Não foi exatamente como todos imaginavam. Logo depois da cativante apresentação do trio do pianista Brad Mehldau, na noite de sexta-feira, em São Paulo, no palco Tim Club -- espaço reservado para os jazzistas do Tim Festival --, a cantora Nancy Wilson entrou em cena para encerrar a noite e desapontou boa parte do público.
O norte-americano Brad Mehldau tinha acabado de executar um show extremamente intimista, hipnotizando a platéia com seus arranjos desestruturados de standards da música popular norte-americana e do rock de grupos como Radiohead e Beatles, quando Nancy Wilson subiu ao palco sem muita disposição, acompanhada por instrumentistas pouco inspirados.
A apresentação de Wilson, que durou quase duas horas, ficou devendo até mesmo para o mini-espetáculo do violonista brasileiro Chico Pinheiro, que abriu a noite como convidado especial em um resumido e bem realizado show de apenas 50 minutos e sete músicas.
Mehldau, o baixista Larry Grenadier e o baterista Jorge Rossy conquistaram o público com dois clássicos em sequência: "You Do Something to Me," composta por Cole Porter no final dos anos 1920, e "Alfie," balada de Burt Bacharach, outro compositor norte-americano profícuo durante os anos 1960 e 1970 e um dos símbolos de modernidade para os arranjadores da nova geração.
O pianista abraçou definitivamente a platéia com "Everything its Right Place," canção depressiva do grupo inglês Radiohead, dotada de uma melodia simples, mas harmonicamente fértil para Mehldau transfigurá-la em pequenos concertos, um mais belo que o outro.
Durante o bis, o trio arriscou com "She's Leaving Home," um dos hinos do álbum "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band," de 1967, composto por John Lennon e Paul McCartney. Foi o suficiente para o público deixar as cadeiras e aplaudir de pé com muito entusiasmo um tímido Mehldau, que conseguia apenas sussurrar o "obrigado."
ENTRE O POP E O JAZZ
Nancy Wilson, 67 anos, entrou em cena sem muita inspiração. Logo no início, enquanto cantava o clássico "My Foolish Heart," composta na década de 1930 por Ned Washington e Victor Young, interrompeu o espetáculo para exigir uma equalização mais pertinente entre o piano e a bateria.
Ela tentou agradar novamente, desta vez com "Never Will I Marry," música de Frank Loesser, uma boa recordação dos tempos que cantava para o saxofonista Cannonball Adderley, durante o início dos anos 1960.
Logo depois, Wilson apelou para o vocabulário pop descartável, apoiado sobre um teclado e um contrabaixo eletrônico, entediando o público. Várias pessoas começaram a deixar a tenda do Tim Club.
No final, sob os olhares de pouco mais de 100 pessoas, a cantora sentiu-se mais confortável para recuperar o caminho do jazz que a transformou em "diva" durante os anos 1950 e 1960, encerrando o show à 1h50 de domingo após cinco bis.
O artista convidado para abrir a noite do palco Tim Club foi o violonista Chico Pinheiro, 29 anos, um dos maiores responsáveis pelo sucesso fulminante da cantora Maria Rita, filha de Elis Regina.
Seu show foi a maior surpresa da noite. Quem esperava por uma apresentação mais contida, presa às regras da MPB, animou-se com a versatilidade do grupo do violonista, composto pelo saxofonista e flautista Teco Cardoso, o baterista Edu Ribeiro, o baixista Marcelo Mariano e o pianista André Mehmari.
Alguns números apresentados por Pinheiro, como "Tema em Cinco," 'Samba Malandro" e 'Tema em Três," escapam das armadilhas mais comuns da música brasileira e recriam a fusão inteligente e dinâmica entre o jazz, o erudito e a bossa nova, raramente explorada pelos instrumentistas da nova geração. A cantora Luciana Alves, convidada especial do violonista, participou em duas canções -- "Burilizais" e "Mandarim."
O Tim Club recebe neste sábado o saxofonista porto-riquenho David Sánchez, o grupo de quatro arranjadores-violonistas cariocas Maogani e o saxofonista norte-americano Branford Marsalis.