ou o Gorbatchev morrer [substituiu Andrei Gromyko na presidência da União Soviética em 1988]. É uma coisa fascinante e eu tentava, dentro disso tudo, fazer com que uma sombrinha saísse bonitinha e que fosse retícula e não fosse traço e brigava na sala de velox [sala de montagem da ilustração para o jornal; e o velox, possivelmente, se tratava de um tipo de papel fotográfico]. Mas foi fascinante nesse sentido, só que depois de cinco anos cansa, cansa profundamente. Vivien Lando: Gerald… Antônio Carlos Ferreira: Queria o que Vivien? Vivien Lando: Eu queria te acoplar três perguntas aqui. A primeira é a seguinte: você quer ser célebre? Gerald Thomas: Eu já sou célebre. Vivien Lando: Você é célebre? Gerald Thomas: Ora! Para quem essas pessoas todas estão olhando? Vivien Lando: Vai ver que é… Gerald Thomas: São para o… Agora, lhe digo mais, devem ser para contradição de cor que estão olhando.
Gerald Thomas, diretor e autor teatral. escritor, encenador polêmico, criador de uma estética elaborada a partir do uso diferenciado de cada um dos recursos teatrais e orientada pelo conceito de “ópera seca”. Renovou a cena brasileira nas décadas de 1980 e 1990. Dirigiu no ano passado, a peça musical Entredentes com o cantor Ney Latorraca, nos teatros do Sesc de São Paulo e Rio de Janeiro. Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.
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