Nosso adeus ao colega jornalista Roberto Porto

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Publicado terça-feira, 2 de dezembro de 2014 as 17:48, por: CdB

Colunista Urariano Mota relembra correspondência com nosso colega Roberto Porto
Colunista Urariano Mota relembra correspondência com nosso colega Roberto Porto

Recebi há pouco mensagem que fala das condições terríveis, que gritam o maior desamparo, talvez as últimas horas do jornalista e grande caráter que nos acostumamos a chamar de Roberto Porto. A mensagem veio do jornalista César Oliveira, que me autorizou a divulgação:
“Senhores:
Não quero, não pretendo nem vou cobrar loas por qualquer comportamento que eu tenha tido com o meu querido amigo, parceiro e ídolo Roberto Porto ao longo da sua doença. Dispenso qualquer tipo de elogio, da mesma forma como pouparei críticas.
Robertão tem pouco tempo de vida. Horas, dias… não sei. Foi levado hoje à UTI do Hospital do Andaraí. É um espectro do homem grande e forte que conhecemos. Há meses, está mal de saúde e totalmente abandonado. Evitei expor a situação para poupá-lo. Tentei ajudá-lo de todas as formas, sem sucesso.
Minha mulher, que é técnica de enfermagem e cuidadora de idosos, há tempos para ele arrumou pra ele uma cuidadora (que cuidaria dele e da casa, de alimentação e remédios), mas ele – teimosão como sempre – preferiu a doméstica que a Ada Regina (quatro anos de falecida no domingo passado) havia contratado. Como não sou parente, não pude impingir o tratamento; se o fosse, faria. Se pudesse pagar (algo em torno de R$1.200/mês, bancaria).
Tudo começou com o problema nos olhos (“Não estou enxergando bem”). Consegui com um desconhecido uma consulta gratuita num consultório no Largo do Machado e tratamento completo e grátis no Hospital da Lagoa, mas ele não foi (teimoisão…), dizendo que era longe. Era esclerose da retina, ficou cego de um olho e tem apenas 20% do outro. Mas os anos de abuso de tabaco e álcool cobram, agora, seu preço.
Com isso, passei a escrever as colunas dele na ESPN (revelo agora, apenas para que entendam a extensão do drama, e peço desculpas à ESPN, mas fiz por um amigo querido), como se fosse ele, usando o mesmo vocabulário e repertório de palavras, para que ele continuasse mantendo o emprego. Ele dizia para quem o visitava que ditava as colunas para mim. Pouco importa quem escrevia, importante era manter o emprego. Sem dinheiro, não sei o que seria. Com R$2.000 de aposentadoria e R$4.000 da ESPN, bastava interná-lo decentemente e usar os proventos dele para pagar as contas.
Mas ele se abandonou, até que um dia o cunhado flagrou a menina que lhe prestava favores sexuais na portaria do prédio e armou um banzé. De lá pra cá, foi ladeira abaixo. Até o ponto em que eu mandei um e-mail para os familiares, fiz um banzé entre os jornalistas que o conhecem. Queria que soubessem e tentassem ajudar.
Nas Olimpíadas de Inverno, em fevereiro deste ano, mandei uma mensagem para o filho na Rússia, através de amigos comuns, mas ele jamais retornou. A outro radialista veterano, que trabalhou com o Porto na Rádio Nacional, quando indagado sobre o pai (em recente jogo em São Januário) disse que ‘não sabia de nada’.
Um conhecido jornalista e editor me ligou para perguntar ‘o que estava acontecendo’, porque um amigo, que trabalha no Hospital Pedro Ernesto, ligou pra ele dizendo que identificara o Porto (quem não?…) na emergência, levado por vizinhos, com uma grave infecção nos dedos dos pés, provavelmente diabetes nunca detectada. Descaso, abandono.
‘Trabalhando na TV Globo, tem o melhor plano de saúde do jornalismo brasileiro, e poderia interná-lo decentemente’ – sacramentou um veterano jornalista sobre o filho (vou poupando nomes).
Domingo, ele ainda sorria, entendia as brincadeiras, a mania de acentuar meu nome, o livro (‘Botafogo: 101 anos de histórias, mitos e superstições’) do qual temos o maior orgulho. Estava com péssima aparência, cabeludo e barbudo, o corpo esquelético cheio de equimoses.
Ia ser operado, talvez amputar, ontem os dedos dos pés. Mas estava com a glicose muito alta e não foi. Quando minha mulher e eu chegamos lá ontem, 16h (ela trabalha até 15h), para visitá-lo, continuava em jejum, apesar da suspensão da operação.
Depois de eu lhe fazer a barba, ela arrumou os cabelos e o alimentou por seringa porque as duas domésticas que se revezam na atenção a ele não sabem fazer isso, e as enfermeiras não estão nem aí. Ele já deveria estar sendo alimentado de forma parenteral, mas… quem liga?
Ontem, conseguimos que o trocassem de cama, porque ele não cabia na outra. Falei com o novo VP de Comunicação do Botafogo, ontem, pedindo que o Clube desse a ele o mesmo tratamento dado ao Nilton Santos para que Porto, pelo menos, tenha um fim digno.
Foi levado pra UTI na manhã de hoje. Sua agonia deve durar pouco. Muita falta de cuidado. Muita falta de amor. Mas não foi por falta de aviso.
Abraços,
Cesar Oliveira
Editor da www.livrosdefutebol.com “
Para o quadro escrito acima, falar o quê? Há uma semana o site do Botafogo divulgou uma nota, que pode ser vista aqui http://www.lancenet.com.br/botafogo/Botafogo-recuperacao-Pele-Roberto-Porto_0_1256874415.html :
“O Botafogo divulgou nota no site do clube na qual se solidariza e torce pela recuperação de Pelé e do jornalista Roberto Porto. O primeiro está internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, devido a uma infecção urinária, enquanto Roberto Porto está internado no Hospital do Andaraí, Zona Norte do Rio devido a um grave problema de infecção nos dedos dos pés. Confira a mensagem do clube da Estrela Solitária:
‘Recebam o carinho do Botafogo, tanto o adversário mais genial que já tivemos, personagem marcante da rivalidade mais grandiosa do futebol mundial, quanto o jornalista que sempre retratou com brilhantismo nossas glórias e muitos dos momentos que fazem do Botafogo um clube único.
Estamos com vocês!’”.
E pelo visto, o Botafogo achou que já havia cumprido a sua dolorosa missão.
Diante das últimas horas de Roberto Porto, não é preciso chover no molhado, pois as tragédias, mesmo as pequenas e do cotidiano, repelem os clichês. Por isso nem lembro o quanto é passageira a glória humana. O instante é de urgência e longe da pregação evangélica. Mas é impossível esquecer, ainda que rápido, o quanto a grande mídia trata o sangue e o espírito de quem um dia ela sugou. Não importam o valor, o talento, o mérito, os cargos ocupados, que isso não é moeda na hora da desgraça.
De Roberto Porto me tornei amigo virtual, por três motivos: primeiro, éramos colunistas do Direto da Redação, site dirigido por Eliakim Araújo; segundo, porque eu admirava as suas memórias de jornalista quando falava de João Saldanha e Nelson Rodrigues; terceiro, porque ele era quase pernambucano de Caruaru, e no meio de tanto colunista do sudeste eu me sentia meio deslocado.
Agora, aqui do meu canto e inutilidade, a minha forma de recuperar o grande Roberto Porto é divulgar algumas mensagens em que ele me fez revelações inéditas de Nelson Rodrigues e Ademir Queixada:
“Certa tarde, Nelson me chamou à parte, e me fez a seguinte declaração:
– Roberto, arranjei uma namorada em São Conrado, muito linda. Ficamos sentados no sofá conversando horas.
Aí¬ ele me perguntou:
– Você acha que eu devo pegar na mão dela?
Fiquei estupefato. E respondi:
– Ora, Nelson, se ela é sua namorada, pegue a mão e tudo o que você tem direito.
O problema é que eu não me recordo se já contei isso. Me ajude, please. Fora outras, ocorridas na redação de The Globe, que vou me recordando vez por outra. O fato, incontestá¡vel, é que ele confiava em mim. E consegui fazer as pazes dele com Alceu Amoroso Lima, quando ele soube que o doutor Alceu era bisavô dos meu filhos Roby Porto (hoje na Sportv) e Cristiana Porto (morando há 20 anos em Santa Bárbara, Califórnia).
Saudações do Roberto Porto
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E a do Botafogo, why not? Deixa comigo. Será impossível saber quem era a moça, mas posso incluí-la num novo contexto. Quanto ao Nélson, era um sujeito tímido, educado, fechado em si mesmo. A vida como ela é não representa o que ele era. Você está certo. Mas hoje, às vesperas de fazer 70 anos, me recordo que comecei a lê-lo a partir de 1951, com apenas 11 anos.
Meu pai, pernambucano, chegou em casa com a Última Hora e disse: “Vejam o jornal do meu amigo Samuel Wainer…” Eu devorei.
Porto
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Pode acreditar que ainda tenho algumas, como a do Mickey Mouse gigante que entrou na redação do Globo. Mandaram o palhaço ir pelas costas de Nelson, que dedilhava sua coluna a meu lado, para ver se ele se assustava. Quando o diabo do Mickey deu um toque em Nélson, ele virou-se e disse apenas e simplesmente “grande figura”.
E voltou-se calmamente à sua
Remington nova que eu havia lhe dado.
Saudações do Porto
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Meu quase conterrâneo:
Trabalhei com o Queixada em O Dia. Ele era uma grande figura. Tinha uma coluna, mas era ruim de memória. Então, chegava para mim e dizia:
– Roberto, conte uma história minha para eu passar para o redator de minha coluna…
Pode? Podia.
Um dia disse a ele:
– Conte a história do Heleno na concentração do Vasco, em 1949, quando você botou cebola no prato dele, antes que ele chegasse para o jantar na concentração…
Ele disse:
– Sensacional. Adorei. Minha coluna hoje está salva…
E olhe que eu não trabalhava no esporte. Era editor internacional e nacional. Mas ele, Ademir, sabia que eu sabia tudo dele.
O abração do Roberto Porto
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Nélson não era o maior salário da redação. Escrevia lá mesmo, no meio da bagunça geral. E usava apenas os indicadores para escrever a coluna.
Era uma áfrica esperar ele terminar. Eu mesmo fazia a revisão, porque ele escrevia ‘palitó’ ao invés de paletó e assim por diante. Não era mulherengo e não fazia emendas. Era uma crônica limpa, só com pequenas correções minhas. Estava sempre com o mesmo terno cinza, sem perfume e adorava café.
Tinha um contínuo particular que ele apelidou de ‘Pão Doce’ (ex-contínuo do JS). Mas espere a do Johnny Without Fear. É esculhambante.
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Creio que entendo a sua tese porque minha família, por parte de pai, é de Caruaru. Lá, o velho Leocádio Rodrigues Duarte Porto ‘fabricou’, com Carlota Magalhães, Mário, Mílton, Carmem, Nélson (meu pai) e Hennè (nome esquisito para Caruaru). Carlota morreu cedo, acho que 34 anos. Leocádio casou com Mariah Anacleto, de 15 anos, e mandou mais cinco: Ivanildo Anacleto Porto (vivo em São Paulo), José Marcílio, José Anacleto (morto), Ivoneide e Ivanise (freira, por incrível que pareça). Acho que a ascendência (sou carioca, filho de mãe goiana) pernambucana foi muito forte em mim.
Por isso, entendo o que você afirma sobre sexualidade reprimida de Nelson Rodigues. Até porque Nelson Rodrigues veio de Pernambuco para o Rio e daqui não mais saiu. Imagine que eu, subeditor de esportes de O Globo, anos 70, botei Nélson para trabalhar como meu repórter. Eu precisava de uma entrevista com o Francisco Horta e só Nélson faria. Ele foi para um telefone afastado e mandou bala. Eu adorava ele, que sempre me chamava de ‘doce’ Roberto. Acho que por causa do irmão morto a tiros no jornal do pai Mário.
Ele me telefonava toda noite para comentar os filmes da Globo. Ele dizia assim:
– Roberto, você já reparou que no cinema americano mocinho tem cara de mocinho e bandido tem cara de bandido?
Mas eu não tinha o telefone dele. Quando queria falar com ele, ligava para o irmão Augusto. Daí, Nélson me retornava. O fato de meu pai ser pernambucano também ajudava na nossa ligação. Meu pai fez Direito, começando em Recife e concluindo em São Paulo. Trabalhou como um cão. Nunca teve uma carteira profissional e um emprego. Só sua banca na Rua da Assembléia. Rejeitou um convite de Getúlio (convicções políticas de esquerda) para ser ministro do Trabalho. Morreu aos 85 anos. Foi amigo de Adolpho Bloch, Samuel Wainer e Assis Chateaubriand. Fez trabalhos para os três. Por isso, pela amizade com Wainer, ele passou a comprar Última Hora desde o primeiro número em 1951. Aí, eu, excitado, mergulhei de cabeça em ‘A Vida Como Ela É’. Tinha só 11 anos. Vou parar por aqui para não chatear mais você.
Aquele abraço de
um filho de pernambucano.”
Não sei por quê, mas quando recebi a mensagem de César Oliveira, em que ele fala “sua agonia deve durar pouco”, eu só me lembrei do samba de Bide e MarçaL, Agora é Cinza.
Urariano Motaescritor e jornalista. Autor do romance Soledad no Recife, sobre o assassinato pela ditadura brasileira da militante paraguaia Soledad Barret, grávida, depois de traída e denunciada por seu próprio amante o Cabo Anselmo. Escreveu também O filho renegado de Deus e seu livro mais recente é o Dicionário Amoroso do Recife. Seu primeiro livro foi Os Corações Futuristas, um romance na época do ditador Garrastazu Médici. Na juventude publicou artigos, contos e crônicas nos jornais Movimento e Opinião.
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