Passados quase 20 anos da morte de Orson Welles, fragmentos de sua vida artística continuam a pulular. Um dos maiores gênios da arte cinematográfica deixou um rico legado. Um deles acaba de ser lançado pela Continental em DVD, como parte de um pacote que inclui outras preciosidades do autor de Cidadão Kane. Trata-se de Dom Quixote, filme inacabado do diretor e alvo de projetos especulativos, como a montagem incompleta do material, realizada por Costa Gravas nos anos 80.
Os outros DVDs ainda trazem The hearts of age, primeira experiência cinematográfica de Welles, um curta-metragem de seis minutos; uma versão restaurada de Othelo e Falstaff - o toque da meia noite.
Gênio incompreendido...
Como se percebe em sua trajetória artística e na entrevista feita pela Cahier du cinema, que vem como bônus em um dos DVDs, Welles sempre foi incompreendido. Na entrevista, o diretor comenta sua insatisfação com o cinema (criticando grandes cineastas como Kubrick ou ignorando outros, como Aldrich), e lamenta o fato das pessoas admirarem características de seus filmes que ele julgava desimportantes. Isso em 58, quando Welles já tinha assinado grandes produções e se encontrava no primeiro time do cinema autoral (Cidadão Kane, A dama de Shangai, Macbeth, Mr. Arkadin).
O mesmo tipo de incompreensão e dificuldade em realizar filmes aconteceu com o brasileiro Rogério Sganzerla. Não por acaso o diretor filmou três películas sobre a vinda de Welles ao Brasil e do, também inacabado, It´s all true - outra produção que acabou virando uma espécie de projeto especulativo, montada nos anos 90. Sganzerla teve uma estréia fantástica com o Bandido da luz vermelha, assim como Orson Welles e seu Cidadão Kane, e desde então encontrou dificuldades em filmar. O caso de Welles ainda é mais agudo, pois Kane foi lançado pela Warner Bros com um contrato que dava liberdade total sobre a obra, acordo inédito até os dias de hoje para um cineasta estreante.
... à frente de seu tempo
Dom Quixote é uma obra-prima, como se confere no DVD, em sua montagem mais próxima do que seria a feita por Welles. Com planos que oscilam de qualidade (o material se encontrava dividido, armazenado em locais diferentes, sobre condições diversas), Dom Quixote é um exercício de metalinguagem, anacronismo e, acima de tudo, direção. É possível ver como seus filmes influenciaram cineastas como Jean-Luc Godard e o próprio Sganzerla.
Se o espectador fica encantado com essa reconstituição do que seria Dom Quixote, a surpresa mesmo está em The hearts of age. Dirigido quando Welles tinha 19 anos, o curta-metragem é uma alegoria que mistura surrealismo, expressionismo alemão e o experimentalismo que caracterizaria o trabalho de vanguardistas nas décadas seguintes como Maya Deren e Jonas Mekas. Definitivamente, Welles continua fazendo história.
Raridades de Welles em DVD
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Quarta, 25 de Agosto de 2004 às 07:38, por: CdB