O primeiro julgamento oral e público pelo roubo de filhos de desaparecidos durante a ditadura que imperou na Argentina começou na última quinta-feira, em meio a incidentes que forçaram um recesso de quase quatro horas e com o interrogatório do ex-comissário Miguel Etchecolatz, um dos acusados.
Cerca de 15 filhos de desaparecidos protagonizaram uma disputa com a polícia ao tentar entrar com bumbos e aos gritos de 'assassinos' na sala de audiência do tribunal de La Plata, 60 quilômetros ao sul de Buenos Aires. O fato obrigou os três magistrados do Tribunal Oral Federal a interromper a sessão.
O processo, que tem como parte queixosa as Avós da Praça de Maio, é sobre o seqüestro, a apropriação ilegal e a mudança de identidade de Carmen Castro Sanz, nascida no chamado 'Pozo de Banfield', uma das prisões ilegais que funcionaram durante o regime militar (1976-1983).
Carmen Castro Sanz, adotada por um casal que desconhecia sua origem, é filha dos uruguaios Eduardo Gallo Castro e Aída Celia Sanz, que integram a extensa lista desaparecidos e que foram seqüestrados no final de 1977 por um comando policial que respondia às ordens de Etchecolatz.
Uma vez restabelecida a calma na sala da audiência, Etchecolatz, que outro juiz processou hoje por sua responsabilidade em homicídios e seqüestros, e o médico policial Jorge Bergés, o outro acusado, foram interrogados.
Os dois acusados neste processo, que terminará na próxima terça-feira, estão sob prisão preventiva desde o dia 23 de abril de 2001, cada um com um embargo de um milhão de pesos (cerca de US$ 342 mil), embora em outros tribunais enfrentem várias denúncias por violações dos direitos humanos.
Bergés, que se desloca em uma cadeira de rodas devido a um ataque a balas que sofreu há cinco anos, se protegeu no direito constitucional de não prestar depoimento, mas Etchecolatz disse que responderia a todas as perguntas, embora tenha esclarecido que, por um problema cérebro-vascular, não tinha memória.
No entanto, ressaltou que, como diretor de investigações da polícia da província de Buenos Aires, respondia a ordens da chefia dessa força de segurança, a cargo do general Ramón Camps, já falecido e que chegou a se vangloriar de ter ordenado o fuzilamento de 5 mil presos políticos.
Etchecolatz, um dos símbolos da repressão ilegal da ditadura, assim como o ex-oficial naval Alfredo Astiz, disse não lembrar do caso do casal uruguaio desaparecido e de sua filha nascida em uma prisão ilegal, mas disse que era comum que oficiais militares de outros países atuassem.
Roubo de criança é julgado na Argentina
Arquivado em:
Quinta, 18 de Março de 2004 às 23:04, por: CdB