Rio de Janeiro, 21 de Dezembro de 2024

Rio: os fatores que levaram ao fracasso das UPPs

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Quarta, 12 de Outubro de 2016 às 06:40, por: CdB

Saída de Beltrame da Secretaria de Segurança Pública explicita grave crise das Unidades de Polícia Pacificadora, e futuro do projeto que prometeu acabar com a violência crônica do Rio é uma incógnita

Por Redação, com DW - do Rio de Janeiro:

As cenas de um homem despencando de uma encosta. Após ser atingindo por tiros de fuzil em Copacabana, na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Transformaram-se em mais um trágico símbolo da falência do programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O tiroteio, que levou pânico às ruas do bairro mais famoso da capital Fluminense. Fez com que o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, pedisse demissão do cargo. Secretário mais longevo da história do Rio de Janeiro na área de segurança, Beltrame ocupou a pasta por 10 anos e foi o criador do programa das Unidades de Polícia Pacificadora. Em seu lugar assumiu seu braço direito, Roberto Sá.
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O tiroteio, que levou pânico às ruas do bairro mais famoso da capital Fluminense
Criadas em 2008 como um programa modelo de policiamento comunitário. As UPPs prometiam acabar com a violência crônica das comunidades carentes do Rio de Janeiro dominadas pelo tráfico de drogas. A ideia era que o Estado abandonasse a tática de confronto e passasse a ocupar as favelas. Levando não só a polícia, mas também uma ampla gama de serviços públicos. Nos primeiros anos, as UPPs apresentaram resultados extremamente positivos. Houve uma redução de mais de 60% nos homicídios nas áreas pacificadas. Assim como uma queda de 85% das mortes provocadas por policiais nestas mesmas regiões. Além de uma ampliação de mais de 300% na apreensão de drogas. As áreas em que as UPPs foram implantadas também passaram por uma forte valorização imobiliária. O Rio, enfim, parecia viver em paz. Mas desde 2012 as UPPs já vinham mostrando sinais de esgotamento. Ataques às bases em áreas supostamente pacificadas se tornaram comuns, confrontos entre policiais e traficantes passaram a ser mais violentos e a vitimar cidadãos inocentes. Um crescente número de denúncias de abuso de poder e corrupção viraram rotina em quase todas as 38 unidades espalhadas pela cidade. Mas foi com o agravamento da crise econômica. A partir de 2015, que os problemas começaram a ficar mais explícitos. Primeiro em áreas mais distantes do centro, e, agora, nas áreas mais ricas da cidade.

Expansão acelerada

– O que realmente surpreende é o fato de que foi preciso um confronto em Copacabana para que o secretário e a imprensa se dessem conta de que as UPPs fracassaram –  diz a socióloga e ex-ouvidora da Polícia do Rio de Janeiro, Julita Lemgruber. "É claro que o confronto em uma área tão nobre do Rio é emblemático. Mas os confrontos já eram uma rotina em outras áreas da cidade há meses. Principalmente as mais pobres, como o Complexo do Alemão", diz ela, que coordena o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, no Rio. Nascidas como um projeto piloto, as UPPs se espalharam rapidamente. Com a proximidade dos grandes eventos esportivos que a cidade sediaria, a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Foi esse avanço rápido, na opinião de especialistas, uma das principais razões para a grave crise que o programa enfrenta agora. – As UPPs foram uma boa iniciativa, mas deixaram de ser um programa de segurança pública para se tornarem um simples programa de policiamento, uma força de ocupação – diz Jacqueline Muniz, professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense. – Quando chegou-se ao número de 13 ou 15 UPPs, deveria ter-se parado e analisado. Entendido o que poderia melhorar, o que funcionava e o que estava errado – diz. "Mas não, criaram uma fábrica de UPPs, colocando soldados despreparados, sem planejamento e com uma escassez de recursos incríveis", critica ela, doutora em Ciência Política e uma das principais pesquisadoras do papel da polícia no Brasil. "De um interessante programa de segurança pública as UPPs se transformaram em peças de propaganda eleitoreira, com o único objetivo de manutenção do poder político e econômico de determinados grupos", diz ela. O Rio de Janeiro é governado pelo PMDB há quase 15 anos.

Polícia violenta

Outro problema foi a incapacidade de a polícia conseguir apoio das comunidades onde estava instalada. O Rio de Janeiro é conhecido por ter a polícia que mais mata no mundo. Relatório divulgado pela ONG Human Rights Watch. Em julho deste ano mostra que apenas a Polícia Militar do Rio matou mais de 8 mil pessoas na última década. Só no ano passado mais de 600 pessoas foram mortas pela PM. A expectativa era de que policiais mais bem treinados e atuando em um ambiente comunitário seriam menos propensos a dar continuidade a esse ciclo macabro de mortes e abusos. Mas rapidamente as mesmas práticas violentas e corruptas que caracterizam a polícia Fluminense passaram ser aplicadas também nas UPPs. "Houve um começo cuidadoso, mas logo se transformou em uma ação atabalhoada. Sem diálogo com as comunidades, e toda a lógica comunitária se perdeu", diz Lemgruber. Em pouco tempo, os policiais passaram a ser vistos como inimigos das comunidades que deveriam proteger. Fazendo com que a tensão crescesse e os casos de abuso de multiplicassem. O mais emblemático deles foi a tortura e morte do pedreiro Amarildo de Souza por policiais. Dentro de uma Unidade Pacificadora na Rocinha, em 2013. Seu corpo jamais foi localizado. A saída de José Mariano Beltrame, criador e maior símbolo das UPPs, é emblemática. Mas não aponta claramente qual será o futuro do programa. Seu sucessor deve manter a mesma postura ambivalente do ex-secretário. Ao mesmo tempo em que defendia o fim da guerra às drogas, apoiava a estratégia de confronto aberto das polícias em áreas urbanas densamente povoadas. Como as favelas. "A verdade é que Beltrame não tinha exatamente comando sobre a Polícia Militar e a Polícia Civil do Rio", diz o sociólogo Ignacio Cano, um dos coordenadores do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. "Com sua saída, o futuro das UPPs se torna uma incógnita. Até o final do mandato do atual governador, em 2018, nada deve mudar. Mas a partir dai haverá uma ampla discussão sobre seu futuro."

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