Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

Porque defendo Cesare Battisti

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Domingo, 08 de Outubro de 2017 às 13:20, por: CdB

A leitura do Editorial desta semana da revista online Será? Penso, logo duvido, cujos artigos costumamos utilizar  aqui no Direto da Redação, me obrigou a uma resposta num comentário, já postado, e que transcrevo aqui. Muita gente se considera satisfeita com os noticiários, nem sempre completos e corretos, sobre Cesare Battisti, e se torna favorável à extradição do militante italiano, numa espécie de cumplicidade para se punir 40 anos depois um homem, sem saber se realmente ele é culpado. Num gesto grave de desumanidade. Espero que este texto ajude pelo menos uma pessoa a entender o caso Cesare Battisti.

Por Rui Martins, de Genebra:

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Não seja cúmplice da destruição de um homem O Brasil sairá diminuído se ceder à Itália no caso Battisti

Ia passando pelo online da Revista Será?, do Recife, ia ler o artigo de Helga Hoffmann sobre A Catalunha, quando vi o artigo editorial sobre Cesare Battisti. Li, porque desde a prisão de Battisti, na fronteira com a Bolívia, passei momentos de grande preocupação e porque não dizer, também de angústia.

Seria interessante contar que não conheço pessoalmente Battisti, mas vivia ainda em Paris quando começaram os infortúnios desse italiano, militante, na juventude, da extrema esquerda. Tinha sido um dos beneficiados com o refúgio pelo presidente Mitterrand, tinha uma profissão humilde, como aconteceu com os brasileiros que viveram, como eu, o exílio. Em 1990, era zelador em Paris e escrevia romances policiais. Criou uma família, teve duas filhas, até de repente colocarem em questão seu refúgio, com o fim da era Mitterrand e o retorno da direita.

O ministro italiano da Justiça Clemente Mastela tinha formulado à Justiça francesa, naquela época, um pedido de extradição e, em 2004, Battisti fugiu de Paris para o Brasil. O debate criado com o pedido de extradição reuniu persolanalidades da época em favor de Battisti, como os escritores Fred Vargas, Bernard-Henri Levy, o humorista Guy Bedos, o l'abbé Pierre, Bertrand Delanoë, que seria o prefeito de Paris.

Em março de 2007, Battisti foi preso no Rio de Janeiro e quatro dias depois, eu escrevia meu primeiro artigo sobre Battisti, editado no Direto da Redação, ainda editado pelo jornalista Eliakim Araújo. Por que? Por que meus caros amigos editores da revista Será?

Por uma questão de humanidade. Naquele dia, não procurei saber se Battisti era ou não culpado, bastava-me saber ser um fugitivo – da Itália para o México, do México para a França e da França para o Brasil. Perdendo tudo a cada vez em que era obrigado a recomeçar a fugir. Já eram mais de 30 anos. Mesmo os condenados a prisão perpétua da Brigada Vermelha acabaram sendo libertados depois de 20 anos de prisão. Battisti continuava fugindo sendo preso, fugindo e sendo preso.

Em Paris, Fred Vargas, escritora de sucesso se interessou pelo caso e quis saber se Battisti era mesmo o bandido descrito pela Itália e repetido pela mídia. Chegou à conclusão de sua inocência, escreveu um livro a respeito, foi à imprensa francesa, e com o grande sucesso de seus livros decidiu apoiar seu colega escritor, isso quer dizer pagar bons advogados.

Quando escrevi o primeiro artigo em favor de Battisti, o caso era desconhecido no Brasil e vi também que Eduardo Suplicy e Fernando Gabeira também saíram em defesa do italiano. Porém a revista Carta Capital, de Mino Carta, orientadora de uma parte do pensamento de esquerda no Brasil, era pela extradição de Battisti, fazendo demorar um movimento de apoio a Battisti.

Tivemos umas discussões bem mais graves que esta, e, enfim, a esquerda lutou contra a extradição de Battisti, com juristas importantes como Dalmo Dallari e teve o apoio do ministro da Justiça Tarso Genro. Um livro significativo, escrito por um professor da Unicamp, Carlos Lungarzo, contou os Bastidores do Caso Cesare Battisti, que o autor poderá lhe enviar para perceber que nem tudo é tão simples para se concluir ser infundada a comparação de Battisti com outros refugiados políticos e improcedente a decisão de Tarso Genro de lhe conceder refúgio no Brasil.

As palavras que escrevemos, seja onde for, num jornal muito lido ou pouco lido, num online imaterial ou numa folha de papel jogada ao vento, são muito importantes. E jamais eu, com meus pouco leitores, me atreveria a engrossar o coro do que pedem para Temer assinar sua extradição para ir apodrecer numa prisão italiana, onde seus tantos inimigos talvez encurtem sua prisão perpétua. Porque não quero ser cúmplice da maldade e da miséria humana.

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Quarenta anos depois, acha ainda útil, humano, justo se querer massacrar um homem provavelmente vítima de uma justiça desejosa de encontrar culpados, mesmo que não fossem? A Itália daqueles anos não sei se poderia se chamar de exemplo, com diz, infiltrada por neofascitas e mafiosos. Eu não poria minha mão no fogo pelo sistema judiciário italiano daqueles anos, no qual o próprio partido comunista não suportava a extrema esquerda, daí o ódio da Carta Capital a Battisti, um dos únicos, com Maria Petrella a escapar da vingança final. Maria Petrella professora universitária em Paris, mãe de duas adolescentes, ia ser extraditada, com prisão perpétua, trinta anos depois de sua participação na Brigada Vermelha. Essa seria uma solução?

Perdoe-me esse longo comentário, talvez já maior que o artigo. Mas não posso deixar de fazê-lo, pois tais conclusões do Editorial podem induzir outros a julgarem sem provas e condenarem Battisti à prisão perpétua, deixando mulher e filho no Brasil, como se tal vingança consertasse alguma coisa no passado.

Eu e tantos companheiros de esquerda, esquecendo as divergências criadas ultimamente, estamos dando do nosso tempo escrevendo, publicando, republicando, enviando mensagens ao presidente Temer para não revogar a decisão de Lula, dando o refúgio a Battisti, hoje não mais um refugiado mas um imigrante de vida tranquila em São Paulo.

Hoje mesmo, tenho aqui diante de mim, o jornal suíço Le Temps contando o absurdo da prisão na Itália de um imigrante da Eritréia, já durante 17 meses, sem provas e por um confusão jurídica, que o procurador de Palermo, Calógero Ferrara não desfaz para não perder seu posto. Coincidência – o ministro do Interior da época da prisão do inocente, era Angelino Alfano, o atual ministro das Relações Exteriores que conspira com o embaixador brasileiro em Roma e o embaixador italiano em Brasília com o ministro Torquato Jardim, a extradição de Battisti.

Como vê, a Justiça pode errar, as vezes por interesses mesmo pessoais. Eu não condenaria um ser humano me baseando em resumos de noticiários sobre julgamentos que, como conta Lungarzo, foram montagem e armação.

Para ler o Editorial da Revista Será?, clique em https://www.facebook.com/revistasera/ (título O Caso Battisti).

Rui Martinsjornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e  RFI.

Editor do Direto da Redação.

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Edições digital e impressa
 
 

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