O processo de destituição de Dilma Roussef criou um temerário precedente na história política brasileira
Por Marilza de Melo Foucher - de Paris
Não há dúvida de que a destituição da presidenta Dilma Roussef foi planejada no nível nacional e, provavelmente, com a colaboração internacional. Com o apoio do quarto poder e dos setores conservadores do poder judiciário, uma mulher honesta foi lançada à lama. É o sinal dos tempos de um Brasil que oscila entre o caos e a esperança.
O processo de destituição de Dilma Roussef criou um temerário precedente na história política brasileira. A partir de 12 de maio de 2016, o Brasil tem dois presidentes: um eleito por sufrágio universal e injustamente destituído, e o outro,um presidente interino que tomou as rédeas do Estado por um procedimento dito de impeachment. Ávido de poder, o presidente interino Michel Temer começou a agir precipitadamente, nomeando ministros indicados por deputados e senadores que lhe permitiram e apoiaram na tomada do poder e que são, em maioria, envolvidos no escândalo de corrupção sob investigação da operação Lava Jato.
O presidente interino é dotado de uma enorme sede de vingança ao ponto de ordenar medidas que confinam a presidenta Dilma Roussef em uma espécie de exílio político, dentro do palácio presidencial, ao ponto de suprimir suas viagens, visitas familiares, seguranças e controlar até seus gastos com alimentação. Em pouco tempo, o “golpe dos corruptos” foi desmascarado pela mesma cúmplice imprensa brasileira que publicou a transcrição de gravações de uma conversa datada do último mês de março, entre o ministro interino do planejamento Romero Jucá e um antigo senador de seu partido, Sérgio Machado.
A revelação das gravações demonstra a verdadeira razão do golpe parlamentar praticado contra a democracia e contra o mandato legítimo de Dilma Roussef. Em testemunho publicado quarta-feira, 15 de Junho de 2016, pela Suprema Corte Brasileira, Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, uma filial da gigante petrolífera Petrobrás, fez um acordo com a justiça para reduzir a sua pena. Ele confirma que o presidente de facto do Brasil, Michel Temer, tirou proveito da rede de corrupção montada no interior da poderosa empresa estatal Petrobrás.
O Banco do Brasil informou recentemente à comissão de acusação do Senado que não há nenhum documento comprometendo a presidente Dilma. Isto confirma o que diz Dilma e sua defesa: como pode ela ser responsabilizada de ato que não cometeu? Em uma entrevista à Folha de São Paulo, o procurador geral da República, Rodrigo Janot, fez uma declaração enfática: “Estava claro que eles queriam interferir no processo eleitoral. O advogado de Alberto Youssef começou a promover vazamentos de maneira seletiva. Eu preveni de que isso deveria parar porque a cláusula contratual diz que nem Youssef nem o advogado poderiam falar. Se isso continuar, eu me comprometo a ratificar a denúncia”.
A sociedade brasileira constatou que os representantes que ela colocou no poder, os eleitos ao Congresso são mais aptos para o circo do que para o exercício legislativo no Parlamento. Uma boa maioria dos membros do Congresso, implicados na corrupção, está mais preocupada com os interesses particulares do que com o interesse coletivo.
Diria que existe, hoje, uma resistência democrática mobilizada contra o golpe de Estado. Todavia, não se pode cantar vitória! A derrota da destituição da presidenta Dilma não é uma derrota dos golpistas, tendo em vista, que há um Plano B sobre o impeachment de Roussef e Temer pela Suprema Corte do Brasil. Os conservadores do poder judiciário vão continuar a dar prioridade nesse procedimento. A presidenta Dilma não poderá contar com maioria nem na Câmara, nem no Senado. A Operação Lava jato será de novo acionada contra Roussef e o PT. Ela vai continuar a facilitar os vazamentos seletivos, as delações procurando enfraquecer um governo já debilitado. O mundo dos negócios, das mídias e dos partidos da direita brasileira vai continuar a se mobilizar contra todas as medidas que procuram inverter a política de ajustes neoliberais, onipresente para preparar a mudança.
Diante do perigo, é preciso não esquecer que a direita e seus aliados (mídias tradicionais, mundo dos negócios, juízes conservadores, militantes de extrema direita) são muito organizados para impedir a continuidade de um projeto político de desenvolvimento com inclusão social e com soberania nacional. Como resolver esses problemas? A simples reafirmação do programa sobre o qual Dilma Roussef foi eleita em 2014 não basta, pois ele não leva em conta o contexto político e econômico em evolução depois de sua posse.
Uma nova articulação das forças políticas parece indispensável para enfrentar esses desafios. A questão é: que tipo de renegociação (como diz Dilma Roussef) está à altura dos conflitos em curso? Os movimentos sociais compreenderam bem o desafio político, na luta pela preservação de seus direitos e da defesa de um modelo de desenvolvimento com a inclusão social e o respeito ao meio ambiente.
Deve-se levar em conta que a maioria dos que sustenta o golpe de estado parecem paralisados diante dos escândalos de corrupção que atingem ministros designados pelo governo provisório e ao próprio presidente. Eles estão todos inquietos diante do escândalo da Operação Lava Jato. Os brasileiros tomaram consciência do blefe montado quando do golpe de Estado, em nome da restauração da moral pública. Eles olham incrédulos o impasse no qual se encontra o governo provisório e sua maioria parlamentar: os mais corruptos estão no poder!
O presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA, Jessé Souza, escreveu: "Nós estamos em um mundo controlado por um sindicato de ladrões da política, por juízes justiceiros que protegem uma elite de vampiros e uma sociedade condenada à miséria, à pobreza material e espiritual. Esse golpe de Estado, essa escroqueria deve ser compreendida por todos. Ela é o espelho do que nos tornamos”. Eu direi como Martin Heidegger: 'Só um Deus pode nos salvar!' Marx, talvez mais modesto, disse: 'Cada problema traz em si mesmo uma solução”. Qual delas emergirá para o Brasil?
Esperança: uma utopia possível
Apesar da expectativa de dificuldades e revezes, a crise favoreceu a reaglutinação da esquerda. Houve um sobressalto de mobilização popular, um sobressalto cidadão. Os jovens começam a discutir política. Eles compreenderam que o governo Temer representa a perda dos direitos e das conquistas sociais dos governos Lula e Dilma. Os intelectuais, os artistas, se reapropriam do debate político e denunciam o golpe de Estado e o papel dos meios de comunicação. Lula foi legitimado no seu papel de líder popular sem precedentes na nossa história.
Apesar da incessante campanha de difamação, ele continua o melhor candidato para as eleições presidenciais de 2018. É ele o grande mobilisador que conseguiu rearticular a esquerda contra o golpe de Estado. É claro que mesmo se a destituição de Dilma Roussef era o fim imediato, o alvo principal era o antigo presidente Luís Inácio Lula da Silva. Seu percurso será interessante para a análise dos politólogos. Quanto mais ele é maltratado pelos inimigos que querem evitar a sua candidatura, mais seu apoio popular aumenta.
Uma frente popular nasceu em todos os Estados do Brasil e as discussões sobre o futuro da esquerda estão abertas. Quais são as alternativas futuras para reforçar a esquerda na luta política? Muitos assuntos estão postos à mesa: plebiscito pela reforma política, plebiscito pela antecipação das eleições, retorno de Dilma, uma nova constituinte. A presidenta Roussef, que nunca foi popular por ser demasiado tecnocrática, está sob o plebiscito da maioria dos brasileiros. Segundo o Instituto Datafolha, organismo responsável por estatísticas, 98% dos brasileiros são solidários a Dilma Roussef. Ela surpreendeu a todos por seu combate e determinação para defender a democracia. O “Fora Temer” se tornou o bom dia dos brasileiros.
A Frente Popular está organizada também no plano internacional. Na França é o Coletivo Solidariedade França-Brasil, criado reunindo o Comitê França-América Latina, o grupo do Partido dos Trabalhadores, a Associaçao Internacional dos Amigos do Movimento dos Sem Terra, o Movimento Democrático 18 de Março - o MD18, a Associação Outro Brasil, o Partido Comunista e o Partido de Esquerda. Todos os partidos de esquerda na França, à exceção do Partido Socialista, enviaram carta de apoio à presidenta Dilma Roussef.
É por esta razão que digo a todos os movimentos sociais, a todos os partidos de esquerda na França e na Europa: o silêncio deveria ser proibido quando uma democracia estiver ameaçada, aqui ou em qualquer outro lugar do mundo.
Marilza de Melo Foucheré economista, jornalista e correspondente doCorreio do Brasil, em Paris.
Artigo publicado, originariamente, no jornal Mediapart-Paris
Tradução: Gutemberg Armando Diniz Guerra
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