Continua agitado o ex-presidente Fernando Henrique. É de seu direito e do ritual da política. Ele começa a perceber que o seu tempo passou e, para o poderoso em geral, e para o poderoso arrogante, em particular, nada mais terrível do que ver a glória esvair-se em vida. Um velho conselho da sabedoria é o de administrar o êxito como se fosse o declínio, e o declínio como se fosse o êxito. Ver a senectude como conquista é vitória da lucidez, mas a lucidez é conquista da modéstia. E, convenhamos, a modéstia não é patrimônio comum aos que se consideram intelectuais, embora seja um bem reservado aos sábios.
Podemos admitir, como premissa ao raciocínio, que a ligeira melhoria no desempenho econômico nacional nada tenha a ver com a ação administrativa do governo. Afinal, e o ex-presidente se vangloria de conhecer o tema, o capitalismo está sujeito às volúveis circunstâncias, mais do que ao cálculo dos econometristas, e estamos em uma fase (ou em uma bolha, como é do vocabulário específico) de recuperação do consumo. Ao espernear contra as evidências, e tentar atribuí-las a seu saber pretérito, o ex-chefe de governo, ao contrário do que pretende, assegura a Lula e à sua equipe os louros do momento.
Vamos relembrar, rapidamente, o que ocorreu ao Brasil depois da posse do Sr. Fernando Collor. Eleito em nome da ética, o ex-governador de Alagoas cometeu dois crimes contra a nação. O primeiro deles foi o da adesão, escancarada, ao Consenso de Washington, com a abertura dos portos aos privateers (como eram chamados os corsários, ou seja, os autorizados piratas ingleses). O segundo foi o de governar com duas equipes. A primeira, formal, era constituída de homens respeitáveis, que podiam ser mais conservadores, ou menos conservadores, mas de cuja conduta pessoal pouco ou nada se podia dizer. A outra equipe, para valer, era chefiada por um premier gris, que realmente mandava, conforme lhe mandavam e o remuneravam, o Sr. Paulo César Farias. Uns serviam de biombo respeitável, enquanto os outros operavam.
Quando a situação chegou a tal ponto que a cidadania, irada, estava disposta a partir para a resistência nas ruas, o Parlamento ouviu-lhe o clamor e se desfez do tartufo. Provido de cautelosa modéstia, o Sr. Itamar Franco dedicou dois anos a varrer as salas e corredores do poder, devolvendo à República aquele mínimo de ética sem o qual as nações perecem. E, mais do que isso, conforme lembrou em recente almoço com jornalistas o Sr. Delfim Neto: continuou no esforço, que vinha desde Sarney, para reequilibrar as contas públicas, conseguindo reduzir a dívida, em termos reais, em mais de 30% e, ao descobrir marota contabilidade do Banco Central, em mais de 50%, em termos nominais.
Infelizmente, as circunstâncias e a boa fé de Itamar fizeram de Fernando Henrique o seu sucessor, que recuperou a versão moderna da comédia, ao completar a obra de entrega do patrimônio nacional, fechar os olhos às falcatruas (ou abri-los bem, não se sabe), comprar a reeleição, multiplicar a dívida por dez, e entregar ao sucessor a massa falida. Assim, em lugar do ator despreparado de Maceió, passado o intervalo de Itamar (no qual o país cresceu mais de 5% ao ano), subiu ao palco M. Tartuffe, em pessoa, nas vestes esplendorosas do teatro seiscentista de Molière.
Fernando Henrique faz lembrar a advertência mineira, de que, quando a esperteza é grande, come o esperto. Ao comparar os dois governos, o observador atento descobrirá que se Lula consegue fazer mais do que ele, seguindo, segundo diz, a sua própria política, é porque, mesmo com os superávits primários imensos, está havendo disponibilidade. É que, sem novas e escandalosas privatizações, e novos escândalos financeiros envolvendo o Banco Central, o governo ficou mais barato para os cidadãos. Isso sem falar que Lula retomou a prática de Sarney e de Itamar, ao vir reduzindo o volume da dívida.
Golpe contra Lula
O moviment