Rubens Ricupero, ex-ministro e ex-negociador brasileiro na Rodada do Uruguai do GATT, agora secretario-geral da Conferencia das Nações Unidas sobre Comercio e Desenvolvimento, apresentou seu relatório, em Genebra E aproveitou para falar da política económica brasileira, dos últimos dez anos, da época FHC. Se o relatório eh critico com relação ao impacto da globalização sobre os países em desenvolvimento, sua analise eh também bastante critica sobre o ex-governo que, segundo ele, desindustrializou e desnacionalizou o Brasil
Leia, na íntegra, a entrevista do embaixador Rubens Ricupero
Correio do Brasil - Seu relatório faz uma análise geral, mas se considerarmos só o Brasil, principalmente quanto a divulgação das estatísticas mostrando uma maior desigualdade na distribuição das riquezas?
Rubens Ricupero - Nesse particular, o relatório divulgado pela CNUCED (UNCTAD) explica a razão desse problema. Porque mostra que no curso dos últimos dez anos, o Brasil sofreu um processo de desindustrialização, isto é, passou a ter uma indústria menos importante na sua economia. Não como ocorreu nos países ricos, que por um processo natural, a partir de um certo nível, se concentram mais nos serviços. No nosso caso foi um desindustrialização perversa, porque se fez na base do desemprego, da redução dos custos, sem que o nível per capita da população tenha aumentado. Por isso eh que houve um aumento do desemprego. Hoje estamos com um desemprego de 13% no Brasil. Houve também uma queda na renda real das pessoas e estamos agora numa situação em que, de um lado os países asiáticos avançam e se industrializam mais, e do outro, países como o Brasil, Argentina e outros da América Latina estão perdendo a base industrial que tinham. E quando conservam é na base do desemprego, de reprimir, e muito, o número de empregados e de pagar salários muito baixos, muito insatisfatórios, sem que isso seja compensado, por desenvolvimento em outros setores. Porque o setor de serviços, é um setor que depende muito da renda da população. Hoje em dia, no Brasil, as pessoas ganham tão pouco que não podem nem pagar o transporte. E é isso que explica a ligação entre o aumento da desigualdade e o fenômeno que nosso relatório mostra, que é a desindustrializaçâo precoce.
CdB - Ao mesmo tempo, um processo de desnacionalização, que talvez comprometa o governo atual..
RR - O caso da desnacionalização com relação aa entrada de muitos capitais estrangeiros no setor de serviço, sobretudo telecomunicações e energia, tem outra natureza. Esse tipo de investimento de capital estrangeiro, depois de algum tempo começa a gerar uma pressão para a remessa de lucros e não é um tipo de investimento que crie uma capacidade de exportação, portanto de aquisição de dólares para pagar essas remessas de lucros acrescidas. Dai, portanto a desvantagem, eh mais uma pressão na balança de pagamentos. O melhor teria sido se esse capital tivesse vindo, não para comprar empresas já existentes no Brasil, mas para criar empresas em setores novos, produtos que o Brasil ainda não produz, e ai ser capaz de exportar mais o que hoje exportamos.Mas isso houve muito pouco, a maioria foi a aquisição de empresas brasileiras e, muitas vezes, houve compressão para redução dos custos
CdB - A criação pelo Brasil de um grupo que agiu em Cancún poderá reforçar a posição brasileira no mercado internacional?
RR - Acho que foi uma medida muito adequada, que o Brasil pode unir sua voz a de outros países muito expressivos, como a China, Índia, África do Sul e a maioria dos países da América do Sul. Isso nos dará maiores condições no prosseguimento das negociações, para obter uma maior abertura do mercado para os nossos produtos, sobretudo da agroindustria, onde o Brasil esta lutando, no momento, contra muitos obstáculos