Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

Quais são as divisões no campo golpista?

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Terça, 06 de Junho de 2017 às 06:52, por: CdB



Por Armando Boito - de São Paulo:

Circula no campo do movimento popular uma proposta de análise que procura explicar tais divisões. Ela está presente em documentos e nos debates públicos que se fazem sobre o tema. Essa análise sustenta que teríamos uma disputa entre três alas do campo golpista: a econômica, a política e a ideológica.

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Nas últimas semanas o que temos visto é o agravamento do conflito

A ala econômica seria composta pelos grandes empresários interessados. Sobretudo, nas reformas trabalhista e previdenciária. Da ala política, fariam parte os partidos e seus parlamentares que teriam uma atuação pragmática, procurando. Muitos deles, agir apenas para se salvar da condenação judicial. A ala ideológica, constituída pelo sistema de justiça (Judiciário, MPF, PF). Teria como objetivo combater a corrupção e o PT.

Cada uma dessas alas, por perseguirem, todas elas, objetivos particulares, entraria em conflito com as demais e tais conflitos estariam cada vez mais graves. O campo golpista teria, então, ficado sem um comando unificado. A divisão da frente golpista nessas três alas e as consequências que dela se tiram nos parece incorreta.

Aquilo que nessa divisão aparece como ala política ou pragmática foi, na verdade, o agente que concebeu o programa político e ideológico do golpe do impeachment. Refiro-me ao programa “Ponte para o futuro” elaborado pelo PMDB em meados de 2015.

Portanto, ao mesmo tempo em que o senador Romero Jucá pensava na solução Michel Temer para, nas suas próprias palavras. “Estancar a sangria da Lava Jato” e se salvar da cadeia. Ele e o seu partido sistematizavam também as bases ideológicas e os objetivos políticos do movimento golpista. Congelamento do gasto público real, reforma trabalhista, reforma previdenciária, mais abertura da economia ao capital estrangeiro, alinhamento com a política externa dos EUA etc.

Golpe

Aquilo que é erroneamente denominado “classe política” não se sustenta no ar. Para tentar se safar da justiça, que era o interesse corporativo dos peemedebistas na condição de políticos profissionais. Tiveram de se candidatar a representantes dos interesses de classe que moviam a campanha contra o governo Dilma Rousseff. Isto é, tiveram de se amalgamar com aquela que seria a ala econômica do golpe.

Tampouco a chamada ala ideológica faz jus a essa denominação. Se a ala dita pragmática é também ideológica e está vinculada à ala econômica. A ala ideológica é também pragmática. Juízes, procuradores e delegados da Polícia Federal têm motivos corporativos, econômicos, para opor-se ao governo Michel Temer. Eles estão em campanha contra a reforma da previdência. Já foram prejudicados pela reforma implantada no primeiro governo Lula da Silva e podem sê-lo, novamente, com a reforma proposta pelo governo atual.

Segundo matéria de Leonel Rocha, publicada no blog Congresso em foco. As associações ligadas a juízes, procuradores e promotores estão revoltadas com a proposta original da reforma enviada ao Congresso porque ela equipara suas aposentadorias à dos trabalhadores do setor privado, geridas pelo INSS.

O deputado Lincoln Portela (PRB-MG) apresentou, a pedido dessas associações, emenda excluindo a casta judicial da reforma. A emenda apresentada pelo deputado Portela teve o apoio da Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) e da Confederação que representa os membros do Ministério Público.

A ideologia sempre deforma a realidade de maneira interessada, e mesmo que inconscientemente. Os procuradores podem se ver como salvadores da pátria. Embora ajam de fato para salvar a si mesmos.

Reforma da Previdência

Para além da reforma da Previdência, que é um dado conjuntural. É preciso esclarecer que juízes, promotores, procuradores e delegados têm interesse econômico em coibir a corrupção. Não me refiro a este ou àquele juiz ou promotor que, sendo ele próprio corrupto, tira proveito da corrupção. Refiro-me aos interesses do conjunto dessa categoria social de Estado.

A legitimidade dos seus ganhos exorbitantes, do seu elevado prestígio social e do seu poder autoritário. Como altos funcionários do Estado advém do fato de terem sido aprovados em concursos públicos muito concorridos. E percebidos por grande parte da população. Como processos seletivos socialmente neutros e eficazes para selecionar aqueles que teriam mais dons e mais méritos para ocupar tais cargos.

Ora, se a imagem universalista do Estado for comprometida aos olhos da população pela prática generalizada da corrupção, do compadrio e do patrimonialismo, a legitimidade de tais concursos estará abalada e, com ela, a legitimidade de todos os privilégios de juízes e consortes.

Crise política

E a ala econômica? Tudo que pudemos aprender observando a crise política brasileira é que o poder econômico converte-se, facilmente, em poder político: financiamento empresarial de campanha eleitoral, pagamento de propinas a funcionários públicos, fornecimento de meios materiais para a campanha do impeachment etc. O PMDB agiu como instrumento do grande empresariado quando elaborou o programa “Ponte para o futuro”. Ele agiu como representante político do poder econômico. A ala econômica é também política.

Já afirmamos que muitos deputados têm agido para salvar a própria pele. Os políticos profissionais da classe dominante têm interesses específicos devido à sua inserção particular no processo político. Mas separá-los da classe e das frações de classe que representam é um erro. Eles podem se salvar, mas não lograrão fazê-lo contra os interesses dessas últimas.

O que divide, em última instância, o campo golpista não são as particularidades das assim chamadas ala econômica, ala política e ala ideológica do golpe, tampouco os conflitos que seriam oriundos dos objetivos específicos de cada uma dessas alas, mas o fato de que a frente política que promoveu o golpe ser uma frente composta por classes e frações de classes com interesses distintos.

Uniram-se na luta contra o PT; estão se separando sob o governo Michel Temer. As instituições como os partidos políticos, o sistema de justiça, a mídia, devem ser analisadas como instituições vinculadas, direta ou indiretamente, de maneira mais complexa ou mais simples, às classes e frações de classe em presença. Mas esclarecer essa ideia seria tema para outro artigo.



Armando Boito Jr. é professor Titular de Ciência Política da Unicamp e editor da revista Crítica Marxista e um dos fundadores do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) do IFCH-Unicamp.

 

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