Por Rui Martins, de Genebra:
Faz doze anos, o Senado transformou em lei a proposta do então senador Eduardo Suplicy, para se criar um renda básica de cidadania e se acabar com a miséria no Brasil. Essa idéia de uma renda básica, maneira de se garantir o mínimo necessário a todos os habitantes de um país, é uma antiga utopia de Thomas Morus. Utopia que está sendo testada na Finlândia, em Utreque na Holanda, numa cidade canadense e que será votada num plebiscito, neste domingo 5 de junho, pelos suíços.
A lei por uma renda básica para todos é mais audaciosa que a Bolsa Família, cujo valor embora ridículo e insignificante serviu para melhorar a vida de milhões de brasileiros. Porém, essa lei 10.835 de janeiro de 2004, assinada por Lula e Palocci, nunca foi regulamentada para ser posta em prática. Talvez porque regulamentada a lei, a renda básica deveria ser aplicada pelos governos qualquer que fosse o partido e não se tornaria numa isca de votos exclusiva do PT.
Terminado o governo de Lula, o então senador Eduardo Suplicy tentou convencer a cúpula petista a aplicar a lei mas sem sucesso. Decidiu recorrer à presidente Dilma, que sendo petista poderia ajudá-lo, mas acabou sendo supliciado pelo desdém da chefe do governo. Só agora, destituída de todo poder executivo, Dilma recebeu o senador, para lhe dizer provavelmente que com o Estado quebrado não vai dar para se criar uma renda para todos.
Ora, Dilma perdeu mais uma oportunidade de ficar na atualidade positiva, pois o princípio da uma renda básica para todos vai ser votado neste domingo pelos suíços.
Neste domingo 5 de junho, os suíços decidirão, num plebiscito, se deve ser incluído na Constituição o princípio de um rendimento básico incondicional para todos, desde seu nascimento, com o valor equivalente a 2300 euros para os adultos e 600 para os menores.
Será possível se acabar com a maldição bíblica do « com o suor do teu rosto comerás o teu pão » , com a qual Deus teria criado o trabalho, que mais tarde passou a ser explorado pelo capital ? O utopista inglês Thomas More foi o primeiro a falar numa sociedade onde todos os cidadãos teriam um rendimento básico para viver e o marxismo previa uma sociedade onde haveria um rendimento socializado para todos com as máquinas produzindo as riquezas e liberando parcialmente os homens do trabalho. Na prática não deu certo e a crescente robotização é mais uma ameaça de desemprego do que de diminuição de horas de trabalho e aumento do tempo dedicado ao lazer.
Porém, a utopia ressurge com outras feições e personalidades de esquerda e direita imaginam ser possível torná-la agora realidade. Tanto que a Finlândia deverá testar, no próximo ano, uma adaptação do princípio de um rendimento básico para a população das regiões mais afetadas pelo desemprego. O governo brasileiro também criou ago ligeiramente parecido - a distribuição automática de um rendimento mensal para a população em extrema pobreza, sem a contrapartida do trabalho, a Bolsa Família, equivalente na média geral a um sexto do valor do salário mínimo ou 30 euros. Embora mínima e ridícula no valor, essa pequena soma distribuída para 15 milhões de famílias incentivou a geração de renda e permitiu-lhes sair da miséria.
A iniciativa popular suíça para a realização do plebiscito reuniu 126 mil assinaturas mas dificilmente será aprovada pelo povo, pois para os suíços o trabalho é sagrado e receber praticamente um salário sem trabalhar seria imoral senão irrealista. Entretanto, embora o governo suíço e o próprio partido socialista sejam contra essa iniciativa seus promotores a consideram como a solução para o impasse em que se encontram atualmente os partidos de esquerda e direita, diante da falta de solução para o crônico e crescente problema do desemprego, sujeito a se agravar com a robotização, a vulgarização e ampliação da Internet e o uso das impressoras em 3D. Ou seja, não há mais trabalho para todos, enquanto as caixas de pensão para os velhos, sem um aumento da idade para a aposentadoria, irão à falência nos próximos anos.
Como financiar
Para o suíço Ralph Kundig, responsável pela divulgação e coleta de assinaturas da iniciativa, não se trata de uma distribuição de dinheiro sem contrapartida mas de uma nova forma de prestação social. O financiamento da renda para todos se fará utilizando-se toda a verba utilizada atualmente para o recolhimento das contribuições e pagamento das pensões por velhice, doença e invalidez, mais toda ajuda social prestada às famílias e pessoas necessitadas. A unificação de todo esse aparelho e o encerramento de toda a máquina burocrática voltada para essas prestações mais a desativação do serviço de seguro desemprego e seus controles sobre os beneficiados correspondem a um total próximo do necessário ao rendimento para todos. A diferença deverá ser coberta com um imposto de 0,05 % sobre as transações eletrônicas financeiras.
Na sua fase inicial de aplicação diversos ajustes serão necessários para não se prejudicar quem tem salário ou renda superior ao rendimento a ser distribuído a cada habitante. Levando-se em conta que esse rendimento deverá ser suficiente para uma pessoa viver normalmente, a proposta na Suíça é a de se tomar como referência um valor equivalente a 2.300,00 euros para maiores de 18 anos e 600,00 euros para os menores desde o nascimento. Uma família de casal com dois filhos deverá receber o equivalente a 5.800,00 euros, sem a preocupação de fazer poupança por ser uma renda garantida, que poderá ser aumentada com o salário de uma atividade normal. Em teoria, isso significará uma melhor distribuição da riqueza do país e provocará uma ativação geral da economia, no consumo de bens e serviços, num clima de paz social, pois os empregados de todos os tipos poderão negociar seus salários já tendo um mínimo de sobrevivência garantido. Outro aspecto é o de que trabalhos não remunerados como os das donas de casa e dos estudantes em formação passarão a ter uma renda.
Para o governo suíço que recomenda ao povo rejeitar esse projeto mirabolante, o risco é o de se levar o país à falência, pois a maioria das pessoas simplesmente deixaria de trabalhar contentando-se com esse mínimo. O socialista Alain Berset, ministro do Interior, alerta o povo para não se deixar embalar por essa utopia que causaria o enfraquecimento da economia e acabaria com o incentivo para o trabalho e exercício de uma atividade lucrativa, aumentando a penúria da mão-de-obra, pois deixaria de trabalhar quem ganha igual ou menos que a renda proposta. Transformada numa espécie de Eldorado, a Suíça se tornaria o destino privilegiado de todos os imigrantes.
Para demonstrar a irrealidade do projeto, o ministro utiliza sua formação de economista e argumenta com alguns cálculos : a desativação de todo o aparelho social atual significaria uma economia anual de 55 mil milhões de francos suíços, porém a distribuição de um rendimento de base incondicional (RBI) para toda população exigiria um adicional de 25 mil milhões. Além disso, o ministro acentua ser o trabalho não só um gerador de salário mas um fator de integração social.
O mesmo argumento é utilizado pelo presidente da Federação das Empresas, Ivan Slaktine, para quem o baixo índice de desemprego na Suíça não justifica essa mudança estrutural.
Mesmo não sendo aceita, essa iniciativa de vanguarda obrigará economistas, políticos e sociólogos a debaterem e repensarem suas teorias na perspectiva de uma alternativa social pós-marxista e pós-capitalista, pela qual uma grande parte da riqueza nacional será repartida entre o povo, sem que se possa considerar o Estado como assistencialista.
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Publicado no Direto da Redação em 01/10/2013 por Rui Martins
Pelo menos dois livros já foram publicados na França sobre essa utópica mas revolucionária ideia – a de se garantir a todo cidadão, ao chegar na maioridade, um rendimento (como se fosse um salário), suficiente para viver durante toda vida.
Este ano, essa ideia com mais de cinco séculos, pois o inglês Thomas Morus defendia esse projeto no livro Utopia, se transformou num projeto realista e, será provavelmente submetido à votação popular na Suíça.
Para provocar uma votação popular nacional, na democracia direta suíça, são necessárias 100 mil assinaturas, já foram reunidas 70 mil e ainda existem alguns meses pela frente para angariar novas assinaturas.
A ideia surgiu na Suíça de língua alemã, de um coletivo de visionários formado por artistas, intelectuais e mesmo alguns políticos. E logo teve o apoio de suíços de língua francesa, reunidos na associação Bien-Suisse, fundada em 2001, cuja sigla significa Basic Income Earth Network. O projeto propõe a criação de um rendimento básico de 2.500,00 francos suíços, cerca de 6.000,00 reais, pagos mensalmente mesmo se a pessoa está desempregada.
Sem margem de erro, pode-se imaginar que esse projeto será rejeitado pela grande maioria do povo suíço, porém um importante passo será dado em direção ao futuro, quando as sociedades humanas mais avançadas e mais solidárias não aceitarão a existência de pobres sem condições de vida digna. E é mesmo provável que logo surja um partido político colocando o rendimento básico universal como o principal objetivo do seu programa.
Angela Merkel
Pode parecer absurda e fora de contexto tal iniciativa justamente quanto, na União Europeia, se aplica uma política econômica totalmente inversa. Para fazer face à dívida pública e a uma situação de quase insolvência, alguns países, a Grécia, Portugal e Espanha, estão sendo submetidos a uma austeridade, ditada principalmente pela chanceler alemã Angela Merkel, que consiste em se diminuir salários e aposentadorias.
Ora, é evidente que com salários e pensões reduzidos os gregos, espanhóis e portugueses consomem muito menos. Como na teoria do dominó, a retração do consumo repercute nas indústrias fabricantes de bens, que não conseguem escoar como antes seus produtos e o movimento diário dos supermercados é a constatação dessa nova situação, provocadora de sintomas de recessão. A impressão é a de que o remédio é muito forte e vai matar os doentes.
Ao contrário, se as pessoas têm dinheiro para consumir, isso agiliza o consumo e disso decorre o escoamento rápido dos bens produzidos pelas fábricas, provocando o crescimento econômico do país.
Antes mesmo de alguns visionários suíços e economistas franceses terem lançado a praticabilidade de um rendimento básico para todos, o Brasil tinha sido, sem o alarde esperado, o pioneiro.
Na verdade, o Bolsa Família, Cesta Básica e o Bolsa Escola, e outros tipos de ajuda do governo brasileiro aos menos favorecidos já constituem a aplicação prática da Utopia de Thomas Morus. Para que não haja descontentes na avaliação dessa medida revolucionária, lembramos que foi FHC quem lançou e Lula quem ampliou essa concessão de um rendimento básico, ainda mínimo, para a parcela mais carente da população.
Thomas Morus
E os resultados foram extremamente positivos – com um mínimo disponível para viver, a população beneficiada com essa medida começou a consumir, acionou supermercados e fábricas e o Brasil deslanchou, enquanto a União Europeia fazendo o inverso entrou numa fase de estagnação e de desemprego, da qual não sabe ainda como vai sair, pois já não há, como no passado, as guerras continentais que dizimavam a população e destruíam cidades, impedindo o desemprego e a recessão.
A solução pacífica para o desemprego e contra a recessão não seria o rendimento básico para todos os cidadãos? Ao contrário do aumento da idade da aposentadoria, como querem os neoliberais, isso criaria igualmente condições para se diminuir as horas de trabalho, como se falava nos anos 60, quando as pessoas sonhavam com a nova sociedade do lazer, torpedeada pela ganância neoliberal.
Haveria condições para o Estado garantir tal iniciativa? Imagina-se que sim, pois todos os rendimentos estariam sujeitos aos impostos normais e o funcionamento do consumo e a boa saúde das indústrias garantiriam a contribuição dos outros impostos necessários ao funcionamento do Estado.
Chegamos a um fim de linha – a coletivização não deu certo e o neoliberalismo com sua gula de lucros utiliza a automatização para dispensar empregados em lugar contribuir para a sociedade do lazer. A insistência no atual modelo econômico levará a choque e revoltas.
Tudo indica ter chegado a hora de se buscar novos comportamentos econômicos e novas soluções sociais, criadores de solidariedade social evitando desigualdades e o mergulho na miséria de uma parcela da população. Um rendimento básico para todos será também a garantia de educação, escolas e formação profissional para a juventude.
O mundo futuro não poderá continuar tendo esses bolsões de miséria e pobreza. A concessão de um rendimento básico para todos não impedirá que muitos tenham salários superiores, dependendo da criatividade de cada um. E nem criará aproveitadores e vagabundos.
É hora de se começar a curtir e imaginar a concretização dessa utopia.
Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e rádios RFI e Deutsche Welle.Editor doDireto da Redação.
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