Rio de Janeiro, 21 de Janeiro de 2025

O Brasil: visto de Berlim

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Sábado, 02 de Dezembro de 2006 às 08:10, por: CdB

Anos atrás, em certo país da Europa, estive numa mesa de debate sobre o Brasil, onde também estava um embaixador brasileiro (os nomes não importam). O primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso estava no meio. Isso foi motivo de saudação: na mesa estavam representantes do mundo acadêmico daquele país e de partidos de esquerda, o que seria impossível nos ainda recentes tempos da ditadura de 64.

Em sua fala, aquele embaixador pintou um quadro tão positivo, que não me contive: depois lhe perguntei onde ficava aquele país de que ele falava, pois eu queria me mudar para lá. Certamente não era o Brasil de onde eu viera. O embaixador entendeu o espírito da coisa, riu muito, e nos despedimos cordialmente.

Mas eu não poderia fazer a mesma tirada sobre a conferência do embaixador (Bodschafter) brasileiro em Berlim, Luiz Felipe de Seixas Corrêa, proferida no dia 27 de novembro, segunda-feira à noite, em evento promovido pela Deutsche Brasilianische Gesellschaft - Associação Alemanha-Brasil, ou Teuto Brasileira. Apresentada em cerca de uma hora, a que seguiram perguntas, a conferência traçou um quadro bastante preciso, abrangente e sóbrio de seu objeto, "O Brasil depois das eleições".

Presentes, além dos diretores da Associação, havia sócios, interessados, professores universitários e pesquisadores: de 40 a 50 pessoas, o que é considerado um número expressivo. A conferência se realizou na "Sala do Kaiser", em pleno mais espetaculoso que espetacular complexo arquitetônico da Sony Corporation, em Potsdamer Platz, bairro que, arrasado ao fim da Segunda Guerra, um deserto durante toda a Guerra Fria, dividido pelo Muro de Berlim, foi transformado em vitrina empresarial depois da reunificação.

Esta sala fazia parte de um conjunto tombado pelo Patrimônio Histórico, que estava no lugar previsto para um estacionamento da Sony. A companhia japonesa contratou uma transportadora que literalmente ergueu o prédio, com seus alicerces e tudo, embrulhou-o em lonas enormes e amarrou-o com cabos de aço e, depois de coloca-lo sobre trilhos, deslocou-o cerca de quinhentos metros, numa viagem que durou alguns meses.

É claro que, na linguagem diplomática, "tensões" logo se transformam em "equilíbrios", e "confrontos" viram "harmonias" e "convergências" bem mais cedo do que às vezes permitem os contendores na arena política real. É o dever de ofício e a responsabilidade própria de uma representação diplomática em tempos de estabilidade política, como se pretende construir e conservar no Brasil. Feito este desconto, deve-se apontar que a fala do embaixador brasileiro pontuou alguns dos desafios e das tensões presentes nesta abertura do segundo mandato do Presidente Lula.

A primeira parte da fala do embaixador destinou-se a provar a existência de uma estabilidade democrática no Brasil. Apresentou os números expressivos da eleição brasileira, e a performance eleitoral como um todo: 126 milhões de eleitores, 83% de comparecimento no primeiro turno (104.8 milhões), um pouco menos no segundo (102 milhões), os milhares de cargos e de candidatos em disputa em todo o país, em nome de 29 partidos. O comparecimento percentual é em média o dobro do registrado em países onde o voto não é obrigatório. Os eleitores brasileiros somavam tanto quanto os da Alemanha, França e Reino Unido juntos, num território maior do que o da Europa. No segundo turno, três horas depois do encerramento da votação, já eram conhecidos todos os resultados, e sem contestações, mesmo onde o resultado fora apertado, como no Paraná.

Na segunda parte, o embaixador apresentou o quadro partidário que resultou das eleições. O aspecto mais significativo apontado foi o de que os seis partidos que superaram a cláusula de barreira (que também existe na Alemanha) em 2006 (PT, PSB, PMDB, PDT, PP, PSDB e PFL) seriam os mesmos que a teriam superado caso ela valesse em 2002, o que, segundo o embaixador, mostra uma certa estabilidade política. Porém, ressaltou, a r

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