Daqui duas semanas o mapa político brasileiro terá novas cores no fundo, com as eleições municipais. Mais do que revelar - como querem alguns - o juízo nacional sobre o governo Lula, o pleito irá identificar ainda discreta, mas importante, revolução que se desenvolve no que se convencionou de chamar "Brasil Profundo".
Novas forças sociais emergem, como resultado dos meios modernos de comunicação, sobretudo da internet. Afinal, para qualquer coisa de boa servem as coisas ruins. A intercomunicação dos computadores, criada para servir aos objetivos bélicos dos Estados Unidos, saiu do controle do Pentágono e é hoje o mais independente de todos os recursos de difusão e intercâmbio de idéias. Mesmo nas cidades menores há internautas, com acesso a todas as informações mundiais disponíveis. Se muito do que chega às telas dos computadores seja lixo, quem souber garimpar encontrará informações valiosas e opiniões que excitam a mente de qualquer pessoa, e têm estimulado o aprendizado do inglês, a linguagem cibernética dominante.
Começam a entender, os habitantes de muitas cidades, menores ou maiores, que deles é o poder real de fazer e desfazer governos e programas, e se articulam em movimentos extra-partidários. As legendas não importam, porque, na realidade, pouco representam em matéria de idéias. São apenas veículos indispensáveis aos candidatos, pela atual legislação eleitoral. Mesmo o PT, sempre identificado à esquerda, já se encontra com suas cores esmaecidas. Dos outros partidos, fora os gerados na luta clandestina dos comunistas, que ainda guardam um pouco dos sonhos velhos, nada é preciso dizer. São apenas herdeiros envergonhados dos conservadores e liberais do Império, que, conforme a observação pertinaz do Marquês do Paraná, só se dividiam e só se uniam pelas razões objetivas do poder.
Diante da proximidade do pleito, será açodada qualquer votação importante no Congresso, porque o quadro político poderá alterar-se, depois de abertas as urnas e contados os votos. O prestígio de alguns parlamentares ruirá, e o de outros estará em ascensão. Por isso, o governo, empurrado pelos grupos de pressão que temem que o pleito revele o fortalecimento da esquerda, se apressa em permitir logo o plantio de vegetais transgênicos. Esse é um dos temas que dividem a opinião nacional, e cuja divisão se reflete na posição dos governadores. O do Rio Grande do Sul, acossado pelos plantadores de soja, defende os transgênicos. O do Paraná, também com o apoio de importantes plantadores, é contra.
O argumento de Roberto Requião, governador paranaense, é o de que a soja original, sem a transposição genética, encontra mercados em ascensão, e dão ao Brasil uma vantagem comparativa no mercado mundial. Essa divisão de opiniões, por si só, recomenda a reabilitação do pacto federativo. Se o Rio Grande do Sul quer plantar transgênicos, que os plante; se o Paraná prefere não fazê-lo, que tenha direito a não permitir o plantio e a comercialização em seu território. O fato é que devemos ter toda a cautela nessa incursão ousada aos mecanismos mais íntimos da vida. Ainda agora um rapaz de Brasília, ao injetar em seu corpo hormônios vacuns, a fim de se tornar forte e belo, morreu em dolorosa agonia, e outros se encontram no corredor da morte.
A emergência das novas forças municipais é um sinal alentador para a discussão mais profunda do problema federativo. O Brasil não pode ficar à mercê de uma burocracia endêmica em Brasília, que se vem reproduzindo, por herança e cooptação, nestes últimos quarenta anos, e cujos titulares não conhecem nem mesmo sequer as cidades satélites - que vêem de raspão, quando se dirigem aos seus haras e suntuosas fazendas.
O pleito municipal nos trará, em muitas cidades, uma grande surpresa. Em outras, as oligarquias continuarão mandando, mas não por muito tempo mais.
Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretári