``Raízes do Brasil'', documentário que estréia nesta sexta-feira, gira em torno de um dos maiores pensadores e intelectuais brasileiros, o jornalista e historiador paulistano Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). ]
O filme empresta seu nome do livro clássico do escritor publicado em 1936, abrindo a coleção ``Documentos Brasileiros'', da Editora José Olympio, que se tornou imediatamente obra indispensável a qualquer um que se disponha a elaborar um conceito amplo do país.
Dirigido por outro mestre, este do cinema, Nelson Pereira dos Santos, o filme é dividido em duas partes. Na primeira, explora-se a dimensão pessoal e familiar do protagonista, pai de sete filhos, entre os quais, Chico Buarque de Holanda.
A segunda, mergulha no legado intelectual do historiador e é, por isso mesmo, mais árida. Mesmo no segmento inicial, onde jorram depoimentos de parentes, colegas e amigos, o livro ''Raízes do Brasil'' aparece como objeto afetivo.
Todos os netos de Sérgio -- que só o chamam de ``papyotto'' -- receberam dele um exemplar, devidamente assinalado por uma dedicatória íntima e pessoal. A partir daí, os testemunhos delineiam uma pessoa que gostava de conversar, contar histórias, muitas vezes sem qualquer objetividade -- por isso, suas falas às vezes resultavam longas, mas não menos interessantes.
Dono de uma vasta erudição, Sérgio era capaz de discorrer sobre os temas mais variados com graça e humor. Falando do pai, Chico lembra que até os 20 anos não era admitido no escritório domiciliar onde Sérgio trabalhava e guardava seus milhares de livros -- o que coincide com a idade aproximada com que o compositor começou a escrever seus primeiros versos.
E recorda também sua impressionante flexibilidade de leitura, que ia de Tolstói a Luluzinha -- um gibi que ele adorava. Nada mais longe, aliás, deste intelectual do que o pedantismo.
Num dos depoimentos mais esclarecedores, o professor Antonio Candido observa que Sérgio absorveu da melhor maneira a lição deixada pelos modernistas (muitos dos quais eram seus amigos, como Mário e Oswald de Andrade): que a seriedade podia andar de mãos dadas com a alegria.
Na segunda parte, detalha-se a imensa trajetória profissional do historiador, que passou pela faculdade de Direito e pelo jornalismo, dirigiu o Museu Paulista, tornou-se reitor da cátedra de História da Civilização Brasileira na USP, escreveu vários livros, como os não menos brilhantes ``Monções'' e ``Visão do Paraíso'', que era, aliás, o seu trabalho preferido.
São praticamente dois filmes em um, valorizados pela inserção de diversas cenas de arquivo e uma cuidadosa pesquisa musical, realizada pela filha Cristina -- e que é capaz de momentos saborosos, como quando elege a música ``Insensatez'', na voz de João Gilberto, como trilha para imagens que relatam a renúncia do então presidente Jânio Quadros, em 1961.
Num projeto em que o roteiro foi assinado em parceria por Nelson e pela filha Miúcha e com o notório (e imprescindível) envolvimento de tantos familiares do biografado, não há como estranhar que, em tantos momentos, falte objetividade.
Isso não é necessariamente um defeito, ainda mais que todo o projeto foi concebido como uma forma de apreender tanto o lado íntimo como o público do historiador. Na segunda parte, porém, o filme ganharia ritmo com menor número de leituras de seus textos.