"Quando digo que poderia pagar 25% da dívida, estou falando a realidade. Se for pago mais, como na década de 90, será paga com a fome do povo e será como um genocídio nas costas do nosso povo." Estas as palavras que sintetizam a posição da Argentina, pronunciadas por seu presidente, Néstor Kirchner.
Que outra posição deve tomar o Brasil, senão apoiá-lo? Os que dizem que não argumentam que a estratégia brasileira é outra e não deveríamos legitimar um comportamento desses. Mas qual é a estratégia brasileira? "... a estratégia brasileira é de respeito integral aos contratos e de formação de superávits primários anuais destinados a abater a dívida e, assim, passar a controlá-la definitivamente" (sic), conforme argumenta Celso Ming (Estadão, 11/2/2004).
Mas esse "respeito integral" e esses superávits primários têm levado a "abater a dívida" e a "controlá-la definitivamente"? Não é o que dizem os números: o Brasil gastará em 2004 US$ 55 bilhões, US$ 11 bilhões a mais do que em 2003, isto é, 20% a mais, com os superávits primários muito superiores aos solicitados pelo FMI, com a taxa de juros real mais alta do mundo garantindo a multiplicação da dívida. Um ano depois estamos abatendo a dívida ou sendo abatidos por ela? Estamos controlando a dívida ou sendo controlados por ela?
E ainda que o governo não entenda assim, contra todas as evidências, a solidariedade com o aliado estratégico mais importante do Brasil - no Mercosul, no G-20 e em todas as nossas grandes iniciativas externas - requer o apoio e o respeito às suas linhas de atuação.
Mas não apenas por solidariedade o Brasil deve apoiar a Argentina. Visivelmente a tática norte-americana é a de, através do FMI, tentar quebrar um dos elos vitais da nova aliança na América Latina e no G-20, a Argentina, mais fragilizada do que o Brasil atualmente. Se conseguir isso, o que vai triunfar não é a linha conservadora do governo brasileiro, mas o retrocesso do país vizinho e a desmontagem do novo projeto do Mercosul, além dos efeitos negativos também no G-20.
No momento em que Washington faz novas ameaças ao Brasil, apoiado no G-14, mais do que nunca a coesão do eixo Brasil-Argentina tem que ser preservada e fortalecida. O Brasil deve apoiar a Argentina nas duras negociações com o FMI.
Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de "A vingança da História